Olhar atento, um silêncio imponente e uma capacidade da análise colossal em segundos. Luís Pereira é o diretor de casting da ModaLisboa há 12 anos e é ele quem faz a seleção dos modelos que, uma vez em provas, são escolhidos ou excluídos para desfilar no mais importante certame de moda da capital.
Em apenas uma tarde, ele e a sua equipa chegam a ver mais de centena e meia de candidatos e vai dispondo as cartas à medida que as provas se vão sucedendo. E é incisivo a fazê-lo. É que se os manequins têm pouco mais do que oito metros para mostrarem o que valem, o mesmo tem ele para decidir quem fica e quem vai.
Ao Delas.pt, o responsável – que desde 2006 integra os bastidores da ModaLisboa – explicou como funciona este mundo, quais os caprichos da indústria e o que ainda está por fazer num mercado curto, com pouco trabalho e que mede forças com o parco investimento que vai conseguindo ter. Este homem conhece e mostra a que passada se faz o mundo do glamour nacional.
O que mudou ao longo dos anos em matéria de imagem das manequins que é requerida?
Houve uma evolução muito grande relativamente à mulher e que passou pelo uso de calças de cintura descida, o que mudou muito o corpo da mulher. Aos designers interessa-lhes que os e as modelos sejam o mais jovens possível porque têm as suas peles muito frescas. Eles cada vez querem menos vícios para as poderem trabalhar. E como os manequins começam as suas carreiras cada vez mais cedo, passados cinco anos já quase são consideradas mais velhas para nós.
Mais velhas?
Elas têm 20 ou 21 anos, mas se não fizerem muitas mudanças de cor e corte de cabelo, vão cansar mais. E como cada vez há mais oferta, a profissão delas nunca dura muito. As que forem clássicas e não tiverem rostos muito marcados duram mais.
Como por exemplo?
A Jani Gabriel. Estas caras trabalham muito mais porque não marcam, e fazem-no sobretudo mais no comercial, em campanhas.
Mas há aqui um mundo em colisão, então: Quando temos a associação de designers norte-americanos a pedir que não se recorram a manequins com menos de 18 anos na Semana da moda de Nova Iorque e esta solicitação do mercado que me está a falar. Em que ficamos?
Mas lá fora também pedem mais novas, não pedem mais velhas.
Então o que se está a passar? É o politicamente correto?
É a regra, e porque não tem a ver só com o que o designer quer. Tem a ver com as leis do país, que acabam por estabelecer as idades dos manequins. Elas não podem viajar sozinhas, daí o limite à idade maior. A política deles é outra, aí têm o dinheiro por trás.
Então, é uma realidade falsa?
Eles também querem manequins mais novas. O problema é quando o governo do país define que os manequins mais novos não podem trabalhar, e as agências não os podem propor. Há muita manequim portuguesa que são pretendidas pelas agências lá fora, mas elas ficam em Portugal até atingirem a maioridade. E quando a cumprem, no dia seguinte, seguem de avião. E seguem Logo. A Amilna Estevão, por exemplo, quando chegou aos 18 anos voou imediatamente para o estrangeiro porque já tinha ido a um concurso da Elite, ficou em segundo lugar, mas estava debaixo de olho. Cá em Portugal, abaixo de 16 anos é menor. Conheço miúdas com 13 e 14 anos que já são muito adultas quer em termos de rosto, quer em termos de postura e atitude, e isso, por vezes, joga-se um pouco nesse campo. Mas é bom vincar que as agências, quando as e os manequins são menores, acompanham-nos para todo o lado. Eles e elas não vão sem os bookers para lado nenhum, eles estão sempre lá.
E os pais?
Por vezes acompanham, mas a agência está sempre lá a dar o apoio. Mesmo elas mostrando que são muito adultas. Já com 14 anos, os pais podem deslaçar ligeiramente, percebem que a agência está lá.
Mães de manequins revelam angústias e conselhos para lidar com o mundo da moda
Antes de começar este casting que coordenadas recebeu, por exemplo, dos estilistas?
Eu é que faço o primeiro casting geral, depois divido pelos géneros que cada estilista mais aprecia, já sei mais ou menos o que procuram e gostam. Se pedem, por exemplo, dez homens, mando-lhes 20 e eles escolhem consoante a estação e a coleção que têm em mãos. Mas as opções acabam por não mudar muito. Também trabalhamos com muitos modelos internacionais e que são as agências portuguesas que propõem.
Quais são as regras que existem em território nacional relativamente às manequins: idade mínima, a diversidade, por exemplo, ou outras componentes?
A diversidade é sempre uma constante: seja de raças ou estilos. Faço um casting geral e consoante o calendário, e que é distribuído por cada desfile.
Quais as regras específicas que habilitam um manequim a poder participar num casting desta natureza?
Têm de ser agenciados, só trabalhamos dessa forma porque é a norma de trabalhar. A agência controla tudo, dá a formação, acompanha, recebe por eles, trata-lhes de uma série de burocracias. Nós convocamos as agências e eles depois mostram o que têm e o que consideram mais indicado.
Há alturas mínimas requisitadas? Elas mudaram ou não com o passar do tempo?
Não mudaram, mas hoje em dia também não são tão limitativas como eram. Uma mulher abaixo de 1,75 m não desfilava. Hoje em dia, eles já estão presentes em desfiles. Essa escolha depois é feita consoante a personalidade da manequim, com as redes sociais – se é mais ou menos conhecida. Homens abaixo de 1,80 metros, não. E devem ter atitude.
As agências têm a necessidade de apresentar sempre caras novas e, mesmo sem formação, trazer aquela nova manequim com quem o booker se cruzou na rua, para fazer a diferença?
Estamos sempre a tentar ter caras novas, mas não a qualquer custo. Eles e elas têm de ter formação, têm de ser preparadas e as agências, nesse aspeto, têm de mudar.
As agências portuguesas estão pouco preparadas?
Por cá, não há ainda muito trabalho de moda para que as agências invistam nisso, e o que ganham também não dá para alimentar essa aposta. Já houve muito desfile em Portugal, hoje em dia não há. Trabalham para a ModaLisboa e para o PortugalFashion de seis em seis meses. Antigamente, havia passerelles em centros comerciais, hoje não há, e os manequins iam praticando. Antigamente, as escolas de estilismo faziam provas, hoje fazem-nas com amadores, as new faces. Então, quem investe, manda-os lá para fora. E, quando vão lá para fora e regressam a Portugal, percebemos logo que estiveram no estrangeiro.
Como assim?
Nota-se até na forma de andar, na atitude. É completamente diferente.
Há um mínimo necessário de caras novas que devem estar presentes em cada semana de moda?
Temos mais de 20% de caras novas. As internacionais todas que vêm são new faces, são à volta de 30 novas manequins, trazidas pelas agências.
Em matéria de saturação de rostos, qual é, em média, a taxa de repetição numa semana de moda?
Ainda há muitos rostos repetidos. Os que são bons e trabalham estão aí uns anos. Há designers que gostam de uma ou outra mais conhecida e querem-nas nas semanas de moda.
Reparei que, neste casting, olhou sempre primeiro para olhos, depois para os pés e, finalmente, o corpo. Porquê?
Sim. Vejo o corpo logo ao longe, vejo muito bem (risos). Olho para a cara para ver como é que eles reagem em prova. Repare que, quando eles desfilam, eles não olham para mim, e não o devem fazer. Devem olhar por cima de mim. Mas pressiono-os de propósito porque, num desfile, eles não podem estar a olhar à volta e para todo o lado. Focar é importante para a fotografia. Já é tão pouco o tempo em que eles estão em passerelle que, quando entram, já têm de ir concentrados nisso para saber como vão ficar nas fotografias. Alguns nem respiram (risos). Fazem a passerelle toda sem o fazer, e eu noto.
Em matéria de castings – e para lá da preparação de manequins, sobre a qual já falou – o que gostava de pode ver mudado na moda nacional?
Mais dinheiro para trazer internacionais (risos).
Então, as portuguesas e os portugueses não são bonitos?
Não se trata de beleza, trata-se de os portugueses não terem altura, não terem corpos, não trabalharem para isso enão investirem. Não há trabalho para o investimento que eles têm de fazer nesta profissão. As alturas são muito importantes. Os portugueses e as portuguesas não são altos.
Quantas pessoas avaliou apenas numa tarde?
Creio que à volta de 150 manequins, de cerca de 12 agências.
E vai ficar com quantos selecionados, em média?
Creio que cerca de 30 pessoas. Podem ser depois ou não escolhidos pelos designers, é preciso ainda verificar disponibilidade de agenda dos manequins. Em qualquer parte do mundo, os castings são feitos no dia anterior, não é com semanas de antecipação devido, exatamente, à disponibilidade de agenda dos modelos. Quando mandamos os resultados dos castings às agências, elas, no dia seguinte, começam logo a dizer que eles não estão disponíveis. E ai começamos a mudar. Isto é um trabalho que, até ao limite, está em mutação.
Qual é o limite de desfiles que uma manequim pode fazer por dia, numa semana de moda?
Por dia, três a quatro desfiles. É conforme a manequim e depois a quantidade de modelos por desfile, que começa nos 12 e segue por aí fora.
E qual a média de idades?
Deve andar pelos 16 anos.
Imagem de destaque: Gerardo Santos/Global Imagens
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