‘Luz Vermelha’: Mães de Bragança, tráfico e legalização da prostituição na RTP1

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Sara Norte em 'Luz Vermelha', a nova série da RTP1 [Fotografia: Divulgação]

O ponto de partida são as Mães de Bragança, o célebre movimento de revolta contra a prostituição brasileira que levou mães a escreverem uma carta anónima à imprensa portuguesa e que ganhou eco internacional, tendo o caso sido capa da reputada revista Time, em outubro de 2003.

A autora e guionista Patrícia Muller tinha esta história para tratar há anos, falou com intervenientes, foi até Bragança e o resultado final está prestes a estrear-se na RTP1. A partir desta sexta-feira, 11 de outubro, às 22.30, e durante 13 semanas, a série Luz Vermelha vai explorar uma parte desta história que perde Bragança no título.

“A série está uma coisa mais de autor e, dentro desse género, não fazia sentido estar a colar a esta realidade, sobretudo havendo pouco acesso”, justifica a guionista, que assinou, também para estação pública, a série Madre Paula.

[Fotografia: Fernando Dinis]
Patrícia Muller é a autora de ‘Luz Vermelha’

Uma trama que parte de um caso verídico para explorar o ambiente de uma “qualquer cidade rural” deste país, para discutir tráfico humano a pedido da RTP e relançar a discussão em torno da legalização ou não da prostituição.

#Prostituição: um debate que está só a começar

Ao Delas.pt, Patrícia Muller conta como os frequentadores de bares de alterne continuam a achar o mesmo da prostituição e da negação coletiva que existe em torno desta disputa histórica.

Luz Vermelha regressa a 2003 e para uma viagem ao célebre caso Mães de Bragança. A Patrícia regressou lá?

Inicialmente, falei ao telefone com alguns envolvidos no caso, prostitutas, frequentadores de bares de alterne e pessoas das autoridades. Quando fui pessoalmente lá acima, houve silêncio, não quiseram falar. Houve uma espécie de uma negação coletiva e dizem que aquilo nunca aconteceu.

Como assim?

Há mesmo uma espécie de negação coletiva. Os cidadãos em geral negam a história. Os habitantes de Bragança acham um disparate, dizem que foi um empolamento brutal feito pelos media. Porque era normal haver bares de putas, sempre tinha havido. Mas neste caso levado a um extremo porque as mães começaram-se a chatear com o facto de as meninas lhes roubarem os maridos. Era principalmente uma questão financeira, porque eles gastavam o dinheiro nas meninas. Estamos a falar de uma cidade rural e numa altura em que as mulheres eram mais dependentes.

“Há mesmo uma espécie de negação coletiva. Os cidadãos em geral negam a história”

Encontrou mães de Bragança?

Nunca falei com as mães, na verdade elas nunca foram conhecidas. Há quem diga que tenham sido ex-prostitutas a escrever as cartas, na competição com as que estavam a chegar.

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Que tipo de reação espera?

O objeto final, a realização [de Marco Leão e André Santos] está muito artístico, e como é isso fica muito claro em Luz Vermelha a própria génese da coisa é transformada noutra coisa. Acabámos por não por a palavra de Bragança por isso mesmo. Sendo uma história baseada num facto real, esta série reproduz uma história que podia ser passada noutra cidade portuguesa.

Temia que a história fosse rejeitada por haver essa colagem ao real?

Nem foi por mim. A série está uma coisa mais de autor e, dentro desse género, não fazia sentido estar a colar a esta realidade, sobretudo havendo pouco acesso. A maior parte dos bares de alterne da altura fecharam, muitas das prostitutas foram para Espanha. Ao mesmo tempo, a pedido insistente da RTP – na altura por Virgílio Castelo -, fala-se muito de tráfico humano. Ele [Virgílio], muito inteligentemente, considerou que era um assunto muito premente, que era importante falar das redes que traziam as miúdas. O que destoou aqui foram as mães que escreveram cartas. Há quem diga que tenha sido das ex-prostitutas. Em Luz Vermelha fui pelo lado das mães, das mulheres em geral e de uma miúda que vem do Brasil, trazida por uma rede de tráfico humano.

“As prostitutas brasileiras eram meigas, cheirosas e limpas. Muito depiladas, muito meigas”

Depois de tantos anos, o que lhe disseram os frequentadores de bares de alterne?

Todos os homens com quem falei para este trabalho, falo de alguns frequentadores de bares de alterne – me disseram, e dizem ainda hoje em dia, que as prostitutas brasileiras eram meigas, cheirosas e limpas. Muito depiladas, muito meigas. Sim, ouvi isto. Parece que se está em 1880. É assim que as descreviam na altura e é desta forma, ainda hoje, que as descrevem.

Como se o tempo não tivesse passado.

Há uma paternalização das mulheres mais frágeis e mais expostas. Margarida Vila Nova dá vida a uma jornalista que vai lutar contra esta maneira de tratar estas mulheres.

Margarida Vila-Nova [Fotografia: Divulgação]
Margarida Vila-Nova [Fotografia: Divulgação]
Margarida Vila Nova em ‘Luz Vermelha’

Defende uma tese relativamente à legalização ou não da prostituição neste trabalho?

Há essa discussão entre os dois jornalistas: a personagem da Margarida Vila Nova que é contra e o personagem Cesário, que é a favor.

E quem vence no final?

Ganha a Margarida Vila Nova com a não legalização

E a Patrícia, o que defende nesta matéria?

Sou totalmente contra a legalização. Vamos é dar condições para que estas mulheres tenham ferramentas. A questão da legalização não é bem a frequência. Não é quem lá vai, é quem desfruta… digamos assim. Uma coisa é conversar com uma miúdas num bar, outra bem diferente é leva-las para um bar de hotel. Esta facilidade com que se diz que elas escolhem ser putas não pode continuar. Vamos antes avaliar o contexto em que elas fizeram aquela escolha. Falamos de miúdas novas, oriundas de extrema pobreza. Neste mundo não há lá muitas raparigas de classe média alta, não há Ritinhas. O problema é que as primeiras miúdas das quais falei não têm escolha, não decidem com as mesmas ferramentas que as outras mulheres, como eu ou como tu. No entanto, existe um limite básico de ferramentas sociais que muitas destas miúdas nem têm. Portanto, não! Não, a escolha não é livre.

Que ferramentas defende?

Tem de se lhes dar escola, estudos, planos de vida, um projeto.

Fotografia: Divulgação