Mafalda Veiga: “O amor é a coisa mais revolucionária que existe”

Mafalda Veiga
Fotografia de Joana Lima Rocha

Baixinha, com ar de miúda de 20 e poucos anos, sentada num palco a tocar guitarra para uma plateia que a ouve atentamente e trauteia clássicos como Pássaros do Sul, Cada Lugar Teu e Paciência, que marcaram e atravessaram gerações. É esta imagem que nos vem à cabeça quando pensamos em Mafalda Veiga, que atua esta sexta-feira no festival Sol da Caparica.

No dia da apresentação do recinto à imprensa, a cantora deixou a guitarra em casa e apareceu com um skate debaixo do braço, onde brincou na pista para praticantes da modalidade e nos revelou todas as surpresas que preparou para o concerto. Além das músicas do seu mais recente trabalho, Praia, não vão faltar os clássicos. Até porque, na opinião de Mafalda Veiga, um concerto de festival exige um alinhamento diferente de uma sala de espetáculos.

Em conversa com o Delas.pt, a cantora revelou que, aos 51 anos, a música continua a ser a sua maior paixão e que passar os dias agarrada à viola é o seu passatempo preferido, de tal forma que se torna difícil, para a própria Mafalda, distinguir a vida pessoal da profissional.

Não trouxe a guitarra, mas trouxe o skate. Não deixa de ser surpreendente. Porque o fez?

Desde pequenina que ando de skate. Não andava há imenso tempo, mas é como andar de bicicleta, não se desaprende. Dá imenso prazer e dava ainda mais se apanhasse mais velocidade, mas neste piso não consigo ter muita, as rodas não ajudam.

O que se pode esperar deste concerto no Sol da Caparica?

Este concerto é muito específico, o alinhamento é preparado para o Sol da Caparica. Além de apresentar canções do disco novo há canções mais antigas que também vou tocar e há um convidado especial, o Fuse, dos Dealema. Vamos apresentar uma canção em que participei no último disco dele e que nunca cantámos ao vivo, vai ser uma estreia e ele também vai cantar uma música minha.

Pode revelar-nos qual será a música da Mafalda que vão cantar juntos?

Sim, é a ‘Insónia’, um tema do meu último disco de que gosto particularmente. Desafiei-o a cantar esta música comigo.

Lançou um álbum no final do ano passado, intitulado Praia. O que distingue este trabalho dos anteriores?

Quando se é compositor e autor há sempre uma evolução, uma tentativa de avançar em relação àquilo que já se fez. Não repetir erros e tentar encontrar a maneira mais eficaz de conseguir alcançar o que se pretende. O meu principal objetivo, que não consegui alcançar completamente nos álbuns anteriores, era que o disco fosse mais solto para poder cantá-lo de uma forma também mais solta, sem a pressão de estar em estúdio, que acaba por afetar-me um bocado. Consegui isso de várias maneiras. Gravámos várias canções juntos como se estivéssemos a cantar num espetáculo e alcançámos uma dinâmica e energia de banda que só se consegue quanto tocamos juntos, foi uma experiência muito boa.

Mafalda Veiga
Mafalda Veiga a andar de skate no recinto do festival Sol da Caparica. Fotografia de Diana Quintela/Global Imagens

Além de novas canções, neste novo álbum renovou também a banda. O que trazem de novo estes músicos para o projeto Mafalda Veiga?

É sempre muito bom trabalhar com outros músicos e outras pessoas. Adorei todas as bandas com que já toquei, todos os músicos me ensinaram imenso, mas conhecer outras pessoas que têm outras abordagens, outra forma de tocar e são únicas nos seus instrumentos e na sua forma de entender a música traz uma nova dinâmica e energia. Isso é bom, principalmente porque estes músicos que tocam comigo foram os mesmos que gravaram o disco. Está a ser muito interessante a maneira como eles olham para todo o trabalho feito anteriormente e como essas mesmas canções ganham uma nova energia ao serem abordadas por músicos que nunca as tinham tocado.

Em termos pessoais, prefere atuar num festival de música ou numa sala de espetáculos?

Gosto das duas porque são absolutamente diferentes. Os próprios alinhamentos têm de ser forçosamente diferentes. Numa sala de espetáculos é muito mais fácil ter um alinhamento íntimo, enquanto um concerto ao ar livre pede um alinhamento mais extrovertido e mais forte, foi esse alinhamento que escolhi para a Costa.

E há diferença nos públicos destes dois tipos de concertos?

É também diferente, mas ambos são ótimos. Numa sala, o tipo de relação que se cria com o público é muito mais íntima e é um prazer desfrutar dessa cumplicidade. Neste tipo de espaços há outra energia. É igualmente boa mas é outro tipo de energia. Gosto das duas coisas, de ter uma banda pop/rock, que têm esse power, e de fazer espetáculos mais acústicos.

Sente que atuar num festival lhe dá a oportunidade de mostrar trabalho a um público que não é o seu?

Sim, acaba por ser uma forma privilegiada. Num festival há todas as condições para que tudo aconteça de uma forma muito expressiva.

Tem várias músicas que atravessaram e marcaram gerações, como é o caso de Cada Lugar Teu e Paciência. O que é preciso para que uma música se torne intemporal como estas duas?

Aquilo de que gosto na música é fazê-la. O que mais gosto de fazer na vida é passar o dia inteiro agarrada à minha viola, aos meus instrumentos. Essa ligação tão forte à música é pessoal, a minha vida está tão misturada com o trabalho que não sei distinguir a minha vida pessoal da parte profissional.

No mês passado lançou o videoclip do seu novo single, Não Me Dês Razão. Como têm reagido as pessoas a esta música?

Gostam bastante desta música, até porque foi a primeira que compus para este disco e já a tinha tocado noutros concertos, antes até de fazer o disco. Convidei o André Tentugal para fazer este videoclip e achei muito interessante a ideia dele de fazer o vídeo num só plano. É uma coisa quase mágica em que, de repente, as forças se transformam. Aquilo que está à vista é outra coisa, uma espécie de jogo que não se mostra totalmente, ou seja, o videoclip não mostra o jogo mas os intérpretes mostram-no um ao outro. Essa contradição é um bocadinho aquilo de que fala a canção.

Nesta música, a Mafalda canta: “Não me dês saudades que eu não quero sentir.” Que saudades são estas que não gosta de sentir?

É quando dói, quando a saudade magoa. Essa saudade não é boa de sentir. É boa de sentir aquela saudade em que pomos as mãos dentro da memória e vamos buscar aquilo de que gostamos, poder tocar nas coisas outra vez. Nesta canção digo que não quero nada que seja negativo, doloroso. Quero aproveitar a noite até ao fim. É uma canção de intimidade e é difícil falar sobre este tipo de canções porque é difícil de falar sobre este assunto. A intimidade tem os seus códigos próprios, tem de se ouvir a canção para perceber esse tipo de mensagem que está atrás.

Praticamente todas as suas músicas falam de amor. Faz questão de que o amor e a música andem sempre de mãos dadas?

Gosto de escrever com sensibilidade e sobre a sensibilidade. O mundo e a vida para mim baseiam-se nisso, o amor é a coisa mais revolucionária que existe, é uma força enorme e ver o mundo dessa perspetiva é extremamente enriquecedor. A música é uma forma de me expressar e acaba por ser natural escrever sobre afetos.

Já referiu noutras ocasiões que este álbum é, sobretudo, feliz. É deste tipo de mensagens que o país e o mundo precisam?

Senti que precisavam, eu própria precisava de me focar no lado mais feliz da vida, que nos liga pelo bem, pela sensibilidade, pela alegria porque a maior parte dos assuntos que nos têm ligado são muito violentos, bárbaros. Senti que tinha de olhar para tudo o que é positivo na minha vida e chamar ‘Praia’ a esse olhar.

Imagem de destaque: Joana Lima Rocha