Manuel Pinto Coelho: “O estrago que o alimento pode fazer é superior ao do tabaco”

Guerra aos hidratos, as cereais, aos laticínios e ao sal de mesa. Guerra a três refeições por dia e à quantidade de alimentos e proteínas ingeridos. Com estas batalhas travadas diariamente e com recurso a suplementos, o médico Manuel Pinto Coelho assegura, tal como titula no livro, que se pode ‘chegar mais novo a velho’.

Chegar Mais Novo a Velho Manuel PInto Coelho
Chegar Mais Novo a Velho [Fotografia: DR]

O especialista acaba de editar a obra revista [editora Prime Books] e fala ao Delas.pt o porquê de se começar por tratar do sistema imunitário em vez de mergulhar em longas contas de farmácia.

Com um processo disciplinar da Ordem dos Médicos em cursos, Pinto Coelho, 70 anos, seis filhos – uma com três meses -, não foge aos embates. Refere que o caso que lhe foi instaurado pode ter na origem a “inveja” dos pares, lamenta que o marketing nem sempre promova o que deve e diz ter pena que as faculdades de Medicina se tenham esquecido, ao longo de décadas, de incluir a nutrição nos seus curricula. Defendeu a exposição ao sol sem proteção, mas no novo livro deixa mais bem claras as regras para o efeito.

Uma longa conversa ao Delas.pt que não esquece as polémicas, na qual o médico deixa dicas sobre como melhorar o estado geral da saúde, pede que se jejue – “pobre ou rico, ninguém precisa de dinheiro para o fazer”- e lembra que a degradação dos alimentos é tal que já não há forma de colmatar a não ser com suplementos. Já sobre os custos? Tudo depende.

Edita uma nova versão revista do Chegar Novo a Velho. Em que é que esta obra difere da primeira?
Este livro é mais enfático na promoção da qualidade de vida e da saúde e no combate a causas das doenças associadas ao envelhecimento. É um hino ao sistema imunitário e diz à sua maneira, da forma mais esclarecida possível, que importa primeiro tratar da saúde antes da doença. Apresento estratégias diferentes e outras complementares à primeira edição e o livro coloca o acento tónico na inflamação: nas fórmulas várias de a combater quando se instala ou a minimizá-la quando já se instalou.

Quais as causas mais importantes para a inflamação?
Uma das que a sociedade civil ainda não ganhou suficiente consciência passa pela otimização da vitamina D – dito na primeira edição da obra e reforço nesta –, que é um dos fatores mais relevantes para reforçar o sistema imunitário. A outra questão passa pela importância brutal do intestino, considerado o nosso segundo cérebro.

Como assim?
Fazendo a ligação entre o aparelho genético e o meio que nos envolve. Como dizia o pai da Medicina Moderna, Hipócrates, todas as doenças começam no intestino. Se lermos com algum cuidado o último livro do António Damásio, A Estranha Ordem das Coisas [2017], ele diz que 50% de serotonina (neurotransmissor da boa disposição) é produzida no intestino. Por um lado, tratando deste órgão, temos um bom sistema imunitário, por outro lado, andamos um pouco mais bem-dispostos. Se as pessoas perceberem que o comprimido que metem pela boca abaixo quando precisam de buscar boa disposição está nos alimentos… Em vez de gastarem dinheiro em moléculas que têm efeitos secundários importantes, podem ir pela alimentação.

“Se as pessoas perceberem que o comprimido que metem pela boca abaixo quando precisam de buscar boa disposição está nos alimentos…”

Com a alimentação, quais as doenças que podem ser mais prevenidas no caso das mulheres?
Depende da idade. Normalmente, há muitos problemas que podem ser corrigidos se otimizarmos os níveis hormonais.

O que deve mudar mais para lá da alimentação?
A classe médica deve estar mais atenta à forma como se reforça o sistema imunitário. Hipócrates dizia que o alimento era o nosso principal remédio. Por um lado, se a pessoa fizer uma alimentação anti-inflamatória, esta é a melhor estratégia para manter o intestino saudável e manter a mucosa o mais desinflamada possível. O estrago que o alimento pode fazer é superior ao do tabaco. O dano que o tabaco faz na árvore traqueobrônquica pesa menos do que o alimento ingerido de forma errada. Por outro, porque é que não há uma cadeira de nutrição no programa académico das faculdades de Medicina? Parece que há uma agora, mas é uma originalidade. Parece que a realidade tem estado cega.

Porque é que acontece?
Tudo o que sabemos é financiado pela indústria farmacêutica. Não estou a dizer que eles financiam os cursos de Medicina, mas o que é facto é que tudo o que se sabe tem de ter interesses comerciais por trás, se não, não há marketing. Alguém paga para dizer que a cebola e o alho é que são bons? E que os vegetais fazem bem? Os resultados que temos tido na nossa casa [consultório], investindo no sistema imunitário, surpreendem todos.

“Alguém paga para dizer que a cebola e o alho é que são bons? E que os vegetais fazem bem?”

Mas os seus pares não acham o mesmo, tendo em conta o processo que corre na Ordem dos Médicos e que lhe diz respeito.
Interessam-me mais os médicos que vêm cá receber formação e assistir às minhas consultas. Sempre tive uma atitude otimista e positiva perante a vida. Interessam-me mais as pessoas que me querem bem e seguem as minhas diretrizes do que propriamente as que estão do outro lado.

Mas o caso não pode ser ignorado. Como olha para ele?
Quando as coisas são sérias e ultrapassam determinados limites, entrego a quem de direito, que é o que tem acontecido. Quando não, entendo que faz parte da condição humana. Sabe qual é última palavra de Os Lusíadas? “Inveja”.

O processo na Ordem dos Médicos deve-se a uma questão de inveja?
Não sei, não vou dizer que sim, mas tenho que me lembrar de falar nisto quando me pergunta o que perguntou. Estou convencido que se não tivesse um livro que mais vendeu em Portugal em 2016 e 2017 na área da não-ficção e que se pessoalmente a vida não me corresse tão bem como corre – com uma série de originalidades que podem não ser muito bem recebidas pela maioria das pessoas -, se calhar não estava tão na mira. Posso estar a ser injusto, mas lá que penso nisto, penso.

Como assim?
É ridículo estar a falar, mas estar com uma mulher muito mais nova que eu, ter seis filhos, ter acabado de ser pai. Se nada disto me tivesse acontecido, se calhar não estava tão na mira. Creio que o que mais melindra as pessoas é eu falar de assuntos que não têm sido tradicionais a classe médica tratar como questão da alimentação. Ainda hoje sou alvo de críticas por parte dos meus colegas por falar de intestino poroso, que é uma realidade confirmada pela comunidade médica.

“Estar com uma mulher muito mais nova que eu, ter seis filhos, ter acabado de ser pai. Se nada disto me tivesse acontecido, se calhar não estava tão na mira”

Em matéria de saúde, qual o papel do colesterol?
É absolutamente insensato falar em colestrol bom e mau, não existe. Há só um: o total. Ele precisa é de um uber ou de um taxi para andar de um lado para o outro porque não se mexe. O dito erradamente mau é o taxi que apanha desde e a fábrica que o produz, o fígado, para as células (LDL). O dito bom, agarra no lixo e leva-o de volta à fábrica para ser reciclado. Há trabalhos que defendem inclusivamente que o colestrol baixo não previne doenças cardiovasculares. O inimigo a combater é o açúcar e não o colesterol, que nos faz a maior das faltas e que compõe 25% do nosso cérebro. Se o baixarmos, aparecem consequências como desmemoriamento, por exemplo. Num trombo, a participação de colestrol é de apenas 10%.

“O inimigo a combater é o açúcar e não o colesterol, que nos faz a maior das faltas e que compõe 25% do nosso cérebro”

O açúcar é o maior, é o primeiro e o último erro. A determinada altura, em Massachussets. dois autores do estudo, que disse que as gorduras é que entupiam as artérias, confessaram ter participado na maior fraude científica de todos os tempos. Eles vieram dizer para que não se comesse mais do que um ovo por semana. Afastou-se a boa gordura, rica em Omega 3 é que era anti-inflamatória e anti-coagulante.

E onde está ele?
Nos ovos, no coco, abacate, noz, amêndoas e azeite.

Há indicações recentes que referem que o óleo de coco está longe de ter benefícios para a saúde. Como responde?
Há de sempre ouvir dizer mal de todas as benesses que nos possam vir do que a natureza nos dá, vai sempre contra interesses instalados. Há de sempre ouvir dizer mal sobre estar exposto ao sol, 20 minutos por dia, sem cremes de proteção solar, com 60% do corpo exposto e para sintetizar cerca de 10 mil unidades de Vitamina D. Há pessoas que me dizem que esta é uma ‘americanice’Se as pessoas percebessem a quantidade de doenças e situações imunológicas que previnem com os níveis otimizados de vitamina D no sangue….

Estamos num país soalheiro, porque precisamos de Vitamina D?
Sabe porque é que as pessoas iram para o Caramulo? Iam buscar a vitamina D num tratamento que consistia em estar de cuecas ao sol. Isto acabou com a entrada dos antibióticos, que tratavam os problemas de saúde muito mais depressa.

No livro novo fala sobre a exposição solar e parece fazer uma contemporização face ao referido antes. Fê-lo?
Com certeza. É um assunto muito sensível. Uma coisa é dizer que 20 minutos ao sol sem cremes solares pode dar origem a sintetização de vitamina D que é fundamental; outra coisa é recomendar estar excessivamente ao sol. Pode apanhar um cancro da pele. E enumero-os um a um e como alerta para os que se expuserem ao sol de forma insensata e desregulada. Até para me defender. Acho que o que se passou é que as pessoas não sabem e não gostam de ler.

Refere no livro que uma das causas de envelhecimento, para lá das internas e externas, é a pobreza. Temos um país em que 1/5 da população vive neste estado.
Aí falo da pobreza de informação.

Não se refere à falta de rendimentos?
Se a pessoa não tiver dinheiro para comprar as frutas, as verduras, e não tiver forma de fazer um regime paleolítico, que contempla carne, peixe, ovos, verdura, nozes e amêndoas. Não inclui o que é mais barato: pão, massa, batata, arroz. Se a pessoa não tiver recursos financeiros, tem mais probabilidade de comer mal. Os hidratos de carbono com índice glicémico mais elevado promovem uma maior probabilidade de se ficar obesa e molestar a parede do intestino, com a tal inflamação crónica, insidiosa. Há quatro situações que tornam o intestino poroso: açúcar, glúten, caseína e stress. A pobreza, nesse sentido, não ter dinheiro para comer alimentos menos inflamatórios, pode prejudicar.

Estamos condenados a envelhecer muito mal.
Não. Pelo contrário. Se a pessoa tiver a informação, se o pobre tiver a informação e souber que o jejum intermitente é uma das estratégias mais importantes para debelar a inflamação, então, não precisa de dinheiro. Pobre ou rico, ninguém precisa de dinheiro para fazer jejum.

“Se o pobre tiver a informação e souber que o jejum intermitente é uma das estratégias mais importantes para debelar a inflamação, então, não precisa de dinheiro”

Mas a ideia da fome…
No livro, falo de quatro modalidades e refiro que o jejum intermitente é muito importante no tratamento de doenças autoimunes, neurodegenerativas, alguns tipos de cancro, síndroma metabólico (obesidades, diabetes). Deve ser bem planeado, bem seguido pelo médico, com acompanhamento laboratorial.

Um plano de dieta.
Não gosto dessa palavra, acho-a depressiva, prefiro regime alimentar hipocalórico. As pessoas que comem de noite é o desastre total. Não faz sentido dar energia a células que precisam de estar a descansar.

Como olha para as críticas ao regime paleo?
Pois, já falámos sobre as razões disso: quando não estão esclarecidas e informadas, as pessoas reagem assim. O que digo é que os genes dos nossos antepassados são iguais aos meus, seus e de todos nós. Houve apenas uma variação de 1%. As pessoas viviam com muito mais saúde, alimentavam-se com carne, peixe e ovos, eram caçadores-recoletores, tinham períodos, dias, em que não comiam, faziam o jejum. Não havia roda, andavam a pé, faziam exercício… Hoje, come-se alarvemente três refeições por dia. Resultado? Os nossos genes vivem em conflito connosco. Ninguém faz exercício e a sociedade de consumo leva-nos a comer sempre qualquer coisa.

“Hoje, come-se alarvemente três refeições por dia. Resultado? Os nossos genes vivem em conflito connosco”

E os microplásticos na alimentação, sobretudo no peixe, com estudos a indicar que já foram encontrados no corpo humano?
Uma das estratégias para ajudar as pessoas a chegarem novas a velhas é a remoção de metais pesados e toxinas ambientais. Há formas de fazer essa quelação. Mercúrio, chumbo, cádmio, alumínio, prata. É uma questão de formação. A existência do flúor é um desastre. É uma neurotoxina.

E o flúor da pasta de dentes?
Deve ser completamente abolido. Devem ser consumidas pastas dentífricas sem flúor.

É possível envelhecer bem sem gastar dinheiro em suplementos?
Hoje é impossível.

Porquê?
Falo em suplementação de nutrientes e hormonas. Em relação aos alimentos e devido à agricultura intensiva, os produtos podem até ter o mesmo aspeto morfológico de há 40 anos, mas estruturalmente não têm. Uma fruta não sabe nem pouco nem mais ou menos ao que sabia há uns anos, uma cebola, ou uma batata não têm metade das vitaminas que tinham. Somos vítimas da agricultura intensiva, temos de compensar o que o alimento não nos dá, daí a importância dos suplementos nutricionais.

“Somos vítimas da agricultura intensiva, temos de compensar o que o alimento não nos dá, daí a importância dos suplementos nutricionais”

Há uma ideia de quanto uma pessoa média deve despender por mês?
São circunstâncias individuais. O encanto na Medicina é poder, como na alta-costura, fazer um fato à medida de cada um. As pessoas são diferentes umas das outras até porque vivem realidades distintas. Depois, são as hormonas que geram, mandam e orientam os processos metabólicos. Se não regularizamos isso, não nos podemos sentir jovens aos 50 anos. Nessa idade temos menos de metade das hormonas que temos na juventude. A alimentação e exercício promovem a produção de hormonas, mas não chegam. Há que otimizar esses valores com a hormona bioidêntica [Hormonas produzidas em laboratório que procuram mimetizar as naturais].

No livro, fala na questão das cesarianas – que estão a aumentar – e diz que há riscos de por bactérias multi-resistentes hospitalares nos intestinos das mães e na atmosfera das crianças.
Temos de estar preocupados em estimular o os sistemas imunitários tanto da mãe como do recém-nascido Ambos devem tomar Vitamina D e um bom probióticos. Sobre os aspetos técnicos ligados a essa questão, não gostaria de opinar sobre eles até teria de estudar mais o assunto.

Mas escreveu brevemente sobre ela.
Preocupa-me mais que ambos não olhem para o sistema imunitário e não façam o seu trabalho de casa. Na Alemanha, quase por decreto-lei, as mães tomam Omega3 e é sublinhada a importância que tal tem para o recém-nascido. Há quem diga que o quociente de inteligência do bebé aumenta com níveis de Omega 3 na mãe. Há duas coisas que todas as pessoas que aqui vêm ao consultório levam: vitamina D nas doses adequadas e um bom probiótico. São duas ferramentas fundamentais para a pessoa ter um sistema imunitário minimamente equipado e para fazer frente à bicharada que a envolve.

“Há quem diga que o quociente de inteligência do bebé aumenta com níveis de Omega3 na mãe”

É o que toma todos os dias?
Sim, tomo também outras coisas (risos). É preciso dar prioridade ao alimento e tentar que seja anti-inflamatório. Depois, não faz qualquer sentido fazer três refeições por dia, não faz qualquer sentido uma pessoa jantar bem, a não ser que haja uma ocasião especial.

70 anos é pai. Como é o seu dia-a-dia?
Lembro-me sempre que, se fosse mais inteligente, já estava em casa a tirar partido dos meus filhos e dos meus netos (risos). Não faz sentido uma pessoa com 70 anos trabalhar como nunca. Reformei-me da função pública em 2009. Por muito competente que seja a ajudar as outras pessoas a chegarem novas a velhas, tenho se ser competente ajudar-me a mim próprio. Há a questão chamada finitude e não sei se vou ver os meus filhos com os filhos deles.

Isso angustia-o?
Não, mas tenho pena. Nunca tive a angústia da morte, nunca me preocupou. Sabe o que me preocupa? É deixar sinais da minha passagem, a começar pelos de casa, e tentar ser bom e fazer o bem. Agora, a pessoa tem medo daquilo que já vivenciou. Ora se nunca morri, sei lá como é! (risos)

Que tarefa ou que momento é que não prescinde com a bebé que acabou de nascer?
Com a Sofia ainda não, que tem três meses. Mas a Lara, que tem dois anos, mal chego a casa, pede-me para ir às minhas cavalitas para dançar Brian Ferry. Gosta muito dele e não quer outra coisa. (risos)

Imagem de destaque: Gerardo Santos/Global Imagens

Sal ou açúcar? Fernando de Pádua revela qual o maior veneno