Mães à beira do desespero: tiróide, anemia e depressão

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[Fotografia: Element5 Digital/Unpslash]

Mais de um ano depois de pandemia e da necessidade da longa permanência em casa com filhos e trabalho, mães têm-se apresentado à beira da exaustão, a gerir ritmos frenéticos, culpa e alguma impotência.

Estes são os cenários traçados por duas psicólogas ao Delas.pt e que procuraram comparar comportamentos e pedidos de ajuda entre o primeiro e o segundo confinamento. “Em relação aos filhos, a principal queixa que recebo por parte das mães foi a de se sentirem impotentes para dar atenção às crianças e ao trabalho em simultâneo”, conta Fiilpa Jardim da Silva. A psicóloga clínica, coach e fundadora da Academia Transformar acrescenta que “muitas referiram sentir-se frustradas por as escolas colocarem os mais pequenos tanto tempo em frente a computadores”.

Mas esta não é apenas a grande alteração. Lidar com a indisciplina dos mais novos ameaça ser a mudança mais evidente no último ano e dois meses, como refere Luisa Menezes. A psicóloga da Oficina da Psicologia vinca que a diferença entre o primeiro e o segundo confinamento se prende “com a dificuldade em lidar com as mudanças de comportamento que se notam nas crianças e adolescentes”. “Muitos [filhos] mostram-se mais irritáveis, desafiadores, desmotivados ao fim de um ano sem contacto com os amigos, com a escola e com as atividades extracurriculares. A isto acresce o cansaço das próprias mulheres com a gestão prolongada das exigências atuais”, explica Menezes.

Filipa Jardim da Silva também ressalta o argumento da indisciplina dos filhos. “Várias mães referiram as alterações de comportamento do mais pequeninos perante a ausência de saídas à rua”, explica.

Tiróide, anemia e depressão

Para lá dos efeitos psicológicos que a pandemia e os sucessivos confinamentos têm vindo a provocar nas mulheres – sejam elas mães ou não -, a verdade é que as implicações físicas estão já bem diagnosticadas. Filipa Jardim da Silva, cuja equipa recebeu mulheres sobretudo com idades entre os 25 e os 45 anos e em que muitas eram mães, já enumera as carências e patologias mais comuns pós-covid-19. “Quando articulo com médicos e pedimos análises clínicas, têm sido muitas as mulheres a apresentar alterações na função tiroideia ou nos anticorpos da tiroide, anemia e défice de vitamina D, por exemplo”, enumera. Dados a que se somas as “queixas mais frequentes de fadiga, desalento, alterações de apetite (tendencialmente com episódios de voracidade ou compulsão alimentar e consequente aumento de peso associado), dificuldades de concentração e desmotivação”.

Maternidade é só a ponta do icebergue

É de “exaustão física e psicológica” que Filipa Jardim da Silva mais fala, evocando os exemplos dados pelas pacientes: “Sentem que estão sempre em falha, façam o que fizerem, sentem sempre a não fazer o suficiente ou a não estarem onde deviam estar. Se estão a cuidar dos filhos, estão a pensar no trabalho acumulado, se estão a trabalhar estão a culpabilizar-se pelas crianças estarem sem acompanhamento”. “Esta culpa e autocrítica severas acompanham muitas destas mulheres que dizem sentir-se a perder a capacidade de sentir satisfação e plenitude, mesmo reconhecendo algumas coisas boas na sua vida. Há um vazio que tem predominado estes últimos meses, fruto das severas alterações do dia-a-dia e de um conjunto de necessidades psicológicas por satisfazer”, analisa a terapeuta.

Olhando para trás e distinguindo os confinamentos, Menezes põe em evidência as alterações. “No primeiro, as mulheres mostravam-se motivadas para encontrar novas rotinas que dessem resposta às necessidades da família e do trabalho. Enfim, à procura de um equilíbrio numa situação totalmente nova. (…) No segundo, elas apresentaram mais sintomas de ansiedade e de depressão”. “Queixaram-se da exaustão de conciliar a vida profissional vivida em casa – muitas diziam que têm a sensação que passaram a viver no local de trabalho – e a vida familiar. Muitas sentiram que deixaram de ter tempo para si e que dividem o seu dia entre o teletrabalho e o cuidado aos filhos. A isto acresce algum tempo dedicado às tarefas domésticas que parecem nunca estar completas e de acordo com o que gostariam”, conta. A que se juntou o trabalho escolar: “Muitas descreveram que, desde há um ano para cá, passaram a ter muito mais trabalho de uma forma geral, até porque, passaram a ‘substituir’ os professores no acompanhamento e gestão das tarefas escolares.”

“Quanto ao trabalho, algumas mulheres reportaram insatisfação e inflexibilidade nesta fase de pandemia, com sobrecarga de tarefas. Outras sentiram que neste período perceberam que querem mudar de funções, de empresa ou até de carreira. Algumas refugiaram-se no trabalho precisamente para ocupar a cabeça com algo que sentiam que controlavam mais”, analisa Filipa Jardim da Silva. Luísa Menezes acrescenta: “Atualmente, algumas das mulheres mostram sentir-se menos realizadas em termos de trabalho e no seu papel como mães e mulheres. Sentem-se extremamente cansadas e é disso que se queixam mais.”