Mães falem às vossas adolescentes sobre a masturbação. Depois de corarem, elas agradecem

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Sexo bom promove felicidade. E devemos falar dele, também sob o ponto de vista do prazer feminino, já na adolescência. Quantas adolescentes têm relações sexuais, mas nunca tiveram prazer? Quantas fingiram orgasmos mesmo sem nunca os terem experienciado? Informação e prazer são poder.

A jornalista Peggy Orenstein, colaboradora da The New York Times Magazine, lançou recentemente o livro ‘Girls&Sex’, em que, entre outros tópicos, reflete sobre a forma como continuamos a não falar do prazer feminino, sobretudo na fase da adolescência: como mães e pais não fazem ideia de como é que o sexo e a sexualidade estão a ser vividos pelas suas filhas.

O livro tem como base o relato de mais de 70 jovens mulheres americanas, além da perspetiva de psicólogos, académicos e especialistas. Um dos resultados que salta à vista é este: menos de metade das inquiridas, com idades entre os 14 e os 17 anos, diz que nunca se masturbou. Posto isto, Orenstein questiona:

“Estas mesmas raparigas têm relações sexuais com os seus namorados e estamos à espera que elas sejam capazes de defender o seu próprio prazer? É ridículo, não vai acontecer.”

Para os adolescentes em geral, e para as raparigas em particular, o despertar do interesse consciente pelo sexo vem acompanhado por muitas interrogações. A educação sexual assegura abordagens a temáticas como a contraceção, gravidez precoce e doenças sexualmente transmissíveis. Pode inclusive entrar no universo dos afetos mas, na verdade, toda a narrativa construída sobre o sexo na adolescência tende a retirar o prazer da equação. A conquista do prazer. O direito ao prazer. É redutor, “disparate” até, nas palavras do pediatra Mário Cordeiro, em ‘O Grande Livro do Adolescente’,

“Pensar que ‘sexo seguro é igual a preservativo’. (…) A segurança sexual passa por diversas coisas (…). Entre essas coisas estão áreas tão importantes e nobres como a comunicação, a confiança, o prazer e a sua intensidade e duração, a exploração do corpo e das inúmeras formas do prazer, e a tranquilidade e reconforto dos momentos bons.”

Trio inseparável: a masturbação, o clítoris e o prazer
“A masturbação é a melhor forma das mulheres conhecerem o seu corpo e resposta sexual. Na verdade, a maior parte refere, mesmo na relação sexual penetrativa, precisar de estimular o clítoris para atingir o orgasmo.” Quem o diz é a psicóloga e sexóloga Vânia Beliz, em entrevista ao Delas.pt, fazendo referência a um estudo que realizou em 2010, junto a uma amostra de mais de 2500 mulheres.

Ora, na investigação levada a cabo por Orenstein é referida a tendência generalizada para se falar sobre pénis e ejaculação e sobre vagina e menstruação, quando rapazes e raparigas iniciam a grande travessia da puberdade. Vulva e clítoris não costumam ter qualquer protagonismo. O que faz sentido, se o prazer sexual feminino das adolescentes não for uma prioridade. “O clítoris é o único órgão feminino que tem como função exclusiva proporcionar prazer”, escreve Marta Crawford, em Viver o Sexo com Prazer. Então, porque não falamos dele abertamente?

Será, porventura, mais fácil abordar o tema do prazer e da masturbação, em concreto, junto dos rapazes? “O facto de o pénis ser um órgão mais visível e de acesso mais fácil e o facto de entrar em ereção causa desde cedo curiosidade nos meninos. Por isso é mais fácil que os rapazes descubram facilmente como o fazer”, explica Beliz. E acrescenta:

“A masturbação pode ajudar a atingir o orgasmo. No caso das mulheres, pode mesmo ser decisivo na busca desse prazer. Se souberem desde cedo da importância da estrutura clitoriana vão mais facilmente descobrir como chegar a ele.”

Este autoconhecimento é conquistado ao longo da vida, mas se nas primeiras relações sexuais existir uma espécie de mapa mental, já testado, com as zonas de prazer assinaladas, a rapariga já não estará às espera que o rapaz assuma o controlo, porque ela sabe o que tem a fazer e, inclusive, pode orientar o parceiro; com isto, a probabilidade de a experiência ser traumática é reduzida.

Se os pais são os principais educadores noutras áreas, porque não no campo da sexualidade?
Porque, “porventura, para a maioria dos que têm agora 40 e 50 anos, a simples palavra ‘sexual’ foi, durante muito tempo, uma palavra cheia de conotações alheias a ela: os sentimentos que o pronunciar dessa palavra levantavam (e se calhar ainda levantam) estavam associados, em maior ou menor grau, a ‘malandrice’, ‘censura’, ‘pornografia’, ‘coisa proibida’, ‘porcaria’, ‘coisas para fazer às escondidas’, ‘assuntos que não se falavam diante dos adultos’ (…)”, argumenta Mário Cordeiro. Porque se para os pais sexo for um tema desconfortável haverá grande dificuldade em conversar sobre ele, naturalmente, com os filhos. Porque conversar com a filha sobre o prazer da relação sexual, sobre masturbação, sobre clítoris e sobre vagina, é assumir que a filha cresceu. Mas é justamente isso que os filhos fazem: crescer. E o prazer sexual faz parte do crescimento saudável.

Falar sobre sexo é fundamental, também para desmistificar tabus que mais tarde, já na fase adulta, continuam a inibir as mulheres de buscar o seu prazer. O desconhecimento científico, mas também o imaginário popular construíram mitos e preconceitos que podem provocar “traumas e não permitem que as pessoas vivam felizes e sem culpas ou medos. Os mitos multiplicam-se proporcionalmente ao desconhecimento, ao medo e às inibições e conduzem as pessoas a um sofrimento desnecessário.” A afirmação é assinada por Crawford e corroborada pela Cristina Mira Santos. Em ‘O Melhor Sexo do Mundo’, a coach sexual relata alguns casos práticos com os quais trabalhou no seu gabinete. Entre eles, conta, a título de exemplo, o de Maria, nome fictício, casada há 10 anos e com dois filhos. Lê-se:

“Se tenho um homem para me satisfazer, porquê entreter-me sozinha?’ E eu perguntava-lhe: Mas sentes-te mesmo satisfeita? ‘Raramente! É sempre tudo tão a correr!’ Mas já tentaste explicar ao André como gostarias de fazer as coisas? perguntou-lhe a melhor amiga. ‘O estranho é que às vezes sinto que nem eu sei como gostava que fosse!’”

Continuar a não falar da masturbação feminina é perpetuar a história da Maria e do André.

As raparigas ainda pouco ou nada percebem sobre os seus próprios corpos e sobre as suas capacidades de prazer, mas cedo entendem que os rapazes gostam de sexo; que é possível que os namorados as pressionem para passarem da fase do beijinho; e que talvez, se elas cederem, o romance se fortaleça… Qual será, se é que existe, a correlação entre prazer sexual feminino na adolescência e desigualdade de género na fase adulta? Fica a pergunta de partida…
4 abordagens sobre como conversar sobre o assunto, e as vantagens de o fazer

Segundo Mário Cordeiro, “os pais e adultos têm que falar com naturalidade destes assuntos, não dos casos concretos (os seus ou os dos seus filhos), mas na generalidade. Admitir que ter prazer é normal, é desejável e é bom. E admitir que quem pensar o contrário tem, também, todo o direito a isso. (…) As pessoas que encaram a sexualidade e tudo o que isso implica, nos atos práticos, com naturalidade (não quer dizer ‘sem privacidade’), têm maior maturidade, auto-estima e capacidade de decisão, tendo consequentemente mais vontade de se proteger e de proteger os outros.”

Para Vânia Beliz, há quatro pontos a não descurar num possível guião de conversa entre pais e filhos:
– Normalizar o tema.
– Não fazer questões intrusivas. É importante respeitar a intimidade dos filhos que muitas vezes não se sentem à vontade para abordar com os pais detalhes da sua intimidade.
– Falar sobre a importância do clítoris no prazer mas também de outras zonas do corpo que por serem sensíveis podem ser muito gratificantes.
– Evitar criticar o comportamento.

Já para Marta Crawford, é importante que a adolescente saiba como é constituído o seu corpo, “quais as zonas que mais provocam prazer, desejo, gargalhadas, cócegas ou dor, e como é que cada uma das partes do corpo responde sexualmente. (…) A masturbação é saudável e perfeitamente normal, desde que não seja obsessiva e isole a adolescente ou a abstenha de ter relacionamentos interpessoais. Na realidade, a maior parte das adolescentes que descobre a masturbação nesta fase tende a usufruir no futuro de uma sexualidade mais satisfatória.”

Peggy Orenstein defende uma abordagem assertiva. Reconhece que nem sempre os pais são capazes de introduzir o assunto e, nesses casos, sugere como alternativa que um adulto próximo da família – todas têm uma amiga ou uma tia ‘cool’ – aborde a adolescente. Nesta história, Orenstein desempenhava esse papel junto de uma adolescente, filha de amigos próximos, que estaria prestes a ter, pela primeira vez, relações sexuais com o namorado. Conta que começou por falar dos meios contracetivos e das doenças sexualmente transmissíveis, assunto sobre os quais a jovem já estaria a par, para depois chegar às perguntas derradeiras: “Alguma vez te masturbaste? Já tiveste um orgasmo sozinha? Já tiveste um orgasmo com o teu companheiro? Sabes dizer-lhe do que gostas e do que não gostas, no sexo? E, se as tuas respostas forem não, porque estás a pensar em ter relações sexuais? O que esperas, exatamente, que aconteça?”