“O lugar de mulher é na cozinha”? Elas garantem que sim

Notícias Magazine

Pensavam um dia ser designers, arquitetas ou marketeers, mas o coração falou mais alto e o destino reservou-lhes outro papel. Falámos com mulheres que descobriram na arte da Cozinha a sua vocação e mudaram o rumo das suas carreiras em prol do fascínio pela gastronomia. Conheça as histórias de quem encontrou a felicidade plena entre tachos e panelas

Ângela, a cientista do pão

Filha de um empresário da Panificação, desde pequena habituada a conviver de perto com massas e farinhas, Ângela Ferreira, de 24 anos, conta que nunca pôs de parte a hipótese de seguir as pisadas do pai. “Foi um pouco com essa ideia já em mente que decidi apostar no curso de Química Aplicada no ramo da Biotecnologia na Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL. Além de ser uma área que me fascinava, tinha sempre duas opções: ou enveredava pela investigação, por cá ou no estrangeiro, ou então usava os meus conhecimentos teóricos na firma e aliava-os às décadas de experiência do meu pai, criando uma espécie de laboratório de Panificação para solucionar problemas da minha empresa, e quiçá de outras, desenvolver novos produtos e melhorar os já existentes.” Após terminar o curso na faculdade, depois de analisar prós e contras e à medida que era chamada para algumas entrevistas, Ângela decide definitivamente apostar tudo no negócio de família, com o incentivo de todos. “O meu pai precisava de mais apoio na área da produção e para mim fazia mais sentido ajudar a empresa a crescer, em vez de trabalhar para terceiros. Alguns meses depois, pensei que seria bom aprofundar ainda mais os conhecimentos em Panificação e Pastelaria e em vez de optar por um curso profissional, inscrevi-me na Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril. No primeiro dia, logo que falei com o Chef e contei a minha história, ele convenceu-me a frequentar também os módulos de Cozinha, por achar que seria um bom complemento para a minha aprendizagem. E assim foi!”

Neste momento, Ângela terminou o primeiro semestre em Panificação e Cozinha, e aguarda ansiosamente pelos próximos “capítulos”. O entusiasmo é constante e já conseguiu inovar em diversos produtos da Padaria Pipa fazendo uso de novas técnicas que aprendeu com profissionais, bem como aumentar a produção da empresa. E quanto aos objetivos a médio/longo prazo? “Quero terminar os três anos do curso e gostava de um dia conseguir escrever um livro sobre pão, sobre Panificação desde o início ao fim, ou seja, desde o processo de fermentação até à produção, algo que não existe ainda em português. Queria que fosse um livro útil não só para profissionais, mas também para aquela pessoa que gosta de fazer pão em casa.” Ângela não esquece, no entanto, a vontade de enriquecer ainda mais a sua formação no estrangeiro. “Gostava de fazer formações em França e nos Estados Unidos, sobretudo neste último, porque adorava trabalhar com os trigos americanos.” Ângela sabe que escolheu uma profissão complicada e exigente em termos de horários, mas não vacila quanto à opção que tomou. “Claro que antes tinha mais tempo livre e sim, por vezes custa-me começar a trabalhar de madrugada e não ter terminado ainda o dia quando já são 19h. Mas sinto que sou mais feliz agora, que tenho toda a certeza que estou no rumo certo e que isto é a minha vida.”

Daniela, a marketeer dos brigadeiros

Licenciada em Gestão de Marketing, Daniela Freitas, de 34 anos, era Delegada de Informação Médica até entrar no desemprego no fim de 2011. “Com a crise no país, não havia muita oferta de trabalho. Recebi propostas com péssimas condições, salários mínimos e recibos verdes ou contratos de três a seis meses, sem perspetiva nenhuma de renovação. Para quem já era formada e tinha experiência profissional, era uma desilusão atrás da outra.” Foi para não ficar “parada” em casa que, a pedido de um amigo cabeleireiro que tinha aberto o seu próprio salão com um bar no LX Factory, começou a fazer brigadeiros para venda, sem grandes expetativas. No entanto, a “brincadeira” correu bem. “A partir daí, foram surgindo mais clientes, esses clientes acabaram por pedir bolos decorados e afins e, assim, sempre com o incentivo do marido, decidi inscrever-me no curso de Pastelaria da Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa para aprender melhor as técnicas e oferecer melhores produtos e mais qualidade.” Daniela tinha 30 anos quando percebeu que na Cozinha estava o seu futuro. Os objetivos eram claros. “A decisão em fazer o curso de Pastelaria veio quando decidimos que estava na hora de abrir uma doçaria/casa de chá. O receio de não dominar a área era muito grande, por isso, entrar no curso foi essencial para aprender, abrir os olhos para a imensidão que é a Pastelaria, aprender com Chefs pasteleiros reconhecidos e ganhar confiança para encarar esse sonho.” Os amigos e a família ficaram surpresos com a mudança no rumo da carreira de Daniela, mas todos adoraram a ideia, sobretudo o marido, o seu maior apoiante. “Foi quem mais incentivou, é o meu maior crítico! Além da carga financeira, que recaiu imenso sobre ele, pois estudar durante quase dois anos, sem ganhar dinheiro nem ajudar a pagar contas, não é fácil. Se não fosse o apoio dele, não sei se teria conseguido.”

Daniela relembra que nem sempre foi fácil e que no início a insegurança tomou conta de si algumas vezes. “Chorei muito, entrei em crise muitas vezes por estar estafada, por não saber se daria certo (e ainda não sei…). Para mim foi muito difícil, mas não me arrependo! Agradeço por ter pessoas à minha volta que me apoiam. E são os clientes que retornam ao longo destes quatro anos que me fazem acreditar que estou no caminho certo!” 2016 foi o ano em que Daniela conseguiu finalmente dar vida ao seu projeto. Em meados de novembro abriu a sua Bom Bom Sweetery, uma casa de chá/doçaria na Parede que faz as delícias dos clientes. “Neste momento, sinto-me plena, acho que não há felicidade maior do que ver os sonhos se concretizarem depois de tanto tempo a trabalhar para isso. Realmente amar aquilo que fazemos conta muito, ir atrás dos sonhos é fundamental. Importante mesmo é não desistir, porque é difícil… e é preciso aprender a respirar, ter paciência e trabalhar todos os dias para chegar onde deseja.”

Diana, a designer de bolos

Com apenas 19 anos, Diana Marques da Silva está prestes a terminar o seu curso na Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra. Olhando para trás, relembra que, tal como muitas crianças, tinha sonhos em relação à profissão futura. No entanto, terminado o 9º ano optou por Artes Visuais e era nesta área que queria focar a sua carreira, provavelmente em Design ou Fotografia. Mas o destino reservou-lhe outro caminho e foi no exemplo da mãe que se inspirou. “A minha mãe sempre gostou de cozinhar e experimentar coisas novas e diferentes, e sem dúvida foi ela que me transmitiu este gosto pela Cozinha. Apesar de ter feito o secundário na área das Artes, a Cozinha estava sempre lá. Depois da escola, ao fim de semana, nos tempos livres, tudo servia para experimentarmos aquela receita, ou aquela ideia que tínhamos visto. E quando chegou a altura de decidir, no final do 12º ano, fiquei definitivamente rendida à escola que frequento, depois de ter analisado todas as opções.” Perante a certeza de Diana, a reação da família foi a melhor e todos a apoiaram. Depois de terminar o curso na Escola de Hotelaria, a sua ambição passa por ter o seu próprio negócio na área da Pastelaria, sem nunca esquecer o investimento contínuo em formação, quem sabe até no estrangeiro. Apesar das dificuldades iniciais, Diana não se arrepende do rumo que deu à sua carreira. “No início tive um bocadinho de receio. Ia viver para uma nova cidade, da qual pouco conhecia, para uma nova escola e, principalmente, uma nova área. Podia gostar e já saber um pouco do que era, porém, não sabia as exigências, nem o que era trabalhar numa cozinha «a sério». Ainda assim foi tudo muito natural e foi fácil adaptar-me.”

O mundo maravilhoso da Cozinha profissional foi uma agradável descoberta para Diana, o que a deixa muito segura de ter feito a escolha perfeita. “A Cozinha é um mundo muito mais complexo do que aquilo que a maioria das pessoas imagina. Não passa apenas por saber cozinhar (ainda que isso seja uma parte muito importante). Depois de começar a aprender, tive cada vez mais vontade de saber mais e de investir a sério nesta área. É uma área muito envolvente e viciante.” E, para além da mãe, há algum Chef de renome que tenha como referência? “Admiro o trabalho de vários Chefs, no entanto não há nenhum de quem goste mais em especial. Inspiram-me todos aqueles que conseguem fazer muito com pouco. Esses sim, merecem a minha admiração pela conjugação de saber cozinhar com a importância de saber gerir.”

Rita, a arquiteta Masterchef

Nascida no seio de uma família que sempre estimulou o seu lado mais criativo, Rita Eloi Neto, de 33 anos, escolheu formar-se em Arquitetura para dar asas à imaginação. Mas, aos 30 anos, a sua aversão à rotina trouxe-lhe a inquietude de quem ansiava sentir-se mais feliz e completa. Foi no dia em que se deparou com o anúncio para o casting do programa Masterchef Portugal que nasceu em si a curiosidade de experimentar uma nova profissão. “Sempre gostei de me aventurar por caminhos nunca antes navegados e sou uma pessoa que gosta de mudanças constantes. E esta era uma oportunidade de experimentar uma área que há muitos anos me acompanhava, mas apenas como hobby.” Rita confessa que a proliferação de programas de culinária e o facto da comida se ter tornado “moda” pesou na sua decisão. “A profissão de Chef está finalmente a ser valorizada e a sociedade começa a perceber a importância que uma boa refeição tem no nosso dia a dia. Mas a ideia de me dedicar a sério à Cozinha só se tornou concreta aquando da entrada no programa e no decorrer do mesmo.”

À medida que o programa progredia, Rita começa a visualizar uma possível vitória, que acaba por agarrar. Um ponto de viragem na sua vida que lhe traz um primeiro sonho materializado: um livro de receitas assinado por si. “Depois de se ganhar um programa como o Masterchef, toda a nossa vida se altera, sem dúvida para melhor. O meu primeiro livro surge como prémio do programa, o segundo com trabalho e dedicação (objetivo realizado!). Daí para a frente o plano era aprender o mais que podia num curto tempo de espaço, sim, porque já não tenho 20 anos e os objetivos já são outros. A ideia de abrir um restaurante já é muito antiga, mesmo antes de Arquitetura, mas que agora se torna mais real. Mas tudo a seu tempo!”

A formação tem sido para Rita uma prioridade, e para isso contribuiu um outro prémio do programa Masterchef: um curso na escola de Alta Cozinha Le Cordon Bleu, em Madrid. “Esta foi uma experiência única, por várias razões. O facto de estar noutro país enriquece-nos como pessoas, depois é sem dúvida uma grande escola, aprendi muito e compreendi que ser Chef não é só uma profissão, mas sim uma paixão.” Apesar do tempo que passou longe da família e amigos e da mudança radical na sua carreira, Rita sempre se sentiu segura. “Muito honestamente, não encontrei dificuldades extremas, porque acredito que com perseverança, otimismo e boa disposição tudo se torna automaticamente um objetivo alcançado. Depois, por mais estranho que possa parecer, a área da Cozinha e da Arquitetura não diferem assim muito, logo, não senti uma mudança muito grande. Ambas implicam muitas e longas horas de trabalho. Ainda assim, arrisco-me a dizer que o mais difícil foi «fazer acreditar» as pessoas que o Masterchef Portugal tinha sido só uma porta de entrada para o percurso que queria seguir e que queria realmente abraçar esta profissão, não era apenas uma brincadeira derivada de um concurso.”

Neste momento, Rita considera-se mais realizada pessoal e profissionalmente e grata pela evolução que a sua vida sofreu. Promete um novo projeto para breve, sem desvendar ainda do que se trata, e deixa um conselho a quem ambiciona seguir-lhe os passos, mas não sente coragem. “«O sonho comanda a vida!» Esta é uma frase que sempre me acompanhou em todas e quaisquer decisões que tomei. Mas não chega apenas escrevê-la ou lê-la, temos de acreditar piamente nela. Já lá vai o tempo em que existiam as profissões para o sexo feminino e para o sexo masculino, já lá vai o tempo em que arriscar era um erro ou uma falha humana, ou em que esperávamos por uma oportunidade melhor para tomar uma decisão. A decisão tem de ser tomada hoje, porque é no dia de hoje que tudo acontece.”