Maria Rueff: “Tenho uma ternura muito grande pelos taxistas que me tratam por colega”

Zé Manel Taxista – uma Comédia com Brilhantina” celebra duas décadas de existência de um dos “bonecos” mais acarinhados de Maria Rueff

Por Ana Carreira

Já o conhecemos de ginjeira. Taxista de profissão, a brilhantina no cabelo lambido, o blusão de cabedal da Feira da Ladra e os óculos de aviador. E mais uns quantos trejeitos e inesquecíveis ruídos. Nos dias em que joga o seu Benfica, o cachecol do glorioso é indispensável, a par do seu amor ferrenho ao clube da Luz.
Zé Manel Taxista, o chamado “pintas” de Lisboa e uma das personagens mais cómicas e emblemáticas de Maria Rueff sobe hoje pela primeira vez a cena, no Auditório dos Oceanos, no Casino Lisboa, desde a sua estreia na RTP, no programa “Herman 98”. Por estes dias, o taxista pai de família e benfiquista, anda arreliado com a nova Lisboa. Agora tudo é alojamento local e restaurantes gourmet. O próprio filho ganha a vida como condutor de tuk-tuk, e Vickie safa-se a arrendar partes de casa aos turistas. Só Luna, a estudante italiana de Erasmus, está encantada com a enchente de estrangeiros. Zé Manel tenta defender o prédio e o bairro, até que chega Chico, o típico chico-esperto, que regressa com promessas de fama e dinheiro fácil. É ao volante do seu táxi que vai tentar não se despistar.

“Ai minha rica Lisboa, onde é que vais parar?”
O cenário é a Lisboa de antigamente e a Lisboa de agora que vai sendo retratada em projeções de vídeo a preto e branco, num decalque genuíno da atualidade, onde o castiço Zé Manel que conhece a cidade como ninguém, como o próprio diz – “tenho o GPS nos fios do meu bigode” – se move dentro do seu táxi, entre os “camones” que não trazem legendas ou os clientes que já não pedem como destino aquele típico tasco ou a antiga barbearia mas sim o novo spot de tapas. O elenco jovem que conta com FF, Sissi Martins, entre outros, acompanha o desanimado taxista, à medida que se recria cenas do novo quotidiano lisboeta, acompanhados por música ao vivo.

“Havia um senhor que ia a casa dos meus pais fazer uns biscates, o senhor Arnaldinho, com um certo ar de “pintarolas”, e toda a minha família me pedia sempre para imitá-lo”, recorda a atriz

Antes do ensaio, Maria Rueff fala ao Delas.pt, confessando estar nervosa, “como sempre”, mas “muito feliz” por poder agradecer todos estes anos às pessoas. É aos tempos de meninice que regressa, à Travessa das Mónicas, na Graça, para recordar em quem se inspirou para criar Zé Manel. “Havia um senhor que ia a casa dos meus pais fazer uns biscates, o senhor Arnaldinho, com um certo ar de “pintarolas”, e toda a minha família me pedia sempre para imitá-lo e quando o Herman me pede para fazer um travesti, um taxista, no Herman 98, o Arnaldinho saiu logo cá para fora”, confessa, entre gargalhadas, acrescentando que para a caracterização do personagem se lembrou do “blusão da Força Aérea, que dá um certo ar anos 70, os óculos grandes à aviador (para disfarçar as maçãs do rosto) e só me faltava o cabelo”. O risco ao lado carregado de brilhantina deve a sua arte ao penteado do Professor Herrero, um dos convidados do programa de Herman José, na altura. “Disse à maquilhadora para me fazer aquilo e assim foi!”, conta a humorista.

“O que estamos a fazer aqui é pegar neste personagem típico de Lisboa e colocá-lo em confronto com esta Lisboa, a dos rooftops chill outs e dos chefs”, descreve o encenador

Quanto à nova explosão de turismo na cidade, admite ser “necessária”, mas alerta para não se perder a essência. “O português não pode ser expulso do seu habitat, sob pena de isto ser só uma Disney e já não ser algo genuíno e a verdade é que depois os turistas já não querem isso”, acrescenta. Antes de ir para o camarim transformar-se em Zé Manel, deixa o abraço solidário aos taxistas nestes dias de greve. “Ando muito de táxi, tenho uma ternura muito grande por todos os taxistas que me recebem sempre com muito carinho e me tratam por colega, esta peça também é um tributo para eles”.

Já o encenador António Pires ressalva que nem sempre é fácil fazer comédia com a atualidade e destaca o trabalho de linguagem musical e teatral, o grande rigor e ritmo do espetáculo. “O que estamos a fazer aqui é pegar neste personagem típico de Lisboa e colocá-lo em confronto com esta Lisboa, a dos rooftops chill outs e dos chefs, é uma peça muito atual e muito comovente, e ao mesmo tempo muito divertida, e que faz um bem danado à saúde, rimos horas e horas nos ensaios”, confessa, divertido. Quanto a Maria Rueff, com quem tem uma relação profissional e pessoal há muitos anos, destaca o rigor da atriz. “A Maria é extremamente rigorosa, não deixa passar uma vírgula, mas consegue fazer isso com um humor e com uma vivacidade incrível, é com isso que me identifico e é assim que gosto de trabalhar”.

[Fotos Gustavo Bom/ Global Imagens]

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