As imagens da marcha silenciosa que levou centenas à rua contra a violência doméstica

O silêncio foi a arma daqueles que, este domingo, se manifestaram em Lisboa para acabar com o silêncio em torno das mortes decorrentes de casos de violência doméstica, em Portugal. Mais de 400 pessoas marcharam, entre o Marquês de Pombal e a Assembleia da República, para expressar solidariedade para com “todos os gritos silenciosos” das vítimas de violência doméstica, que só este ano, já perfazem cerca de uma dezena.

“Hoje estamos aqui todos reunidos como um puro exercício de cidadania. Procuramos mobilizar as pessoas em torno de uma causa comum, que é uma causa a favor das vítimas e contra a violência”, disse, em declarações à agência Lusa, Joana Marques, uma das promotoras da iniciativa que, como a própria fez questão de frisar, não esteve ligada “a nenhum partido político, a nenhum sindicato ou nenhum movimento associativo”.

A marcha partiu da iniciativa de um grupo de amigos e conhecidos e foi divulgada através das redes sociais, na sequência do duplo homicídio de Lara, uma menina de dois anos, Lara, e da sua avó, Helena Cabrita, pelo pai da menina, Pedro Henriques. O homem, que acabou por se suicidar, tinha sido alvo de queixa por violência doméstica, pela mãe da criança e filha de Helena Cabrita, mas o processo acabou por não seguir essa classificação.

Joana Marques, acrescentou, à Lusa, que “um grupo de cidadãos anónimos que se juntou e resolveu sair de casa, dos seus espaços de reflexão para vir para as ruas, juntamente com vítimas, ex-vítimas, no sentido de marcar uma posição”.

“Sentimos que hoje faz todo o sentido estarmos juntos em prol das vítimas. Porque elas vivem todos os dias em silêncio e este silêncio em que elas vivem tem um ruído diário e este ruído, como podem ver, entra na consciência de todos nós”, disse a representante, afirmando acreditar que a sociedade portuguesa “é uma sociedade atenta” e que este tipo de iniciativas surte efeito.

“A culpa não é da vítima, é de quem agride”, “A violência é a arma dos medíocres”, “Quem bate em alguém, agride toda a sociedade” ou “A violência não tem desculpa, tem lei” foram algumas das palavras de ordem, escritas nos cartazes e faixas que os manifestantes levaram consigo.

Na marcha, que juntou pessoas de todas as faixas etárias, incluindo crianças, também eram visíveis balões pretos, como símbolo de luto pelas vítimas mortais de violência doméstica.
Já em São Bento, junto às escadarias do Parlamento, os participantes permaneceram em silêncio, em sinal de respeito e de solidariedade para com todas as vítimas de violência.

Questionada sobre o que falhou e o que está a falhar atualmente na proteção destas vítimas, Joana Marques referiu que esta iniciativa, e os respetivos dinamizadores, não teve a pretensão de apontar ou de dizer o que falhou.

“Não somos especialistas da área, não temos pretensão de dizer ou de apresentar, neste momento, qualquer tipo de ação ou dizer o que falhou. Sabemos que é uma problemática complexa, abrangente e que envolve muitas pessoas, de todos os estratos sociais”, afirmou.

“Esta marcha por si só já tem um poder simbólico muito grande, por isso deixamos aos politólogos, aos especialistas, a quem discute a sociedade civil, para refletir sobre o poder simbólico que esta marcha hoje está a ter”, prosseguiu, adiantando que o mesmo grupo de amigos e conhecidos está a pensar realizar uma nova marcha, também de posicionamento contra a violência e a favor das vítimas, mas desta vez no Porto.


Na galeria, em cima, veja as imagens da marcha deste domingo.


 

Falhas no sistema judicial

De acordo com o Observatório de Mulheres Assassinadas, nove mulheres foram assassinadas em contextos de violência doméstica desde o início deste ano. Durante o ano passado, foram assassinadas 28 mulheres e, ainda segundo o levantamento feito pelo observatório, “503 mulheres foram mortas em contexto de violência doméstica ou de género” entre 2004 e o final de 2018.

A presidente da UMAR, Maria José Magalhães, acusou na sexta-feira, após um encontro com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o sistema judicial de falhar na resposta à violência doméstica e pediu a responsabilização de quem não cumpre a lei.

Esta segunda-feira, em entrevista à RTP, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, admitiu que há falhas na articulação entre forças policiais e o Ministério Público, nas primeiras 72 horas após as vítimas de violência doméstica apresentarem queixa, mas acrescentou que há propostas, neste momento, em discussão no parlamento que, “de alguma forma irão fechar o quadro jurídico-legal”.

“É preciso intervir mais ativamente nas 72 horas, de um modo mais articulado”, afirmou.

Na quinta-feira passada, o governo anunciou a criação de gabinetes de apoio às vítimas de violência doméstica nos Departamentos de Investigação e Ação Penal (DIAP) e um reforço da articulação e cooperação entre forças de segurança, magistrados e organizações que trabalham na prevenção e combate.

Esta foi uma das decisões tomadas numa reunião de trabalho sobre questões críticas associadas aos homicídios ocorridos este ano e à problemática da violência doméstica que juntou vários membros do Governo, a Procuradora-Geral da República, o Coordenador da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica (EARHVD) e a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG).

AT com Lusa

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