Magistrados já ouviram o juiz do acórdão polémico

violência doméstica

O juiz relator do acórdão da Relação do Porto, Neto de Moura, que minimizou um caso de violência doméstica pelo facto de a mulher agredida ter cometido adultério, foi ouvido esta sexta-feira, 3 de novembro, pelo instrutor do processo de averiguações instaurado pelo Conselho Superior de Magistratura (CSM).

A inquirição do magistrado ocorreu durante a manhã no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em Lisboa, onde o juiz Gabriel Catarino, elemento do CSM e instrutor deste processo, tem gabinete, pois é também juiz conselheiro do STJ.

Neto de Moura, acompanhado pelo advogado, Ricardo Serrano Vieira, entraram e saíram das instalações do STJ por uma porta lateral, à margem dos jornalistas, que aguardavam na entrada principal.

O processo de averiguações encontra-se em sigilo e deverá ser apreciado pelo plenário do CSM, na reunião de 5 de dezembro, que decidirá se instaura ou não um inquérito disciplinar ao juiz Neto de Moura.


Neto de Moura disse que está a ser “profundamente deturpado”


“A circunstância do CSM fazer hoje uma audição tem a ver com a ordem natural das coisas, não foi por causa deste caso que se passou a prever que havia audição“, disse esta sexta-feira a ministra da Justiça, acrescentando que “o mecanismo existia e funcionou”.

Os magistrados “não vieram de Marte”

Francisca Van Dunem, que falava à margem do seminário Decisão Europeia de Investigação – O papel da Eurojust, em Lisboa, sublinhou que “as decisões das magistraturas são sindicáveis nos espaços próprios, existem meios de sindicar as decisões” e que “tudo funcionou sempre”.

“Os magistrados refletem a sociedade, não vieram de Marte, existem na sociedade e obviamente refletem vários modelos de pensamento que existem“, declarou a ministra da Justiça, aos jornalistas.

Em causa está um acórdão da Relação do Porto, datado de 11 de outubro, no qual o juiz relator, Neto de Moura, faz censura moral a uma mulher de Felgueiras vítima de violência doméstica, minimizando este crime pelo facto de esta ter cometido adultério.


Releia as frases mais chocantes do acórdão


O juiz invoca a Bíblia, o Código Penal de 1886 e até civilizações que punem o adultério com pena de morte, para desvalorizar a violência cometida contra a mulher em causa por parte do marido e do amante, que foram condenados a pena suspensa na primeira instância.

A decisão do tribunal superior foi também assinada pela desembargadora Maria Luísa Abrantes.

Sociedade uniu-se para protestar contra decisão

A Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, a UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta, entre outras associações, já se manifestaram contra a fundamentação do Tribunal da Relação do Porto.

Além disso, mais de duas centenas de pessoas protestaram na sexta-feira, 27 de outubro, no centro de Lisboa, classificando o acórdão de machista e que desculpabiliza o crime de violência doméstica.


Recorde as imagens dos protestos que decorreram em Lisboa e no Porto

Veja os famosos que já assinaram a petição


Está também a correr uma petição ‘online’ assinada até hoje por quase 19.500 pessoas e na qual se pede uma tomada de posição do CSM e do Provedor de Justiça e apela a uma “reflexão urgente e séria” sobre a necessidade de alterar o sistema de e/ou avaliação dos juízes, “para que casos como este sejam evitados no futuro”. O assunto tem provocado também muita crítica e vasta discussão nas redes sociais.

CB com Lusa

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