“Quero ter um impacto real na indústria de joias”, diz Matilde Mourinho

MATILDE
[Fotografia: DR]

Para mulheres fortes e para os que se preocupam com a sustentabilidade na indústria joalheira. Estas são as prioridades de Matilde Mourinho, filha do treinador José Mourinho, e que se estreia no lançamento de uma marca de jóias que vão apostar no ouro reciclado e nos diamantes em laboratório.

Em entrevista por escrito ao Delas.pt, a designer portuguesa, de 24 anos, que está a trabalhar a partir do Reino Unido, acusa a herança familiar do nome, mas crê que este possa ser convocado para lutar por um setor mais ético, mais justo.

Numa apresentação da marca, que vai refletir também a herança portuguesa da filigrana e dos azulejos, Matilde Faria Mourinho diz que há peças a começar a menos de 200 euros e aponta para a joalharia masculina num horizonte próximo, já para não falar que sonha abrir uma loja em Portugal.

Como surgiu a intenção de apostar na joalharia?

Tenho trabalhado nessa área nos últimos dois anos, enquanto estudava e trabalhava na indústria de eventos. Sempre adorei jóias e o poder que elas têm de contar histórias sobre a vida das pessoas. Durante os meus estudos, descobri que a indústria da joalharia de luxo tem contribuído muito para os danos provocados ao ambiente. Porém, existem formas mais sustentáveis ​​de fazer peças bonitas e mais fáceis de produzir, daqui nasceu a ideia de criar a MATILDE Jewellery. Quero ter um impacto real na indústria de joias, permitindo que mais pessoas do que nunca possam escolher produtos de joalharia sustentáveis.

Como garante a sustentabilidade nesta área de negócio?

A sustentabilidade está no coração da marca MATILDE, desde os materiais às empresas com as quais trabalhamos e até à embalagem em que as peças serão apresentadas. Vai ser fundamental em tudo o que fizermos. Esperamos causar um impacto ao tornar as joias de luxo sustentáveis ​​mais acessíveis para aqueles que optam por as usar, iniciando assim o debate sobre a origem das peças.

“De momento, as nossas peças são direcionadas ao público feminino, no entanto, no futuro, queremos expandir para o público masculino”

Em que medida a sustentabilidade, a transparência e o custo justo influenciam os preços finais das peças?

Os preços das peças começam em menos de 200 euros, e faremos tudo o que pudermos para garantir que os custos sejam tão acessíveis quanto possível, refletindo a qualidade dos materiais de joalharia de luxo que usamos. Conseguimos isso eliminando, principalmente, os intermediários, tendo relacionamentos realmente próximos com todos os nossos fornecedores de produção e mantendo as margens estreitas.

Também reciclará ouro e produzirá diamantes no seu ateliê ou laboratório ou utilizará apenas os materiais já acabados?

Usamos ouro reciclado do que já tinha sido usado, adquirido de fornecedores eticamente confiáveis. Ele é, então, fundido e apresentado como um produto que pode voltar a ser usado para iniciar uma nova vida, numa das nossas peças. Nós só usamos diamantes feitos em laboratório, que são criados em unidades na Antuérpia e são química e fisicamente idênticos aos diamantes extraídos.

Quais mercados preferenciais para onde está a concentrar as atenções? Portugal está no seu horizonte?

Sim, com certeza. Desenhei uma coleção com Portugal e a cultura portuguesa no seu cerne, chamada The Heritage Collection. Apresenta inspirações de filigrana, Coração de Viana, e azulejos, e reimagina-os de uma forma nova e moderna. Foi muito importante para mim reconhecer a minha formação portuguesa para criar esta gama. O nosso outro principal mercado é o Reino Unido, mas também enviaremos para o mundo todo. De momento, comercializamos primeiro em www.matildejewellery.com. No futuro, adoraria abrir uma loja em Portugal. Fiquem atentos!

“MATILDE é projetado com mulheres fortes de todas as idades”

Qual é o público que quer chamar mais à atenção?

MATILDE é projetado para mulheres fortes de todas as idades. Sabemos que as mais jovens estão, mais do que nunca, a lutar por produtos e marcas mais sustentáveis ​​que respeitem e compartilhem os seus valores, por isso foi importante para mim criar joias de luxo que fossem o mais acessíveis possível, pensando nesse público. De momento, as nossas peças são direcionadas ao público feminino, no entanto, no futuro, queremos expandir para o público masculino.

Num momento em que as pessoas estão mais em casa devido à pandemia, que impacto espera que essas mudanças de hábitos venham a ter no lançamento da marca e o que se prepara para fazer?

Tivemos que ser criativos no nosso lançamento e fazer o máximo possível pelo digital e à distância. A pandemia diminuiu o ritmo de vida, mas também trouxe luz sobre algumas questões e aspetos sobre os quais precisamos de pensar no futuro: como ser mais gentis uns com os outros e mais sustentáveis ​​com o que fazemos e compramos. Então, espero que MATILDE possa fazer parte desse movimento.

“Fiz essa escolha [estudar a Filigrana portuguesa] porque sempre vi a minha mãe usar e falar sobre o Coração de Viana”

Na sua tese, sabe-se que estudou a filigrana. Porque o fez estando numa instituição britânica?

O meu mestrado debruçou-se sobre a indústria de joias de luxo, especificamente na perspetiva da sustentabilidade. Foquei-me na Filigrana Portuguesa como parte integrante da tese, à medida que pesquisava a técnica da joalharia tradicional portuguesa e como a poderia incorporar na minha própria marca. Fiz essa escolha porque sempre vi a minha mãe usar e falar sobre o Coração de Viana. Portanto, não só havia uma ligação sentimental, mas queria também dar a conhecer a herança portuguesa, e esta bela técnica tradicional era a forma perfeita de o fazer.

Vai incorporá-la na sua coleção?

Uma das nossas coleções é a The Heritage Collection, que tem uma forte inspiração em Portugal e, mais especificamente, na Filigrana Coração de Viana, mas vamos fazê-lo de uma forma nova, romântica e arrojada.

Que impacto sua tese e este estudo poderiam ter na Filigrana portuguesa a nível internacional?

Para ser honesta, não tenho a certeza disso. Espero que, ainda que apenas para meu círculo íntimo de amigos ou colegas académicos que leram minha tese, possam aprender mais sobre a técnica. E se isso aumentou a consciencialização, fico feliz.

Já houve reações?

Desde o lançamento no Instagram, o meu foco tem sido desenvolver uma comunidade orgânica e autêntica. Embora, até agora, as reações tenham sido positivas, estou nervosa e entusiasmada para ver o que as pessoas pensam das peças reais.

Tem trabalhado mais na área de moda e eventos, como é que a joalharia surge na sua vida?

Sempre adorei joalharia e o poder que ela tem de contar uma história, de uma forma que dispensa palavras. As joias são uma bela maneira de se adornar com significado, fazendo uma declaração sobre quem é e em que é que acredita. Depois de anos a estudar moda e trabalhando nas indústrias criativas, e aprendendo sobre o impacto devastador que as joias podem ter em nosso meio ambiente, decidi lançar o MATILDE para compartilhar minha visão de uma marca mais gentil, sustentável e mais acessível que tem o poder causar impacto com seus valores e práticas.

“Espero que [a herança familiar] ajude efetivamente a consolidar a ponte para algumas das questões pelas quais eu criei o MATILDE”

Na área da moda, o que gostaria de poder fazer?

O meu foco, por enquanto, está nas joias MATILDE. É difícil dizer o que eu gostaria de fazer no futuro.

Que papel desempenha ser filha de um dos maiores treinadores do mundo? Ajuda, nem tanto, tem um peso maior? Como se gere essa ‘herança’?

Entendo que as pessoas se vão interessar por esta questão devido à minha família, e espero que ajude efetivamente a consolidar a ponte para algumas das questões pelas quais eu criei o MATILDE: a sustentabilidade, um mais amplo diálogo sobre como tornar a indústria de joias menos agressiva e mais ética também.