Luís Sequeira pode ganhar um Óscar hoje e confessa-se: “Estou nas nuvens, estou no céu”

Esta noite, o português Luís Sequeira vai saber se é o vencedor do Óscar para Melhor Guarda Roupa. O figurinista que nasceu e cresceu em Toronto, no Canadá, que é filho de emigrantes portugueses e tem dupla nacionalidade, está indicado pelo filme ‘A Forma da Água’, o mais nomeado desta edição dos troféus da Academia do Cinema de Hollywood. “Estou nas nuvens, estou no céu. Isto é tudo fantástico!”, conta em entrevista ao Delas.pt, ao telefone, de Los Angeles, nas vésperas da cerimónia dos Óscares.

Mesmo que não leve nenhum troféu este domingo, Luís Sequeira já conquistou um que lhe enche as medidas. Pelo mesmo filme, ganhou, em fevereiro, o prémio de excelência de melhor figurino num filme de época, dos Costume Designers Guild Awards – a associação de figurinistas.

A paixão pelo cinema vem de menino, mas o trabalho na sétima arte só aparece depois de uma outra, a moda, onde trabalhou durante algum tempo. Aos 23 anos, uns amigos desafiaram-no a conhecer o ambiente das produções cinematográficas e soube aí que essa era a vida que queria seguir. Mas os seus trabalhos como figurinista refletem uma influência que vem desde a infância: a sua mãe e a dedicação que esta votava aos vestidos de noiva que fazia no seu ateliê de Lisboa, antes de emigrar para o Canadá.

Luís Sequeira guarda um portfólio que regista esse tempo e que lhe serviu de inspiração em ‘A Forma da Água’. Mantendo ligação com o país dos pais – vem a Portugal, pelo menos, duas vezes por ano -, o figurinista confessa ao Delas.pt que “adoraria” trabalhar com os cineastas nacionais.

Luís Sequeira tem nacionalidade canadiana e portuguesa. Está nomeado para o Óscar de Melhor Guarda Roupa por ‘A Forma da Água’. (DR)

Ganhou pelo filme ‘A Forma da Água’ (‘The Shape of Water’), o prémio de excelência, de melhor figurino, para um filme de época, nos prémios dos Costume Designers Guild Awards. Este domingo, poderá vir a subir ao palco para receber o Óscar de Melhor Guarda Roupa. Como é que se sente com estas distinções?
Estou nas nuvens, estou no céu! Isto é tudo fantástico! Não esperava ganhar no Costume Designers Guild, senti-me honrado por ser distinguido pelos meus pares. Se não ganhar mais nada, isso já é maior honra que posso ter.

Como é criar figurinos para um filme que tem uma forte componente de fantasia, como este do Guillermo del Toro, ou para filmes de terror, como outros em que já trabalhou?
É um equilíbrio delicado. Tinha de ter coisas baseadas na realidade para fornecer uma base à fantasia, e esta tornar-se real. E ao mesmo tempo tinha, claro, de ter elementos de fantasia para dar o tom de “conto de fadas” do filme.

Além da época – a história passa-se no período da guerra fria -, em que é que se inspirou para concretizar o seu trabalho em ‘A Forma da Água’?
Bom, a cor foi muito importante, ter as cores do filme, a roupa de época, mas não só dos anos 1960, inspirei-me também nos anos 50, 40, 30. Queria incluir os elementos mais bonitos dessas épocas no filme. As cores, os tecidos e os pormenores eram muito delicados. Foi como se fosse uma sinfonia. Tivemos que manter um grande equilíbrio entre as áreas da direção de arte e os figurinos.

Qual foi o filme mais desafiante para si até agora?
Cada filme que faço tem sempre uma área que tem esse elemento. Fazer o filme ‘Carrie’, que era um remake, para mim foi à mesma um desafio. Queria que os meus figurinos fossem aceites por toda a gente, pelo público, que se assemelhassem aos do original, mas diferentes. No filme ‘Mamã’,que tem o Guilhermo Del Toro como produtor executivo, mais uma vez foram as cores, os tecidos, as texturas… É pintar para o cinema, é isso que acho que nós fazemos.

O que é que a atriz Sally Hawkins, protagonista de ‘A Forma da Água’, sentiu quando vestiu as roupas que o Luís criou?

A Sally é uma pessoa muito querida, que guardo no meu coração. Ela amava tudo o que nós fazíamos, queria as provas, a roupa feita em algodão ainda em bruto. Queria vesti-las. E dizia-me quase sempre:’o Luis é um génio’. E eu respondia: ‘não, a Sally é que é’. Tínhamos esta brincadeira. Mas para uma personagem que não falava, a Sally conseguiu mostrar tantas emoções. Na história, a personagem dela, a Elisa, é a que fala menos mas a que diz mais. Foi uma interpretação espetacular. É uma pessoa que me é muito querida.

A atriz Sally Hawkins também está nomeada, na categoria de Melhor Atriz. (DR)

 

Diz, em várias entrevistas, que o trabalho da sua mãe, que tinha um ateliê de vestidos de noiva, em Lisboa, o influenciou. Como é que essa influência chega ao cinema?
Eu tenho um portfólio dela, dos anos 50, que quero publicar um dia, porque acho que é como aquele livro, o ‘Lisboa no Cais da Memória’ [de Eduardo Gageiro], é um portfólio de um tempo que passou. Mesmo quando era miúdo via essas fotografias muitas vezes e agora, passado este tempo todo -e a minha mãe já faleceu -, até acho que é mais importante fazê-lo, porque é uma cápsula de uma época. No ‘A Forma da Água’ eu não tenho vestidos de noiva, mas inspirei-me na essência dessas fotografias e usei-as nele. Tenho muitas saudades da minha mãe e do trabalho dela. Era uma mulher muito forte, num tempo em que as mulheres não tinham voz. Criou-me sozinho, nos anos 1970. Colhi inspiração na força dela para o meu trabalho. Adoro a qualidade, o amor que ela colocou no seu trabalho, e eu faço a mesma coisa.

Exposição dos figurinos criados por Luís Sequeira para o filme “A Forma da Água” (DR)

 

Quando é que se interessou pela área do cinema, em fazer roupa para filmes?
Sempre adorei ver filmes, mas estava mais virado para a moda. Era jovem e era apaixonado pela moda, pelas passerelles e esse mundo. Mas é um trabalho muito solitário e eu sou filho único e não gostei de viver assim sozinho na minha profissão. Nunca pensei que pudesse vir a trabalhar no cinema, mas tinha uns amigos que estavam a trabalhar num filme do David Cronenberg, e eu tinha 23 anos, tinha uma loja e um ateliê, estudava e fazia coleções, então eles viram que era mesmo uma pessoa empenhada. E convidaram-me para ver se gostava desse ambiente dos filmes. Lembro-me que a primeira vez que fui a um set aquilo recriava uma loja de antiguidades. Por fora era só madeira, mas quando entrei… o cheiro, a luz, o pó… fiquei completamente apaixonado e disse: ‘isto é a minha vida!’. Entrar num estúdio sem nada e todos trabalharmos para criar um mundo, num filme.

Numa entrevista recente referiu que vê o filme ‘Música no Coração’ todos os anos.
Sim, e muitos outros musicais. Quando era miúdo queria ser ator, mas não queria estar à frente das câmaras.


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Mantém ligação a Portugal. Vem cá com que regularidade?

Sim, normalmente vou duas vezes por ano. Para mim é um refúgio. Quando acabo um trabalho a primeira coisa que eu faço quase imediatamente é meter-me num avião e ir para Portugal. É onde recarrego as minhas baterias e tenho tempo para relaxar, descansar e desligar. Em 48 horas estou num sítio completamente diferente do Canadá.

Segue o cinema português, há algum realizador português com quem gostasse de trabalhar?
É uma coisa que adorava fazer, um filme em Portugal. Adorava ter um conhecimento do meio [cinematográfico português], eu gosto de estar envolvido nessas comunidades. No Canadá fui presidente de uma associação de profissionais guarda-roupa durante sete anos. Mas cada vez que vou a Portugal e pergunto, a resposta é sempre:’ah, é muito fechado, é muito difícil’. Mas gostaria, sem dúvida.

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