Marcelo dá a sua última aula e antigas alunas avaliam o professor

Corria o ano letivo de 2014/2015. Uma das alunas recorda ao Delas.pt que ouviu da boca de Marcelo Rebelo de Sousa que ia candidatar-se a Belém. Portanto, o professor quebrou o tabu numa sala de aula, muito antes de o fazer num púlpito ou numa página de jornal.

Como docente, Marcelo fez mais: organizava visitas de estudo, jantava, em média, duas vezes por ano com os alunos dos primeiros semestres da faculdade, mandou uma aluna para a praia a três meses da data limite de entrega da tese de mestrado, apresentou doutoramentos já enquanto inquilino em Belém, é responsável por ter criado apaixonadas pelo Direito e liderava algumas das mais concorridas aulas da Faculdade. Ah, e claro, mais recentemente, tirou muitas selfies com os alunos.

Estes são apenas alguns dos relatos deixados ao Delas.pt por ex-alunas do Presidente da República que esta quinta-feira, 20 de setembro, às 15.00 horas, na Reitoria da Universidade de Lisboa (antiga Clássica) se despede das aulas.

Marcelo Rebelo de Sousa no discurso de vitória das Presidenciais, na Reitoria da Universidade de Lisboa [Fotografia: Jorge Amaral/Global Imagens]
Marcelo volta, sem surpresas, ao local onde falou pela primeira vez depois de ter vencido as eleições, em 2016.

Como o professor mandou Isabel Moreira para a praia

Sempre que preciso de criticar o professor Marcelo, até porque estamos em campos políticos muitas vezes opostos, tenho sempre ali uma pedra no sapato. Quando tem de ser, tem de ser, mas às vezes… hesito”. A confidência, entre risos, é feita por Isabel Moreira, 42 anos.

Isabel Moreira [Fotografia: DR]

A deputada independente pelo Partido Socialista não se sentou na cadeira de primeiro ano do curso de Direito, da Faculdade, em Lisboa, mas contou com Marcelo Rebelo de Sousa como orientador da tese de Mestrado na área dos Direitos Fundamentais e tem, conta a própria, “uma memória e uma dívida de gratidão”.

Portanto, é caso para perguntar: que professor é este – e que se despede esta quinta-feira, 20 de setembro, das aulas na faculdade – que chega ‘quase’ a levar ao silêncio alguma oposição à sua prática política?

“O professor Marcelo Rebelo de Sousa foi um orientador inesquecível. Quando fiz a minha tese, passei por um período pessoal complicado. E apesar de a ter na minha cabeça e de ter toda a revisão de literatura feita, fui deixando passar o prazo. Quando faltavam três meses, fui ter com ele e disse que não ia ser capaz. E ele foi incrível”, recorda Isabel Moreira.

“Se há momentos em que precisamos que alguém acredite em nós, por nós, ele esteve lá, deu-me força e disse-me que não me deveria preocupar. Como sabia da minha rapidez e que eu adorava mar – mesmo no inverno – ainda me mandou um mês para a praia. Dois meses chegariam para concluir o trabalho, disse-me ele. Entreguei-o a dois dias do fim, ele leu, ligou-me e disse que eu ia ter, com certeza, nota máxima. E tive, 18”.

Dos jantares com os alunos às selfies mais recentes

Teresa Caeiro, deputada do CDS com 49 anos, sentou-se nos bancos do primeiro ano da faculdade e, apesar de diferendos políticos nos finais do milénio e em tempo de AD com Paulo Portas e Marcelo Rebelo de Sousa à frente dos partidos [CDS e PSD, respetivamente], tal em nada compromete a ideia que a deputada tem de Marcelo: foi o professor da sua vida.

“Ele era muito galvanizador, sabia como levar os alunos a gostar do Direito, levava-nos a sítios onde se praticava o Direito, em verdadeiras visitas de estudo ao Parlamento, ao Supremo Tribunal de Justiça, a Tribunais, e era muito divertido. Todos os anos, organizava um jantar com a turma – falamos de 80 e mais alunos – e era o centro das atenções. Ele fazia a festa, lançava os foguetes e apanhava as canas”, recorda Caeiro.

Deputada do CDS Teresa Caeiro [Fotografia: José Carlos Pratas/Global Imagens]

A deputada democrata-cristã elogia a proximidade de um docente num universo em que todos eram distantes e inatingíveis, e diz mesmo que Marcelo era daqueles professores que ninguém temeria pedir uma revisão de prova ou ir a oral. “Não era nada pomposo, era próximo com os alunos”.

Tão próximo que, há apenas quatro anos, a aluna que soube que ele ia para Belém revela: “Andou a tirar imensas selfies connosco, ele é super humano, terra a terra com os alunos, gosta de ajudar”. Melhor: “dava sempre muito boas notas e quase não chumbava ninguém!”

Com a tão característica pera negra no queixo no tempo de Caeiro e sem ela nos anos mais recentes, certo é que Marcelo enchia as salas de aula e as de casa, aos domingos à noite quando comentava na televisão.

Marcelo Rebelo de Sousa na apresentação da publicação da tese de doutoramento de Raquel Alexandra castro [Fotografia: Facebook]
“As aulas dele eram das mais concorridas, havia sempre alunos sentados nas escadas, por falta de cadeiras”, recorda Raquel Alexandra Castro. Ex-jornalista de 50 anos, é hoje constitucionalista, vice-presidente da Faculdade de Direito, onde é professora, e consultora, e ultimava, enquanto falava ao Delas.pt, o cortejo académico que irá receber o ‘ainda professor’ Marcelo esta quinta-feira, naquela que é considerada a sua derradeira aula.

Recorde-se que, no mês passado, quando questionado sobre a possibilidade de voltar a lecionar depois de terminar o mandato em Belém – e depois de o Governo ter desbloqueado a obrigatoriedade da reforma na função pública aos 70 anos – o Chefe de Estado revelou que ia despedir-se, em breve, da Cidade Universitária, na capital. “Portanto, irei dar a minha última aula na abertura do ano letivo, no dia 20 de setembro. É a última aula, é a última aula”, sublinhou o Presidente da República, citado pela agência Lusa.

“Excelente capacidade de comunicação” em aulas com microfone

Raquel Alexandra, que teve Marcelo a seu lado em todos os momentos de progressão académica, recorda as várias facetas do professor: “Tive a honra de ser escolhida por ele para me orientar a tese de mestrado (As Omissões Normativas Inconstitucionais no Direito Constitucional Português, 2003) e de doutoramento (Constituição: Lei e Regulação dos Media, 2015). E depois de ele ter sido eleito presidente, apresentou este último trabalho. Marcelo nunca descurou as suas obrigações académicas”, vinca.

“É muito importante que a comunicação do Direito seja feita de forma estimulante, sobretudo para pessoas que acabam de entrar para a Faculdade. Ele tem uma excelente capacidade de comunicação e consegue explicar tudo de forma cativante e sem qualquer sacrifício do rigor”, conta a constitucionalista. Os alunos mais novos lamentam apenas que fosse complicado escutá-lo: “Nas aulas com microfone nem sempre se ouvia o que ele dizia”, recorda uma das universitárias recentes ouvida pelo Delas.pt.

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Já Teresa Caeiro, que sempre teve aulas com o próprio e nunca com assistentes do professor, lamenta que, no tempo em que cursou Direito, “já lá vão 30 anos”, faltassem livros de apoio à cadeira dada pelo professor Marcelo. “Tiravam-se notas, era muito importante, até porque facilmente nos distraímos com a emoção. Havia umas sebentas que eram vendidas pelo sr. Charneca, à porta, mas não havia um manual da cadeira dele”. Dentro e fora da faculdade, talvez continue a não existir…

Imagem de destaque: Global Imagens

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