Mães idosas já ligam para a APAV para tentarem evitar agressões dos filhos

velha shutterstcock
[Fotografia: Shutterstock]

O número de mulheres assassinadas em Portugal, em 2018, voltou a aumentar. Ainda novembro não acabou e já são 24 as que perderam a vida. Destas, oito (mais três do em quem 2017) eram mães e deram à luz o seu próprio algoz. Dados que chegam do Observatório de Mulheres Assassinadas, elaborado pela União de Mulheres Alternativa e Resposta.

E se as mais velhas que sucumbem ante a violência dos seus filhos são em menor dimensão do que as que morrem às mãos dos companheiros, certo é que o número de queixas relativas aos idosos crescem e partem de mulheres que estão a viver todos estes dramas em silêncio ao contrário do que é habitual. Quem o relata é a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), a propósito do dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, que se assinala este domingo, 25 de novembro.

“Os números que nos vão chegando, relativamente à violência contra idosos, sobretudo mulheres, indicam uma cifra negra enormíssima. A maioria das mães e dos pais não querem denunciar este tipo de violência, nem apresentar queixa contra os filhos”, refere Daniel Cotrim.

“A maioria das mães e dos pais não querem denunciar este tipo de violência, nem apresentar queixa contra os filhos”, diz Daniel Cotrim

E, sendo pessoas mais velhas e eventualmente menos expeditas a procurarem ajuda, quando o fazem, o psicólogo da APAV revela que tal acontece num esquema invertido: “As vítimas procuraram as organizações ao contrário, perguntam como é que as entidades podem ajudar o filho ou filha agressor ou agressora; como ajudar a mudar comportamentos”, revela. Os dados são claros: falamos sobretudo de mulheres idosas, cujo número tem aumentado, em grande parte dependentes e em que os autores do crime são quase 70% do sexo masculino, e uma maioria que está, geralmente, desempregada.

Cuidadoras em desespero ligam para a APAV para evitar uma loucura

Mas este é apenas um lado da história. Há outro que começa a emergir e para o qual não há números. Existe apenas, reconhece Cotrim, uma “sensibilidade empírica”: “Muitas vezes, os próprios cuidadores informais estão em situação de stress e completo burn out e, não raras vezes, recebemos telefonemas na APAV de mulheres que já não aguentam mais. Há cuidadoras que nos ligam porque sentem que estão no limite de cometer uma asneira”, denuncia.

Realidades que, mais tarde ou mais cedo, podem vir a revelar-se um verdadeiro horror já que o envelhecimento e o número de cuidadores informais continua a aumentar. “Os filhos sentem que são, de alguma forma, intocáveis porque não vão ser denunciados pelos pais”, avisa Cotrim.

É cuidadora informal? Conheça os poucos apoios a que tem direito

É que se a crise económica pode ter empurrado para um aumento deste tipo de violência, exercida sobretudo contra as mulheres, agora a desvalorização passa pelo significado social que se cola aos idosos. “Passaram a ser encaradas como pessoas que já não são importantes, que não têm direitos alguns, nem sequer a serem protegidas”, alerta Cotrim.

A economia acelera, mas é a discriminação que perpetra o crime

Elisabete Brasil, responsável da União Mulheres Alternativa e Resposta, crê que, mais do que uma questão económica, na base desta agressão e dos homicídios está a discriminação de género. “As mulheres são mais batíveis. Vemos mais filhos a agredir as mães do que os pais”, sublinha.

“O homem assume-se como figura de autoridade e, nesta tipologia de femicídio, não são as questões financeiras e económicas que mais contribuem para isto”, salvaguarda Brasil. “Elas são precipitantes, mas não definidoras. A falta ou existência de dinheiro pode potenciar, ser um acelerador para uma situação que é preexistente e que passa por uma legitimação da violência de género numa sociedade patriarcal.”

“As mulheres são mais batíveis. Vemos mais filhos a agredir as mães do que os pais”, refere Elisabete Brasil

“Podemos dizer que há um crescimento residual do matricídio, uma forma muito rara de homicídio, que tem uma média de crescimento de um por ano e frequente em casos em que os filhos são mais novos e geralmente ligados a quadros de toxicodependência”, argumenta Daniel Cotrim.

Já as queixas, essas têm outra dimensão completamente diferente e revelam ser apenas um ponto de um gigantesco buraco feito de dados negros. “O que vemos relativamente à violência filio-parental é que ela ocorre em todas as faixas etárias, mas quando falamos de maus tratos físicos e psicológicos, eles surgem sobretudo em vítimas numa faixa associada a mais de 55 ou 60 anos de idades e em dependência física”.

Uma realidade tenebrosa na qual Portugal não está sozinho. “Infelizmente, os dados internacionais apontam para uma tendência de aumento da violência contra as pessoas mais velhas e a nossa sociedade está a envelhecer”, contextualiza Cotrim.

Já quanto a soluções, não falta matéria por tratar, mas o psicólogo da APAV aponta: “É preciso cada vez mais trabalhar ao nível da sensibilização e do respeito pelas pessoas mais velhas, e isso tem de se fazer desde muito cedo.”

Imagem de destaque: DR

Nova campanha do governo pede à sociedade que não se cale e denuncie a violência doméstica