Margarida Rebelo Pinto: “Acho que se fosse um homem entrava em loop, por não perceber as mulheres”

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Margarida Rebelo Pinto está de volta com Vem Voar Comigo. Um novo livro que convida os leitores a sobrevoar a vida de três mulheres. Três amigas, com percursos e feitios bem diferentes, que trazem ao de cima o que existe de mais humano, as relações. Com base no amor, nos sonhos e na esperança, bem como na realidade que a rodeia, a autora dá-nos a conhecer Inês, Maria e Beatriz na segurança de que existem muitas por este Portugal fora.

Vem Voar Comigo, de Margarida Rebelo Pinto, €15,50

São mulheres que têm evoluído com o tempo, tal como as personagens de Margarida ao longo destes anos, mas que apesar de empoderadas ainda têm algumas amarras: “A minha geração criou muitas vencedoras, mulheres independentes e com sucesso profissional, que no fundo ainda são bastante românticas e ingénuas. […] É uma grande contradição, porque existe uma autonomia financeira e logística que depois não corresponde a uma autonomia emocional”, afirmou a autora em entrevista ao Delas.pt.

Que mulheres são estas de Vem Voar Comigo? Em que mulheres a Margarida se inspirou para dar vida aos seus personagens?
Em mulheres que conheço, amigas, episódios de família, histórias que me contam. E também em conversas que ouvi aqui e ali. Sou uma colecionadora de histórias, desde miúda que me sento em lugares públicos para apanhar frases no ar. Por vezes, basta-me uma frase para construir um personagem, uma família, uma história.

Até que ponto a ficção se pode cruzar com a realidade?
Está sempre a acontecer. Sempre. Já imaginei histórias e diálogos que depois aconteceram na vida real. Já assisti a episódios tão singulares que parecem mais ficção do que realidade. Mas a realidade é sempre mais interessante, mais absurda, mais surpreendente. Sempre.

“As mulheres são seres complexos por natureza”

Qual a importância de retratar mulheres diferentes, com feitios e vidas diferentes?
Porque as mulheres são seres complexos por natureza, mais difíceis de padronizar em termos amorosos do que os homens. Não estou com isto a dizer que os homens são todos iguais, nada disso. Mas as mulheres podem mesmo ser muito complicadas. Às vezes penso que se fosse homem, entrava um bocado em loop por não perceber as mulheres. Por outro lado, no fundo, queremos todas o mesmo. A minha geração criou muitas vencedoras, mulheres independentes e com sucesso profissional, que no fundo ainda são bastante românticas e ingénuas. Aquilo a que eu chamo a Geração Sexo e a Cidade criou o mito da mulher que se basta a si própria, mas quem conhece bem a série sabe que não é nada disso. A demanda daquele homem que nos enche as medidas e nos trata como umas princesas faz parte do imaginário, está-nos colado à pele. É uma grande contradição, porque existe uma autonomia financeira e logística que depois não corresponde a uma autonomia emocional. Eu não lhe chamo o Príncipe Encantado, porque acho infantil, mas no fundo esse mito prevalece sobre muitos outros.

Em Vem Voar Comigo, a Margarida começa por apresentar os personagens através de um pequeno resumo com algumas características. Porquê? Qual a importância de dar a conhecer esses traços, em vez de deixar o leitor ir descobrindo alguns deles?
Porque achei divertido e útil. E gosto que os meus livros sejam divertidos e úteis. Ao desenhar aquelas mulheres na minha cabeça, fiz o que faço sempre com as minhas personagens, uma ficha. Depois lembrei-me que seria engraçado apresentá-las. Cria uma identificação ainda mais rápida com o leitor.

“Existe um medo crescente do compromisso amoroso”

Inês, um dos personagens, refere a importância de saber dizer ‘Não’ numa relação e de saber o que não se quer, mais até do que aquilo que se quer. De que forma isso é essencial na vida?
É sempre difícil dizer não. Em Portugal vivemos muito no talvez, logo se vê, no nim. Eu detesto o nim e o talvez. A indefinição das coisas incomoda-me. Vivemos num mundo cada vez mais líquido no qual as pessoas dão o peito às balas por causas longínquas e se esquecem das pessoas próximas. Existe um medo crescente do compromisso amoroso. Sem compromisso amoroso, não há construção amorosa. E se não há construção, então andamos a fazer o quê? O amor não é um desporto. O amor é para ser levado tão a sério como a família e a liberdade.

Refere que os homens e as mulheres são bastante diferentes. Sendo a Margarida mulher e tendo passagens do livro escritas enquanto homem – algo que também já fez em livros anteriores -, diria que é fácil ou difícil entrar na cabeça do sexo masculino? E de que forma o faz?
É sempre aquele desafio a que me proponho como escritora desde o meu segundo romance. E é dos que mais gozo me dão. Imaginar a cabeça e o coração de um homem. Às vezes envio esses capítulos para amigos meus, só para ter a certeza da verosimilhança. A resposta é sempre muito positiva.

“Há muitas histórias de amor que nunca têm fim…”

O que é que a faz deixar de continuar a contar a história de um personagem, mesmo que esta não tenha ficado resolvida, fazendo com que o leitor não tenha acesso ao que se vai passar a seguir?
Porque a vida está sempre em aberto até ao dia da nossa morte, que felizmente nunca sabemos qual é. Há muitas histórias de amor que nunca têm fim… Podem ter crises, ruturas, ambos pensam que acabou tudo e depois voltam e às vezes nunca mais se separam. O importante é que cada personagem faça o seu caminho e aprenda alguma coisa enquanto o faz. No fundo, é como a vida, mesmo quando tropeçamos, há sempre uma lição a tirar. Uma ou mais. Aprender até morrer.

Muitas são as relações amorosas que retrata, não só em Vem Voar Comigo, como em livros anteriores. Para a Margarida, quais são os pilares de uma boa relação e quais os elementos que podem estragar tudo?
Comunicação sem tabus, sinceridade e honestidade acima de tudo. A honestidade é a forma mais elevada de intimidade. Não acredito em relações em que uma das pessoas mente ou esconde coisas. Um dia isso rebenta. Ou rebenta, ou implode. Depois a entrega, o otimismo, a capacidade de olharem os dois para o mesmo fim e a sorte de quererem as mesmas coisas. A confiança absoluta no outro. A admiração. O humor. E o entendimento físico, o desejo, a paixão. Isso é fundamental.

“A realidade é sempre mais complexa do que a ficção”

O que é que cada uma das três personagens femininas – Inês, Maria e Beatriz – têm da Margarida Rebelo Pinto?
Cada uma tem um bocadinho de mim, todos os escritores deixam um bocado da sua pele nos livros. Mas não sou nenhuma delas. Tenho amigas como a Inês, muito sonhadoras, como a Maria, muito clássicas, e como a Beatriz, muito aventureiras e pragmáticas.

Considera que as mulheres dos livros de hoje são diferentes das mulheres dos primeiros livros que escreveu?
São mais seguras, mais maduras, mais determinadas, porque são mais velhas. A experiência traz muita maturidade, mas para isso é preciso fazer trabalho de casa interior e aprender.

“Tenho livros que são como filmes, este é como uma série”

Por fim, o que traz este livro de novo e de diferente relativamente aos anteriores?
Acredito que é um livro muito atual, com grande rapidez nos diálogos e na forma como conto as histórias. Tenho livros que são como filmes, este é como uma série. Nunca nada é linear, porque a vida também não é. A realidade é sempre mais complexa do que a ficção, o grande desafio do escritor é fazer com que a ficção pareça realidade, um espelho tão fiel da vida como ela é, de forma a que o leitor mergulhe na leitura sem pensar. Acredito que quem escreve com o coração consegue chegar ao coração dos leitores. E não conheço maior alegria para um escritor do que essa.

[Imagem de destaque: Filipa Bernardo / Global Imagens]

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