Mafalda Pinto: “A maior parte das empresas que investiram nas máscaras está sem trabalho”

Mafalda Mota Pinto
Mafalda Mota Pinto, CEO da Scoop [Fotografia: DR]

Mafalda Mota Pinto é CEO de uma empresa têxtil do norte, procura patentes nesse mundo, desenvolve novas peças, tem projetos em parcerias internacionais para encontrar novas soluções para a indústria no âmbito da sustentabilidade e quer revolucionar a maneira de as empresas fazerem dinheiro com a moda. Como? Deixando de receber a troco de encomendas, mas participando na venda final.

Ao Delas.pt e à margem da conferência em torno da sustentabilidade da moda e da indústria, a Sustainable Fashion Business e que teve lugar em Lisboa, em finais de outubro, a CEO da empresa portuguesa têxtil SCOOP, Mafalda Mota Pinto, revelou porque se sente “muito contente” por não ter enveredado pela produção de máscaras no arranque da pandemia por Covid-19 e quando ainda não havia material disponível para todos, faz críticas ao executivo por não ter protegido a indústria e diz que os designers vão ter de se adaptar a uma nova dinâmica de fazer moda e trazer novidade

No caso da SCOOP e tendo em conta as necessidades mais emergentes que todos sentimos devido à pandemia, há projetos relacionados com bens de proteção?

Talvez tenhamos sido das poucas empresas, até pela nossa dimensão e pelos produtos que fazemos, que não nos lançamos na loucura. Tive ai um momento de clareza, acho eu (risos). Apesar dos desafios que tive para fazer máscaras e equipamentos de saúde, optei por não o fazer. E estou muito contente por não o ter feito.

Porquê?

Efetivamente, não é o nosso tipo de produto, não temos experiência nessa área. Se tivéssemos entrado nisso, iria impedir que desenvolvêssemos o que desenvolvemos durante a época de pandemia. Foi um período em que houve muita reflexão sobre alterações brutais que iriam existir neste processo, na forma como compramos, no online.

Contente porquê?

De certa forma, estou muito contente por não ter desviado o meu foco daquilo que vai ser o futuro da SCOOP. A maior parte das empresas que investiram nas máscaras está sem trabalho ou está cheia delas, que não têm a quem a vender. Neste caso, poderíamos ter feito de Portugal o parceiro líder do equipamento de saúde, mas não houve vontade política nem governamental para que isso acontecesse.

Como seria feito?

Teríamos, de certa forma, suspendido as importaçãoes – que não fizemos porque continuámos a importar da China, a preços que são impossíveis de alguém tentar combater aqui em Portugal. Se houvesse um acordo concertado na Europa e que orientasse os compradores para que Portugal fosse esse país, mediante atribuição das condições, certificações e que Portugal fosse pioneiro, aí sim, seria um grande negócio. Estamos a apostar numa linha de produtos na área da saúde que são qualificados, certificados, depois continuamos a fazer importações de máscaras aos batalhões que nem certificadas são. Há aqui um desalinhamento grande que vai ter consequências graves até para a própria indústria têxtil.

O que antecipa?

Os encerramentos já estão a acontecer. Estamos seriamente a caminhar para uma catástrofe mundial, mas obviamente neste caso, uma catástrofe nacional. Todos os dias fecham empresas, no Norte sentimos isso muito mais, vemos as pessoas, famílias inteiras que vivem de um rendimento mínimo. Há aqui um problema muito grave.

O que podia ser feito?

Portugal deveria estar a fazer força para proteger a indústria. Itália, por exemplo, protege os têxteis, são as associações que mandam e nós poderíamos fazê-lo também. Falta aqui muita vontade política e caminhos mais concertados na indústria.

De volta à indústria e aos novos materiais, é difícil encontrar por cá quem esteja alerta para a necessidade de os encontrar?

Eu não diria que Portugal não está muito atento, temos também um aspeto cultural que é preciso ponderar: não fomos preparados para esta nova realidade das parcerias e das colaborações. Fomos preparados para viver uma vida para dentro de nós próprios e com medo que o nosso vizinho estivesse a ver o que estávamos a fazer. Para estas matérias poderem sair do âmbito académico e das investigações, precisam de ter o suporte da indústria e de quem vai por esses produtos no mercado. Fazemos coisas magníficas, temos projetos magníficos da área da investigação, inovação e sustentabilidade.

Mas, então, porque não chegam à indústria?

Nunca saem do papel. Nunca deixam de ser um estado a arte porque falta juntar as peças do puzzle para que chegue às lojas ou para o cliente final. É uma dificuldade que temos.

Quem está a a travar esse processo?

O sistema não está montado para isso. Estamos, neste momento, em consórcio para um blusão com tecnologia incorporada e este é um grande exemplo. O importante é estarmos a fazer o que acreditamos e é através de casos de sucesso, pequenos, que efetivamente se começa a escalar. Estamos num projeto com um grupo de empresas portuguesas e que todas elas se complementam: o

Ip Vest. Projeto na área da tecnologia e inovação, de proteção individual, que está a ser desenvolvido com universidades, centros científicos e cliente final, que é uma empresa da área das energias e das antenas de alta tensão. Essa é a grande diferença. Existem projetos fantásticos, mas poucos com esta abrangência de integrar no mesmo consórcio e desde a conceção ao utilizador final.

Em matéria de patentes, têm projetos com investigadores a desenvolverem patentes. Qual é o modelo de negócio com eles? É uma patente partilhada?

Não. Na maior parte destes projetos, a propriedade intelectual pertence ao designer. Não há empresas ainda preparadas para reverter o processo de investimento e perceber que o retorno chegará no momento da venda final. Isto vai ser uma enorme revolução.

As como se vai fazer esse modelo de negócio?

Acreditamos que as marcas têm de começar a pensar naquilo que compram porque há todo um novo mundo no que diz respeito em pre order [encomenda]. Os produtos passam a estar em fase de conceção [e não de conclusão e envio] e as empresas só compram mediante o que necessitam. Isso permite-nos perceber que, quando estamos a produzir, é para ser efetivamente vendido e não para stock. Este novo projeto vai permitir à indústria fazer parte da marca e em que a primeira fatura pelo preço de um serviço de uma peça. Ou seja, vou passar a fazer parte da receita, da venda da peça. O modelo de negócio é baseado na margem da venda que é partilhada entre a indústria, a marca e o designer. É ai que vamos buscar não só o nosso investimento inicial e como também a nossa parcela.

Mas isso revoluciona os ritmos da moda. O que acontece ao conceito de novidade?

É muito novo cá, mas não é único. Existe uma empresa muito grande, cujo nome não vou revelar, que o está a fazer e com uma enorme dimensão. Durante toda a minha existência enquanto empresária, nos últimos 30 anos, sempre senti dificuldade em lidar com isso. Os designers saíam das faculdades sem qualquer preparação para o mundo do trabalho em si, execução da peça e processos de indústria, o que levava muitas vezes a, de certa forma, desvirtuarem totalmente aquilo que inicialmente conceberam. Com este modelo de negócio, o nosso grande foco é garantir que o designer está focado no design, conceção do produto e em obter aquilo que imaginou na sua cabeça por parte de um parceiro. É uma nova forma de pensar? Sim! O designer não vai ser a estrela sozinho? Não vai. Mas tenho 100% que isto vai ser o futuro porque não vai haver desperdício, vamos permitir que jovens potenciais designers tenham oportunidade de produzir. Porque há jovens com ideias fantásticas, mas que não se conseguem financiar porque são pequeninos, não têm histórico.