Um dia esta pergunta vai chegar: “o meu namorado pode dormir cá em casa?” E agora, o que responder? Deve-se ou não permitir que os adolescentes vivam a sexualidade na casa da família? Depende, dizem os especialistas. Desde que a justificação seja bem fundamentada. “Porque sim” ou “porque não” não são respostas. Nem para os filhos, nem para os pais.
Saiba o que responder
Deve-se permitir a sexualidade aos adolescentes dentro de casa? Depende, há dúvidas e opiniões diferentes entre pais. Há quem ceda ao pedido por considerar que em casa os filhos estão mais seguros, quem o recuse por causa dos valores e limites familiares e quem evite a questão, preferindo ignorá-la por nem sequer conseguir imaginar o que se passa no quarto dos filhos – ou imagina, mas prefere fingir que não sabe. Os tempos mudaram e os namoros de hoje não são iguais aos de ontem. Muitos tabus terminaram e há mais cumplicidade e comunicação entre pais e filhos.
Ainda assim, não existe uma resposta certa ou errada para a questão. Há pais que consideram o comportamento inadmissível e causador de constrangimento geral, outros encaram a situação com normalidade e, perante a violência e riscos que amedrontam os nossos dias, até preferem que os filhos vivam a sexualidade na segurança do lar, paredes meias com toda a família.
Delfina Inácio não se surpreendeu quando chegou o dia em que as duas filhas fizeram a inevitável pergunta. E, embora havendo dez anos de distância entre o pedido de uma e de outra, a resposta foi igual para ambas: “Sim.” A decisão foi tomada de forma muito consciente. “Eu e o meu marido já conhecíamos os namorados delas e as respetivas famílias, partilhávamos a mesma opinião em relação aos namoros, pelo que a situação foi encarada de forma natural.” Na verdade, tudo decorreu de forma gradual.
As filhas começaram a frequentar a casa dos namorados e aos poucos, eles iam ficando cada vez até mais tarde na casa de Delfina. Duas da manhã, três… Até que houve um dia em que perguntaram: «Mãe, ele pode dormir cá em casa?». E dormiram. Nos quartos delas. Alice tinha 18 anos, Ana Luísa 17.
A adolescência é uma fase exigente e de transformações para pais e filhos. Os primeiros relacionamentos amorosos são fundamentais para a construção do narcisismo e para que o adolescente se reconheça como alvo de desejo e de amor enquanto rapaz ou rapariga. Aliás, “é o sentimento de ser homem ou mulher que vai permitir projetar-se no futuro com qualidades maternas e paternas”, diz a psicóloga Eliana Vilaça.
Mas, por vezes, a sexualidade pode ser uma fonte de conflito em algumas famílias.
Por isso, é importante a aprovação dos pais, pois são eles os principais modelos de identificação enquanto homens e mulheres.
Se, por um lado, apoiar os jovens nesta descoberta significa dar-lhes autonomia, independência e confiança, evitando invadir e controlar a sua vida, é igualmente importante que os pais não se demitam da sua função e possam “orientar, dar referências e limites, num equilíbrio difícil para alcançar uma estabilidade”, diz Vanessa Damásio. Esta psicóloga acredita que, quando chega o momento das primeiras paixões, os pais precisam de acreditar que o adolescente “será capaz de se estruturar emocionalmente, respeitando-se a si mesmo e ao outro. É um ato de validação das suas capacidades e de respeito pela sua privacidade e individualidade, que os adolescentes tanto lutam para conquistar”.
E porque ser adolescente passa por testar as regras e a autoridade dos pais como meio de afirmação e identidade, é fundamental que todos os limites sejam definidos de forma clara e sem exceções.
“Mudar sistematicamente as regras do jogo relacional traz consigo efeitos negativos para todos porque introduz instabilidade e aleatoriedade na forma de o adolescente se relacionar consigo e com os outros”, diz o psicólogo Luís Gonçalves.
Por isso, a decisão de aceitar ou não os namorados e namoradas lá em casa deve ser sempre fundamentada para que os filhos entendam o que leva os pais a essa decisão.
“Porque sim” ou “porque não” não é resposta, nem para os filhos, nem para os pais.
O passo seguinte passa por perceber a maturidade deles, as qualidades da relação e definir os limites que sejam confortáveis para todos. Dar uma resposta positiva à derradeira pergunta não significar a perda de autoridade paternal, como alguns pais possam temer. Um “sim” significa confiança, apoio e reconhecimento do crescimento, além de que “se um filho/a quer trazer a casa dos pais o seu companheiro/a, está a dar um sinal claro de confiança e afeto pelos pais ao querer partilhar alguém e algo que lhes é tão especial», diz Luís Gonçalves. Delfina e o marido tiveram isso em atenção, assim que souberam dos namoros de Alice e Ana Luísa. Por isso instituíram três regras obrigatórias:
“Dizerem sempre onde estão, com quem estão e conhecer as famílias dos namorados.”
As jovens [hoje com 30 e 20 anos] não faltaram ao combinado. Delfina encara a sexualidade das filhas com a maior naturalidade que é possível pedir a uma mãe. Desde cedo ela e o marido, com 52 e 55 anos, estabeleceram uma relação que lhes permitiu falar sobre o tema e esclarecer as dúvidas que as filhas pudessem ter. Não por uma questão de estímulo à intimidade, mas de saúde e segurança.
“Esta mudança é um enorme desafio porque os papéis mudam. Aquele adolescente, além de filho, passa também a ser sentido como menos criança e mais adulto e inserido numa relação de casal, o que obviamente obriga a um certo reposicionamento familiar», diz Eliana Vilaça.
E isto não se deve só à questão da sexualidade, mas esta tem um peso importante. Como se trata de um assunto do foro íntimo e privado de cada um, tanto os pais como os filhos devem respeitá-la.
Afetividade e sexualidade dos filhos.
A psicóloga Vanessa Damásio deixa alguns conselhos para tornar o processo mais pacífico:
- Procure estar presente e disponível ao longo da vida do seu filho promovendo um diálogo aberto.
- Estar próximo e comunicar é distinto de invadir a intimidade do seu filho, que necessita tanto da sua atenção e validação, como da sua distância e respeito pelos momentos de privacidade.
- Estabeleça limites, proporcionando liberdade.
- Confie nas escolhas do seu filho, mesmo que sejam diferentes das que tomaria na escolha do parceiro. Ao demonstrar essa confiança, estará também a responsabilizá-lo pelas consequências das mesmas.
- Evite pressionar e proibir a nova relação – apenas aumentará a resistência e desafio do seu filho/a.
- Dê tempo para o conhecimento desta nova pessoa antes de criticar ou julgar. Se o seu filho deseja levá-la a casa para que a conheçam, é porque esta é importante para ele.