Luiza Palma: “A mulher empregada é uma catalisadora de paz”

Têm menos dinheiro, ganham menos, pagam mais impostos pelos produtos femininos que precisam e trabalham mais – em casa e fora dela. Curiosa é a forma como as mulheres vivem de forma tão desigual face aos homens, quando são elas quem tem a vida da família nas mãos, quando são elas que – com pouca ou nenhuma autonomia financeira – fazem as compras.

Não faltam contradições nestes raciocínios e foi sobre elas, e sobre as violações de direitos das mulheres, que Luiza Palma decidiu pensar. Esta portuguesa, escolhida pela All Ladies League (ALL) para trabalhar as questões da igualdade no país, apresentou um modelo económico, o Gender Parity Label, segundo o qual elevar as mulheres ao patamar de igualdade para com os homens vai significar… ainda mais dinheiro.

Ao Delas.pt e por escrito, esta responsável – a única portuguesa recentemente nomeada Global Goodwill Ambassador, pelo fundador da LinkedIn Global Goodwill Ambassadors – explica o que é preciso fazer: como levar governos a fazer leis, como encaminhar empresas a cumprir rácios de igualdade, como convencer a banca a conceder empréstimos mais atraentes para companhias cumpridoras, como pôr a educação a mudar preconceitos.

Sobre a aceitação do modelo que preconiza ou as reações ao mesmo por parte de empresas, governos e banca em geral, as respostas são ainda escassas.

Como se aproximou desta matéria? O que a encaminhou, a título pessoal para estas questões da igualdade de género?

Sempre acompanhei e liderei causas humanitárias, pois fazem parte do meu ADN. Tudo teve o seu início quando levei como tema para uma conferência o novo surto de Lepra Mundial, e fui convidada pela Fundadora da ALL para liderar um país: Portugal. Após estudar a fundo a razão da não-igualdade entre homem e mulher e enquadrá-los nos princípios das Nações Unidas (UN) sempre numa ótica económica, criei um novo conceito e modelo Economico- Gender Parity Label, enquanto resposta a este fosso económico procurando um mundo mais justo. Nenhum país pode florescer económica, democrática ou socialmente se metade da sua população tem os seus direitos humanos amputados. Em novembro fui nomeada pelas UN enquanto Embaixadora para a Paz Pela Women Federation for Global Peace, pois defendi o Modelo GPL num contexto de concertação de Paz e Guerra. A mulher empregada é, sem dúvida, uma catalisadora de paz. Ao invés de uma mulher sem emprego, que pode espoletar os “3D” de instabilidade social: Desemprego, Divórcio, Doença.

“A mulher sem emprego pode espoletar os “3D” de instabilidade social: Desemprego, Divórcio, Doença”

Mais mulheres, com salários nivelados e mais altos geram mais impostos e maior consumo. Creio que este é um dos pontos do modelo que defende. Como se pode levar as empresas a fazer isso?

A Igualdade de Género visa a Gender Parity [paridade]. A sua Certificação (GPL) pelas boas práticas de governação de políticas de paridade de Género e de transparência financeira nível das empresas é muito importante, tanto como um imperativo de direitos humanos, como enquanto meio para o desenvolvimento económico. Os direitos das mulheres são direitos humanos. Todas as violações dos direitos das mulheres que conhecemos são realmente violações dos direitos humanos. Quando se fala em violência baseada no género, quando se fala na desigualdade de remuneração, quando se fala na sub-representação das mulheres na tomada de decisões, falamos de direitos fundamentais que são tão importantes para as mulheres como para os homens. Quando os direitos económicos das mulheres e a participação económica são prejudicados, as mulheres tornam-se cidadãos pobres. O seu desenvolvimento geral está comprometido. E, de fato, o desenvolvimento e o bem-estar das nações estão significativamente comprometidos. O PIB mundial seria muito maior se as mulheres estivessem envolvidas na economia na mesma medida em que os homens estão envolvidos. No entanto, o progresso na igualdade de género tem sido muito desigual.

Mas como é possível levar as companhias a fazer isso?

De um modo geral, procuram o robustecimento do seu negócio e da sua consolidação financeira pelo reforço da sua consciencialização social. O reencontro deste sucesso é tido pelo bom cumprimento dos critérios de elegibilidade do modelo onde a variável dos Direitos Humanos e Práticas de Preservação do Planeta Terra são decisivos para a atribuição da sua Certificação pela Paridade. O rating de qualquer empresa traça o destino da mesma sendo esse o reconhecimento e procura desta Certificação.

Quando os direitos económicos das mulheres e a participação económica são prejudicados, as mulheres tornam-se cidadãos pobres

Criou-se um novo conceito económico onde a mulher é tida como o novo mecanismo acelerador de qualquer empresa promovendo o seu crescimento e respetivo PIB do país como nota Macroeconómica. Foi recentemente divulgado que o mundo como um todo poderia aumentar o PIB global em 5,3 triliões de dólares (4,2 biliões de euros) até 2025, fechando a diferença de género na participação económica em 25% no mesmo período. Dito isto, a mulher é um elemento decisor de consumo, contudo ausenta-se de autonomia financeira. A taxa de empregabilidade da mulher, tanto quantitativamente como qualitativamente, vai registar-se e transformar-se em consumo direto autónomo. Vivemos o exemplo muito recente de uma Arábia Saudita com a premissa de condução automóvel à mulher saudita para o desenvolvimento de um setor com maior contributo para o crescimento do seu país.

[Fotografia: PauloSpranger/Global Imagens]

O selo de qualidade que defende é suficiente? O que será necessário fazer mais?

O Gender Parity Label- GPL é tido como uma medida complementar às atuais medidas governativas. A inclusão e conjugação dos direitos humanos e práticas de preservação do planeta (consumido pelas empresas…) traz o upgrade necessário para uma nova dimensão de valores corporativos. O modelo GPL, exclusivo na sua certificação corporativa para a paridade de género, procura dados concretos que permitam assegurar que o tratamento entre trabalhadores seja justo e equitativo.

Os dados existem?

Denota uma ausência de transparência da maioria dos grupos económicos, não apresentando tais dados. É um novo caminho de imediata implementação para que se alcancem objetivos económicos. Os setores público, privado e social terão de atuar para reduzir as disparidades de género no trabalho e na sociedade. A desigualdade de género não é apenas uma questão moral e social premente, mas um desafio económico crítico.

Refere que a implementação da proposta carece de mais medidas governamentais. Quais, em concreto, no seu entender?

Considero que, ao lado desta proposta complementar que defendo, a carga fiscal pelos chamados Pink Taxes [preços diferentes para produtos femininos quando comparados com os bens neutros] deveria ser totalmente abolida, apesar de estarmos em contexto Económico Europeu. Na Europa, em 2015, existiam mais de 260 milhões de mulheres, mais de 51% da totalidade da população no continente, que, durante pelo menos 30 anos, paga impostos adicionais só pelo facto de ser mulher. Outro momento de aprendizagem será ao nível da educação do primeiro ciclo quando for contemplada uma aprendizagem “Lida da Casa”, desmistificando estereótipos sociais ainda vigentes.

51% da totalidade da população na Europa, que, durante pelo menos 30 anos, paga impostos adicionais só pelo facto de ser mulher

Quanto tempo estima para que o modelo que propõe, uma vez aceite, seja implementado?

A sua aceitação é universal. Tal como todo e qualquer momento de mudança que seja considerado inovador requer o seu tempo pela aceitação na sua plenitude, pois quebramos zonas de conforto.

Que resistências tem encontrado junto das entidades (empresas, instituições, forças políticas) portuguesas e lá fora ao seu modelo?

Creio que a existência de uma lacuna económica sentida permitiu a sua penetração não só enquanto Ideal Económico, como também o exercício do mesmo numa economia real onde até então os elementos cultural e social impediam o avanço no tempo. É com boas tendências que se olha a uma redução dos atuais 100 anos para alcançar a igualdade global de género.

 

[Fotografia: Paulo Spranger/Global Imagens]

Em matéria de igualdade económica, Portugal, segundo o WEF, apresentou um recuo da 31º posição em 2016 para 33ª este ano. Como justifica estes números e o que é que isto nos diz sobre a desigualdade e as iniciativas que estão a ter lugar?

A OCDE mostra que Portugal continua acima da média nas disparidades salariais, mas são reconhecidos os esforços para combater o assédio no trabalho e aumentar a representação das mulheres em cargos de decisão.

Em Portugal, um estudo recente divulgado pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego refere que as mulheres ganham menos 165 euros por mês do que os homens, em média. Que medidas podem ser apresentadas para, a curto-prazo, vencer esta desigualdade?

Enquanto não houver o bom exercício de praticas de boa governação em termos de políticas de paridade pela sua transparência, será muito difícil alcançarmos metas a que nos propomos cumprir. O modelo GPL pode trazer a resposta “express” para esta necessidade económica e social para Portugal, uma vez que, por decisão legislativa, está previsto o envolvimento voluntário das empresas, do softpower, que, por medidas autorregulatórias, ou pela via reputacional, as empresas obrigam-se a tornar pública a informação sobre as desigualdades, dando por exemplo conta à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários dessas mesmas desigualdades.

“Enquanto não houver o bom exercício de praticas de boa governação em termos de políticas de paridade pela sua transparência, será muito difícil alcançarmos metas”

Creio que, no seguimento da sua proposta, a banca também poderá estar envolvida, concedendo empréstimos a juros mais baixos a empresas que cumpram a igualdade. Como tem sido o processo de convencer a banca nesse sentido? Quais têm sido os obstáculos que tem encontrado e porquê?

Os produtos e serviços da banca estão diretamente correlacionados com escalas de rating e de avaliação de crédito das empresas. O reconhecimento do mesmo obriga-se a um processo de transparência inequívoca.

A lei das Quotas, aprovada este ano e com efeitos a partir de janeiro, recuou nas sanções a aplicar às empresas e às entidades do estado que não cumpram. Em que medida é que este recuo não é dissuasor para o cumprimento da igualdade? O que seria, no seu entender, o ideal?

Nos últimos 20 anos, desde Pequim/ 1995, vários países criaram instituições para abordar a igualdade de género. Tem havido progresso, sim, mas uma mudança fundamental na igualdade de género? Não. Ainda não temos isso. Uma das barreiras que penso ser um “grande elefante na sala” é o preconceito contra as mulheres e os estereótipos existentes em todas as sociedades, seja no país mais desenvolvido ou em um país menos desenvolvido. A atual situação de desigualdade de género é uma violação dos direitos humanos. É a violação da Lei.

Portugal também está nessa situação?

Não sou, por princípio, contra quotas enquanto instrumentos de discriminação positiva. A existência de quotas não é por si condição segura de que vamos alcançar a igualdade efetiva. O problema não reside na imposição destas metas nas empresas públicas, nas quais o Estado assume simultaneamente o papel de legislador e de acionista, mas sim na imposição de quotas em empresas privadas cotadas em bolsa, sobretudo quando o mercado bolsista enfrenta ciclos negativos.

“Tem havido progresso, sim, mas uma mudança fundamental na igualdade de género? Não”

A lei deve prever sanções para quem incumpre ou prémios para os cumpridores? Porquê?

Se a questão se refere ao extremo de uma vigência, a uma medida agressiva, sim. Contudo, não concordo com o que transmite em premiar o bom cumprimento da lei? Porquê? É uma obrigação.

Como comenta o facto de o próprio governo e a AR, que viu aprovada a lei das quotas, nomear – este mês – para organismos como a Entidade Reguladora para a Comunicação Social um conselho que configura um retrocesso em matéria de presença de mulheres e não cumpre sequer os 33% (em cinco membros, nomeou apenas uma mulher)? O próprio PS, partido que está no governo, tinha de indicar dois nomes e escolheu dois homens. Como comenta este facto?

Defendo o bom cumprimento dos Direitos Humanos.

[Fotografia: Paulo Spranger/Global imagens]

Em Portugal, o governo, em sede de concertação social, apresentou uma proposta para nivelar os salários entre homens e mulheres, mas começa só por o aplicar às maiores empresas, o que significa apenas mil companhias. Isto é suficiente? Porquê? O que é preciso fazer mais?

Estou em crer que todas as medidas são válidas para aproximar a clivagem económica entre géneros. Deixo a resposta desta matéria para o subscritor da proposta.

Em março deste ano, o Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE) estimou que será possível criar 10,5 milhões de postos de trabalho, dos quais 7,6 milhões seriam para mulheres, e elevaria a taxa de emprego até próximo dos 80 % em 2050. Isto é possível? Como, com recurso a que medidas?

O estudo diz mesmo que “o impacto das medidas será tanto maior quanto maior for a margem de trabalho”, ou seja, nos países onde a igualdade de género não tem sido uma prioridade. Nestes casos, o EIGE calcula que, em média, possa haver um aumento do PIB ‘per capita’ de 12% até 2050. O EIGE salientou também que ter novos empregos ocupados por mulheres é particularmente importante pelo impacto na redução da pobreza, uma das metas prioritárias da estratégia Europa 2020.

No âmbito da ALL All Ladies League, o que está a ser feito em Portugal e lá fora? E o que está a ser preparado em breve?

Enquanto chairperson para Portugal, trouxe uma nova etapa para o conceito de raiz da ALL assente nas abordagens socioeconómicas em contexto de paridade de género. A ALL está presente em 150 países e tem como fundamento o empoderamento da mulher na sua espiritualidade e movimento feminino de entreajuda. O Fórum Económico Mundial de Portugal, em outubro, foi a resposta económica pelo debate de oradores mundiais em setores cruciais para o bom crescimento económico mundial onde a mulher tem o seu contributo de liderança enquanto força motriz para colmatar a clivagem. Agora com a Europe Chair for Gender Causes tenho uma plataforma devidamente estruturada para acompanhar a evolução das politicas de igualdade e paridade de género.

Imagem de destaque: Paulo Spranger/Global Imagens