Conversa Delas: análise das Semanas de Moda

Day 3 - Lisboa Fashion Week 'ModaLisboa' 2017
LISBOA CDP, PORTUGAL - OCTOBER 08: Model on the catwalk during Luis Carvalho runway show on day 3 of ModaLisboa 2017 on October 8, 2017 in Lisboa CDP, Portugal. (Photo by Carlos Rodrigues/Getty Images)

Entre o fim da Semana da Moda Lisboa e o início o Portugal Fashion, este sábado 14, a editora executiva do Delas.pt, Carla Macedo, e a coordenadora de moda, juntaram-se na Conversa Delas, o programa da TSF, para falar do estado do design de moda em Portugal, da indústria e do panorama internacional. Agora transcrevemos aqui essa conversa:

CM: A temporada primavera / verão 2018 está quase a acabar. O que é que ainda falta ver?

MBP: Falta ver os desfiles do Portugal Fashion que vai acontecer no Porto, de 19 a 21 de outubro e em Lisboa, no dia 14 de outubro. Acabou a Moda Lisboa, porque em Portugal temos duas semanas de moda distintas e o fim de semana passado foi a Moda Lisboa, agora só falta o Portugal Fashion. As semanas de moda internacionais também já terminaram, portanto estamos mesmo na reta final.

Andaste pelas semanas de moda de Nova Iorque, Milão, Paris, Lisboa. É possível fazer o retrato do verão de 2018?

É. Eu ainda não parei bem para analisar tudo. Um a um, como faço no final de cada temporada, em que vemos quais são os traços comuns em todos os desfiles. É assim que se conseguem perceber as tendências. Mas de uma maneira geral vê-se um grande foco no styling, isto é, a maneira como as peças são conjugadas durante o desfile não é simples, é muito mais composta, parece que é tudo feito para ser fotografado e isto tem muito a ver com o público dos millennials, que é cada vez mais o público-alvo das marcas e o Instagram e os influencers. Portanto, as marcas estão a apostar muito em peças marcantes, vimos isso na Louis Vuitton com os casacos cheios de bordados, a Chanel, que também o faz de forma recorrente, este ano também o faz este ano apostou em peças transparentes que para fotografar são incríveis, porque o que puseres por baixo vê-se depois na fotografia. E, portanto, dá um resultado bastante interessante. E a Dior também teve bastantes peças deste género, e muita cor, muito detalhe, muita mistura. Acho que vai ser uma primavera / verão extravagante, se nós quisermos. Se não quisermos podemos só usar uma peça um bocadinho mais arranjada como as calças de ganga e está ótimo.

Há sempre esta dúvida metódica de quem vê a moda do ponto de vista do utilizador apenas que é: aquilo que passa na passerelle é para as pessoas realmente utilizarem no dia-a-dia?

Bem, depende um bocadinho dos criadores de que estamos a falar. Eu acho que hoje em dia já se pode usar tudo. Normalmente as peças mais extravagantes eram feitas para a alta-costura. Alta-costura é as peças terem de ser feitas 80% à mão, sem máquinas, sem nada massificado, e normalmente era nessas coleções que se deixavam as peças mais exuberantes. Hoje em dia o Prêt-à-Porter, que é um pronto-a-vestir que todos conhecemos, já também tem muitas peças desse género e eu acho que as pessoas arriscam cada vez mais, até em Portugal. Por isso, acho que tudo pode ser usado. Claro que há peças que os criadores sabem que, provavelmente, não vão vender tanto. Eu lembro-me do Diogo Miranda que na edição passada fez um casaco branco, que era muito volumoso, e que ele me disse que aquele casaco tinha sido feito para o desfile. Claro que ele o pode vender, mas sabe que é uma peça que resulta melhor em desfile. Isso às vezes acontece, claro que sim.

Os desfiles têm uma componente mais utilitária ou uma componente mais espetacular? Isto é, quando um designer de moda faz uma apresentação da sua coleção para a próxima estação, fá-lo apenas para mostrar a coleção ou é preciso também montar um espetáculo em torno da coleção?

Não é preciso montar um espetáculo em torno da coleção, mas o objetivo dos desfiles, hoje em dia, antigamente não era assim, dantes os desfiles eram feitos para as clientes e para as clientes conhecerem as coleções. Hoje em dia existem as feiras para isso, onde os byers vão comprar as coleções e onde vêm as coleções penduradas. O desfile é para haver buzz em volta da marca, é para se falar do que aconteceu, para se falar da marca. Claro que também há clientes e também há byers nos desfiles, mas o grande objetivo hoje em dia é que apareça nas redes sociais, apareça nas notícias. Portanto, claro que se tiver um bocadinho de espetáculo ou uma pessoa conhecida a desfilar ou uma atuação ao vivo ajuda a que se fale.

Dos desfiles que viste na Moda Lisboa que acabou neste domingo, o que é que encontras de mais significativo?

Bem, eu acho que está muito no alinhamento do internacional.

Amarelo, dourado, mostarda. Muito forte.

Sim, e o styling também se nota. Ricardo Preto tinha claramente, tem sempre, mas nesta coleção foi muito clara a sua preocupação com o styling. Filipe Faísca também. No desfile de Luís Carvalho as peças tinham um corte incrível.

A imprensa que esteve presente no desfile ressalvou a qualidade do corte e do acabamento da coleção de Luís Carvalho.

Sim. É muito importante que as coisas estejam bem feitas. As pessoas percebem quando estão e quando há alterações de moldes às vezes não… parece que é só uma coisas simples mas não é. Eu estudei design de moda, portanto tenho essa noção de como é que se chega a uma alteração de molde e é preciso fazer de facto muitos estudos para se conseguir que as pinças em vez de serem no sítio normal serem noutro e mesmo assim a peça assente bem. E de facto, é muito importante, enquanto jornalistas, nós ressalvarmos isso. Porque de facto existe ali trabalho e isso faz a diferença numa coleção.

E do ponto de vista do espetáculo. O que é que se destacou nesta Moda Lisboa?

Bem, Dino Alves é sempre um espetáculo.

O ano passado Dino Alves tinha enviado uma mensagem muito direta, justamente aos jornalistas, aos bloggers, aos instagramers, aos influencers, aos famosos que se sentavam na primeira fila. Este ano o discurso foi completamente invertido ao dizer que a coleção foi inspirada no silêncio e durante a maior parte do desfile, o que se ouvia como banda sonora era o ruído da selva – pássaros e macacos. O que é que isto quer dizer?

Quer dizer que ele precisa de silêncio. O Dino, a seguir ao desfile, o que nos disse foi que achou que já tinha falado muito e que agora queria estar em silêncio e que o silêncio para ele era um corpo completamente isolado. Daí ter as vestes pretas em cima, sem se ver olhos, nem boca, nada, nada de expressão corporal, porque de facto também se comunica com o resto do corpo. Foi a mensagem que ele quis passar nesta coleção. Mas houve outros desfiles que foram verdadeiros espetáculos, como o da Olga de Noronha que começou com um piano. Ela inspirou-se muito nos candelabros antigos, tinha peças de resina que imitavam os penduricalhos dos candeeiros que todos conhecemos de algum sítio em Portugal. É uma coisa muito típica. E fez vestidos com essas peças que passaram primeiro com a luz normal da passerelle e depois quando a luz baixou ficou tudo com luz negra e a resina, que era meio esbranquiçada, ganhou um tom rosa ao passar nessa luz. Portanto, também foi muito mais um espetáculo do que um desfile. A luz negra também foi usada, por exemplo, no desfile de Nuno Gama. A luz negra este ano notou-se imenso na Moda Lisboa. Nuno Gama também no início levou uma bandeira que era uma camisa branca hasteada e também faz sempre performances.

Sim, este ano até ouvi na primeira fila do desfile que estava a ser difícil as pessoas concentrarem-se na roupa apresentada porque havia rapazes a jogar à bola, havia um intérprete de guitarra portuguesa ao vivo. Uma coleção como a do Nuno Gama que é tão virada para os valores tradicionais portugueses é uma coleção que pode ter aspirações de ser vendida internacionalmente?

Bem, eu acho que sim. Porque Nuno Gama tem um público muito especifico e é muito fiel ao estilo dele exatamente porque tem umas peças muito típicas e muito características dele, mas ele tem muitos clientes africanos por exemplo. Eu acho que as pessoas quando gostam do corte e do estilo do designer não se prendem por ser de outro país ou não. Além disso são os nossos valores, mas reinventados.

 

Desfile da coleção de Ricardo Andrez apresentada na ‘ModaLisboa’ em outubro de 2017 in Lisboa CDP, Portugal. (Photo by Carlos Rodrigues/Getty Images)

Sim aliás, havia um detalhe importante nas peças apresentadas que era um coração tradicional dos lenços dos namorados de Viana que vinha implantado nas peças, não em bordado, mas em acrílico. Isto é uma mensagem a dizer que as tradições portuguesas podem ser modernizadas e renovadas?

Eu acho que isso é a mensagem principal das semanas de moda portuguesas, porque os nossos designers focam sempre muito isso, sobretudo na Moda Lisboa. Valentim Quaresma também faz muito isso, este ano usou os corações de Viana em filigrana e outras peças em filigrana, que é tipicamente portuguesa, e associou a uma inspiração nipónica, portanto, alterou completamente o valor que nós temos, a imagem que temos, dos corações de Viana. Fez capacetes, uma espécie de máscaras que pareciam de ninjas, outros capacetes que tinham um género de escamas em cima, que fazia lembrar os dragões japoneses. Portanto, quando se faz isto com um coração de Viana pode-se modernizar os valores portugueses sempre. Desde que haja criatividade.

Esta semana de moda também ficou marcada pela visita daquela que é chamada a jornalista de moda mais importante do mundo. Não estou a exagerar se qualificar assim a Suzy Menkes, pois não? Entrevistaste Suzy assim de raspão, o que é que ela te disse acerca da moda portuguesa, daquilo que tinha visto e do que é que esperava ver durante esta Moda Lisboa?

Bem, foi um minuto de conversa. A Suzy ia para o desfile de Sangue Novo e nós apanhamo-la quando ela estava a chegar. Eu perguntei-lhe o que é que ela tinha achado dos criadores portugueses, ela disse-me que ainda não tinha visto muita coisa e que portanto não podia dizer. Mas ressaltou que é muito interessante Portugal ter o design e a produção no mesmo país, que é uma coisa que não acontece em muitos sítios. Só em Itália é que isto acontece e ela disse-me que de facto isso era muito importante, porque era muito importante para os designers estarem próximos da produção, saberem como é que as coisas são feitas, poderem controlar, fazerem um acompanhamento completo da sua roupa. Foi o aspeto que ela ressaltou mais e é de facto bastante interessante se pensarmos que só há dois países a fazê-lo.

O que é que significativa uma personalidade desta envergadura no mundo da moda vir a uma semana de moda em Portugal?

É muito importante, porque a Suzy primeiro a credibilidade que tem é enorme. Portanto, os designers portugueses serem mencionados por ela é muito bom. Além disso, isto só prova que Lisboa e que Portugal está num momento incrível e que de facto sermos sempre considerados a melhor ou uma das melhores cidades do mundo e termos o Web Summit o ano passado, este ano outra vez, termos tantas conferências internacionais com tantos nomes importantes a virem, as coisas acabam por se arrastar umas às outras. Portanto, eu acho que isto acaba também por ser um bocadinho fruto do momento que Portugal está a viver neste momento e que deve ser aproveitado em todas as áreas, acho eu.

Mas há uma consequência direta quando a Suzy Menkes faz um Instagram, por sinal, o Instagram desta editora de moda de que estamos a falar, é bastante suis generis, porque não é propriamente o filtro e o bonitinho, é o momento no instante em que ela o apanha. Mas a vinda de pessoas tão influentes como esta, a vinda de imprensa italiana que também já é uma tradição, a Vogue Itália cobre todas as semanas de Moda Lisboa, e a presença de atrizes e de influencers, essa nova figura. Em que medida é que esses presenças se refletem nas vendas dos criadores? É possível fazer essa aferição?

Bem, eu não tenho os dados para o fazer, mas com certeza os criadores terão esse tipo de dados. Claro que estas pessoas criam burburinho à volta dos designers e quando a Suzy Menkes refere um designer português, com certeza vão haver mais dez editores a olhar e a pensar: “Se ela olhou, então nós também temos que olhar porque há aqui qualquer coisa” e isso de facto é importante. Por isso é que a Suzy é muito importante, porque é de facto uma referência e toda a gente confia no trabalho dela. Portanto, sabe que quando ela diz que é bom é porque é de facto bom. Os influencers é um bocadinho porque têm muitos seguidores, muita gente que vê, que pode gostar, que se calhar começa a seguir a marca, que se calhar conhece e vai procurar onde é que se vende. É o antigo boca a boca que agora se faz um bocadinho através das redes sociais.

A nossa editora de moda em reportagem desde a #modalx #modalisboa17 #delasvideos #dmoda

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Uma pessoa como a Maria João Bastos que é portuguesa mas que tem uma carreira internacional e que faz questão de se sentar na primeira fila do desfile do Filipe Faísca e dizer que há muitos anos que veste Filipe Faísca, como disse ao Delas, faz alguma diferença na perceção que as pessoas têm das coleções?

Eu acho que sim, acho que também é importante as celebridades serem vestidas por designers, exatamente por isso. Porque são pessoas com mais visibilidade e que portanto é ótimo para os designers elas serem vestidas por eles. Se levarem a moda portuguesa também para eventos internacionais então aí, seria ótimo.

Margarida Brito Paes trabalhas há mais ou menos dez anos na moda, começaste por estudar design de moda e nessa altura começaste também a interessar-te pelo lado mais da crítica construtiva. Como é que tu vês a moda em Portugal no decorrer destes dez anos? Há grandes diferenças?

Eu acho que há sobretudo nas semanas de moda portuguesas. Houve grandes alterações, a Moda Lisboa até há bem pouco tempo era o grande evento de moda em Portugal, muito ligado ao design de autor. O Portugal Fashion era mais comercial. Hoje em dia as coisas já não estão tão divididas, o Portugal Fashion tem ótimos nomes também a desfilar. Apesar de serem duas organizações independentes, acho que hoje em dia estão muito mais equilibradas e isso claro que fez algumas mudanças. Também existe uma maior aposta agora na internacionalização. Bem, e eu não sei, dez anos também não é assim tanto tempo. Quando comecei a ir a semanas de moda, não olhava para as semanas de moda como olho agora, portanto se calhar a perceção também é um bocadinho diferente. Mas a sensação que eu tenho é que hoje em dia existe uma muito maior preocupação para que a roupa que se faz seja vestível, seja comercial, tem muito mais vertente de negócio. Pelo menos é essa a perceção que eu tenho, acho que os designers de hoje em dia estão muito mais conscientes de que a moda é um negócio. Não quer dizer que há dez anos não o tivessem, mas se calhar ainda havia um mercado que permitia um tipo de abordagem diferente, que hoje em dia, com tantas marcas, com tanta coisa a aparecer é um bocadinho diferente.

Como é que os designers estão a lidar com a concorrência que se calhar não é a concorrência direta, mas em todo o caso a concorrência das grandes marcas de moda que têm capacidade de produção em massa e uma produção muito rápida de ser feita?

designers que não estão a lidar muito bem, como Tom Ford que começou com a mudança do “See now, By now” que basicamente é ter a roupa disponível logo a seguir ao desfile, que a Burberry aderiu e a Tom Ford também, apesar de os últimos relatórios que têm saído dizerem que os sucesso não é tão grande como se esperava neste tipo de sistema. Mas a realidade é que as grandes marcas vão continuar a existir, o mercado de massas existe. A maior parte das pessoas no mundo não são ricas, portanto acabam por comprar moda mais acessível. Eu acho que os designers têm que se distinguir pelo seu design e por serem os primeiros a fazer e processar quem faz cópias, claro que sim.

Mas são mesmo cópias? Ou seja, por um lado lá legislação que proíbe de fazer a cópia. Uma peça tem que ter pelo menos sete diferenças para ser considerada diferente e as marcas defendem-se por aí. Por outro lado, os designers que têm o primado da criatividade não estão sozinhos, no sentido em que as casas de moda de massas também têm os seus próprios designers. O que é que difere no processo de construção de uma coleção de uns e de outros?

É diferente. É diferente porque as marcas, não são todas, há marcas que têm design próprio. Quer dizer, todas elas têm equipas de design próprio. A Zara tem, a Mango tem, todas têm. Mas o que acontece é que há muitas delas que não olham só para as tendências gerais ou para os cadernos de tendências que são feitos, olham também para o que as grandes marcas fazem e percebem e avaliam, das peças que já foram apresentadas em passerelle, quais é que são aquelas que podem ser compradas pelo seu público e reinventam-nas mais ou menos. Às vezes quase que não as reinventam, outras vezes reinventam mesmo com materiais mais baratos e com uma produção muito maior para que o preço baixe bastante. É essa a grande diferença. Enquanto uma Chanel tem um conceito e faz toda uma coleção em volta de um conceito, uma marca de grande retalhe está mais preocupada com o que vai vender, portanto faz uma coleção em torno do que pode ser comercial. Por isso é que as marcas de grande retalhe normalmente têm três ou quatro coleções. Se nós repararmos têm sempre três ou quatro linhas e cada linha segue mais ou menos uma inspiração que são as tendências gerais que apareceram nos desfiles.

Mas falaste nos cadernos de tendências, quem é que tem acesso a esses cadernos? Bom, se calhar seria bom explicar o que é que são os cadernos de tendências.

Os cadernos de tendências basicamente são estudos de mercado que são feitos em vários tipos de empresa, não só na moda, mas em tudo, a publicidade também faz muitos estudos de mercado. São pessoas que andam a viajar pelo mundo, que percebem as mudanças que estão a acontecer no país. Porque sim, isto da moda, não é só roupinha, a política também interessa, a economia interessa. Nós para sabermos o que é que se vai usar daqui a três anos temos muito mais que analisar os movimentos culturais, os tipos de cores que se estão a usar. As pessoas já usaram muito calças justas se calhar daqui a três anos já não vão querer usar calças justas. Todo esse tipo de movimentos, de moda de rua, de arte, de política também que é importante importante, que se analisam. E essas pessoas fazem esta análise e depois fazem cadernos em que dizem as tendências que se vão usar daqui a três anos. Há empresas independentes que o fazem, a Promostyl por exemplo, e esses cadernos podem ser comprados pelas marcas. E existem cadernos de tendências de cores, de estilos, de materiais, existem cadernos de tendências de várias coisas. E depois há grandes marcas que têm os seus próprios gabinetes de análise de tendências. Depois o que as marcas fazem é adaptar essas tendências ao ADN da sua marca.

Mas então faz sentido afirmações como as do Tom Ford, em 2016, sobre a cópia imediata e eminente. Ele fala quase dos olheiros das marcas de grande consumo que estariam a ver os desfiles para imediatamente enviarem fotografias e cópias para a produção de roupa massiva?

Faz. Porque uma coisa é uma tendência, é uma tendência geral que pode ser interpretada de mil maneiras diferentes, outra coisa é uma peça de roupa em específico, que tem um design específico, tem detalhes e materiais específicos e que vai ser reproduzido de uma forma muito idêntica a um décimo do preço.

Porque é que um consumidor há de comprar design original se tem a tal vantagem do preço do design a um décimo do preço como dizias?

Porque é um bocadinho da mesma maneira, claro que sendo coisas diferentes. Bem, primeiro é importante ter noção da capacidade monetária que o consumidor tem, mas falando de um consumidor com capacidade monetária para comprar uma marca de luxo ou uma Zara ou uma H&M, a grande diferença é um bocadinho como porque é que nós compramos legumes para fazer a sopa e não compramos a sopa já feita congelada, se calhar até sai mais barato. Porquê? Porque a qualidade não é a mesma, porque as propriedades não são as mesmas e é um bocadinho isso que acontece com a roupa. É importante ter um original e a roupa, em si, de design, tem esse valor de criatividade. Não é uma peça de arte, mas tem o trabalho de alguém e esse trabalho deve ser pago.

Quando estamos a falar de marcas de renome internacional, marcas de luxo, estamos a falar de que valores? Um casaco da Gucci, por exemplo, pode custar quanto?

Entre dois mil e três mil euros.

 

Há um mercado assim tão grande para estas marcas de luxo?

Há. Há um mercado muito grande. Em Portugal não há um mercado muito grande para marcas de luxo, mas por esse mundo fora há. Mas também existem muito mercado para as marcas de grande consumo e eu não acho que não se devam comprar marcas de grande consumo. Aliás, acho que as marcas de grande consumo são muito importantes, sobretudo para a proliferação de tendências e para a individualidade de cada um. Porque nós conseguimos comprar muito mais peças diferentes e conjugá-las como queremos. Agora acho que existe espaço para as duas coisas.

O que a Gucci nos ensina

Falaste há pouco da importância da política para moda. Em 2016 vimos imensos desfiles com imensas mensagens políticas, desde o feminismo até ao acolhimento de refugiados nos países ocidentais. Este verão de 2018 parece mais leve ou não?

Sim, está um bocadinho mais leve. Mas como disse ainda tenho de analisar os desfiles todos para ter a certeza do que te estou a dizer, mas sim. Em 2016 foi muito evidente e acho que agora estamos num momento de pausa em que o crescimento das redes sociais está muito em foco o digital e a sustentabilidade eu acho que vai ser o grande tema da moda agora nos próximos temos. Vamos ver, se rebentar uma guerra, provavelmente, vamos voltar a ter afirmações políticas importantes. Isto umas coisas levam às outras. Mas está mais calmo, pelo menos mensagens óbvias.

Mas quando vemos as marcas a utilizarem t-shirts com mensagens feministas, depois de termos tido ou durante termos uma campanha presidencial nos EUA (Estados Unidos da América) muito focada nos temas mais da misoginia, até do machismo, aparentemente o feminismo é uma das questões políticas que se tornou Pop. É real a preocupação dos criadores ou é o cavalgar a onda e torná-la comercial?

Bem, depende um bocadinho dos criadores. Eu quero acreditar que é real, mas não sei, porque o comercial também vende e a verdade é que o feminismo neste momento, e não só o feminismo, porque o feminismo começou e agora temos t-shirts com frases de todo o tipo. Ricardo Preto nesta coleção de primavera / verão tinha uma t-shirt a dizer “Je suis le monde”.

Aí uma mensagem claramente política contra os atentados?

Sim. Ele não me disse que seria, mas dá a entender que poderia ser. E só tinha uma t-shirt, portanto não se pode dizer propriamente que seja um statement político.

No sábado, vamos assistir aos primeiros desfiles do Portugal Fashion, em Lisboa. O que é que podemos esperar desta segunda semana de moda de Portugal?

Muito mais designers. O Portugal fashion tem muitos designers também. Temos os desfiles de Alexandra Moura, Pedro Pedro, Diogo Miranda, Miguel Vieira, que também faz anos de carreira agora no Porto. Portanto, acho que podemos ainda esperar bastantes novidades, muita cor, dos que eu já vi há muita cor. E vamos ver o que é que nos vão apresentar, mas acho que vai ser uma semana de moda também interessante.

Vai ser complementar ou concorrencial à Moda Lisboa?

É diferente. É diferente sendo parecida, o que é estranho dizer. Mas são semanas de moda com ambientes muitos distintos, não é que um seja melhor do que o outro. São distintas, mas a formula é igual. São duas semanas de moda com bastidores, com passerelle, com imprensa internacional e nacional, uma acontece no Porto e outra em Lisboa. Portanto, têm coisas muito semelhantes, mas acabam por ser diferentes.

Houve um trânsito de criadores de Lisboa para o Porto. Foi muito assinalado o ano passado. Houve também um trânsito grande de criadores da semana de moda de Nova Iorque para o velho continente, para Paris a Lacoste, para Londres a Tommy Hilfiger. Como é que se explicam estes trânsitos? Porque é que as pessoas saíram de Nova Iorque e vieram para a Europa?

Não sei, se calhar os voos aumentaram. Não, estou a brincar. Eu acho que tem muito a ver também com o criar buzz à volta das marcas. Lá está, o digital tem cada vez mais importância e há muitas marcas, as marcas têm que se fazer falar e se a Tommy apresenta há muitos anos e se de repente muda para Londres claro que isso é uma notícia. É uma maneira de as marcas serem faladas um bocadinho. A verdade é que as quatro semanas de moda sempre tiveram, à semelhança do que acontece com a Moda Lisboa e o Portugal Fashion, ambientes muito distintos. Os EUA sempre foram conhecidos por terem coleções muito mais desportivas, serem muito mais de streetwear, Londres foi sempre muito mais dos jovens criadores, a inovação, saiam da faculdade e nos primeiros anos apresentavam sempre em Londres, portanto, os looks mais exuberantes eram sempre apresentados em Londres e foi por isso que a semana de moda de Londres se distinguiu, porque os editores iam lá descobrir novos talentos na moda. Itália sempre foi o brilho, os metalizados, as missangas, sempre foi a opulência. E Paris, sempre a classe e a alta-costura e o fazer bem. Portanto, sempre foram quatro semanas de moda muito distintas. Hoje em dia se calhar é preciso mexer um bocadinho. A moda está num momento de mudança muito grande, eu acho. Ainda não se sabe muito bem como é que se há de lidar com as redes sociais e com as revistas impressas, ainda existe muito essa dificuldade. A própria publicidade parece que não sabe muito bem em quem é que há de apostar, mas é um momento de mudança e os momentos de mudança são normais. Os criadores também por um lado querem agradar aos millennials, mas por outro lado têm as clientes que já têm 60 anos e que compram à 20 a roupa deles e de repente não vão usar uma t-shirt cheia de bonecos esquisitos. Mas eles estão a fazê-los, portanto está assim um equilíbrio diferente e eu acho que isso leva também a que as marcas andem de um lado para o outro porque se estão a reinventar.

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