“Queremos que as pessoas entrem, não queremos que o museu Vieira da Silva seja um segredo bem guardado”

A partir do dia 26 de junho, o Centro Comercial Colombo, em Lisboa, acolhe uma exposição inédita, em Portugal, sobre o trabalho de Maria Helena Vieira da Silva. Vieira da Silva. Exposição imersiva na obra da artista” (título do projeto), apresenta, até 26 de agosto, 35 obras da artista, numa forma inédita e multimédia. Trata-se de uma experiência imersiva de digital e media art, concretizada num museu temporário instalado na praça central daquele centro comercial e resultado de uma parceria entre a Fundação Arpad Szenes – Vieira da Silva e o Centro Colombo, a partir de um convite de Sara Cavaco. O projeto digital está a cargo dos Óskar & Gaspar e a arquitetura do espaço é da responsabilidade da plataforma multidisciplinar KWY.studio (veja na galeria, acima, uma pequena amostra do que pode esperar da exposição).

Como surgiu a ideia de fazer esta exposição imersiva no Centro Cultural Colombo, no ano em que se assinalam os 25 anos da Fundação (e do museu) Arpad Szenes – Vieira da Silva?

Foi uma feliz coincidência. De facto, é um ano especialmente importante para nós, porque é nestas datas que nós fazemos balanços e uma programação especial para o museu ter uma visibilidade especial. Como a nossa missão também é interrogar-nos sobre qual é a atualidade da obra destes artistas que representamos, temos não só uma exposição de mulheres [termina no próximo dia 23 de junho], criada pelo Pedro Cabrita Reis, que dá uma enorme atualidade à obra da Vieira, mas toda esta programação à margem vai exatamente no sentido de nós querermos dar a conhecer este espaço especial do museu e obra especial destes artistas [Vieira da Silva e Arpad Szenes] ao maior número de pessoas possível. Este convite surgiu neste ano muito importante para nós e realiza-se no fim de junho que é um mês muito especial também: temos a festa Vieira da Silva, que faria anos a 13 de junho, em que abrimos o museu para fora.

Quando diz que foi feito o convite, isso quer dizer que ele partiu do Colombo?

O convite veio da parte da Creative Industries Programmes, da Sara Cavaco. Foi ela que veio ter connosco. Recebemos o convite primeiro com alguma estranheza, porque o universo das obras de arte originais em espaços comerciais não é coisa que eu defenda. Há esta ambivalência, por um lado nós queremos que a arte chegue ao maior número de pessoas possível, mas, por outro, há condições de segurança e conservação que não permitem que obras de arte possam estar em espaços assim. Portanto, quando se falou desta solução, eu achei muito inovadora porque penso que não foi feito ainda em Portugal, com nenhuma artista. Pensei que a obra da Vieira da Silva se adequava perfeitamente a este tipo de tratamento, desde que obedecessem às nossas regras e, como fizeram os Óskar & Gaspar [dupla a cargo de quem ficou o projeto digital e multimédia], com a preocupação de não adulterar a obra. Temos de ser inventivos e inovadores, mas sempre com um enorme respeito à obra da artista. E eu acho que a qualidade das pessoas envolvidas no projeto deu-nos essa garantia.

Quando falamos de características inovadoras na forma como vai ser apresentada a obra de Vieira da Silva, estamos a falar desta imersão digital.

Sim, desta imersão digital. Não há obras originais in loco, mas há uma experiência única que é as pessoas poderem entrar na obra da Vieira da Silva, que é super espacial, que tem a ver com perspetivas, espaços, profundidades, com as cores e as formas. Isto conjugado é uma relação que, no museu, as pessoas não têm, quando vão ver uma obra de arte. Por outro lado, pode gerar-lhes a curiosidade de virem conhecer os originais ao museu. Esse também é o objetivo.

Imagino que perspetivaram logo esse retorno quando aceitaram o convite.

Obviamente que sim. Achámos que era uma maneira de chegarmos mais longe de uma maneira original. Será sempre uma experiência que terá muita gente, considerando o local, mesmo que não venham cá, mas penso que, pela qualidade do projeto, vamos atingir um público que depois terá interesse em vir ao museu.

 

Mariabna Bairrão Ruivo, diretora do Museu Arpad Szenes-Vieira da Silva [Fotografia: Jorge Carmona]

Foram selecionadas 35 obras. Quais foram os critérios dessa seleção?

Os critérios foram, por exemplo, o serem abrangentes, dentro da produção dela, de forma a permitir-nos ter uma visão histórica – dos anos 30 aos anos 90, quando ela morre. Formalmente, estilisticamente e tematicamente há [nas obras escolhidas] diferenças ao longo dos anos. Mas tinham de ter características que se adaptassem à parte técnica e que fizessem, ao público, apetecer entrar nessas obras. Todas elas são muito coloridas, têm formas geométricas, são muito festivas, têm tratamentos do espaço muitíssimo originais mas que permitem, de facto, essa imersão. Foram condicionantes que tomámos em conta.

Em que quadros, entre os mais conhecidos de Vieira da Silva, é que vamos poder “imergir”? Que obras vamos poder ver reproduzidas no Colombo?

Vamos poder ver muitos quadros, com os temas dos jogos de cartas, dos jogos de xadrez, das cidades, das bibliotecas. As grandes temáticas da Vieira da Silva estão todas lá contadas, mesmo que não sejam muito evidentes, porque tudo isto é arte abstrata, mesmo que haja alguma figuração. Mas todos os grandes temas e as grandes obras delas estão lá. Ao mesmo tempo também estão obras menos conhecidas que abordam de maneira mais surpreendente todas essas facetas do seu trabalho.

Esta exposição tem também o contributo do Rodrigo Leão na banda sonora.

O contributo do Rodrigo Leão para mim foi muito comovente e foi uma grande mais-valia. Porque, pessoalmente, gosto muito da obra dele, e sobretudo porque acho que ele se conjuga perfeitamente com a obra da Vieira, no sentido em que são ambos portugueses mas multiculturais. Ou seja, são pessoas que viveram, viajaram, viram, são conhecidos em muitos sítios… E a Vieira da Silva teve formação musical antes de ser pintora. Ela pensou mesmo em ser pianista e fez todos os seus estudos musicais, e toda a sua obra é extremamente musical. Há muitos títulos que se chamam “composição” – tudo tem a ver com ritmos, com cadências. Há uma transposição musical fantástica na obra da Vieira da Silva. Acho que o Rodrigo Leão não só vai apreender isso, como o que ele faz se conjuga maravilhosamente com a obra da Vieira da Silva.

O presidente da fundação, António Gomes de Pinho, referiu na apresentação desta exposição que se Vieira da Silva fosse viva iria adorar esta ideia. Concorda?

A Maria Helena Vieira da Silva e o Arpad Szenes foram um casal, de facto, multicultural, que conviveu com artistas do mundo inteiro. Aliás, em Paris, onde viviam, juntavam gente de todas as nacionalidades. Eles próprios tinham nacionalidades múltiplas – ela portuguesa de origem, ele húngaro, e ambos franceses a partir dos anos 50. Mas tinham um papel fundamental em relação aos jovens portugueses que iam para Paris. Eram eles que os acolhiam e ajudavam. Eles nunca tiveram filhos e tratavam-nos como os seus meninos. Era uma relação afetiva e de enorme generosidade. E eles eram muito atentos ao que eles faziam. Nesse sentido, eu acho que gostariam muito desta inovação. Tudo o que é feito com cuidado e qualidade, desde que se respeite a obra, mas permitindo a outros artistas intervir, é uma mais-valia para a obra original. Portanto, eu acho que eles iam gostar imenso desta abordagem.

Considerando esse cuidado e essa qualidade, depois do Colombo esta exposição poderá ser transposta para outros espaços?

Nós gostávamos imenso. Para já teremos de ver o resultado final, mas acredito que ele será muito interessante e acho que é uma abordagem para um certo tipo de público que é fundamental. Para pessoas que não conhecem, para quem este tipo de pintura abstrata está muito distante vai ser uma imersão privilegiadíssima. Vai ser uma festa! Eu acho que vai ser realmente muito festivo e que as pessoas vão olhar para a obra de Maria Helena Vieira da Silva de forma muito diferente.

É diretora do museu Arpad Szenes – Vieira da Silva há 13 anos…
Mas estou cá desde o princípio. Portanto, vi este projeto nascer, passar por várias fases e acho que estamos numa fase fantástica. Penso que o museu tem todo o sentido nesta sociedade, nesta comunidade e na sua internacionalização também, porque a Vieira da Silva e o Arpad Szenes – nós representamos a obra dos dois – têm, de facto, um papel e uma qualidade de obra que é transversal ao tempo. E temos uma equipa muito dedicada. Acho que o trabalho que temos feito faz sentido e eu não queria deixar de dar uma nota nestes 25 anos: o ano passado, o Estado português adquiriu seis obras notáveis para este museu, sem as quais o museu ficava um bocadinho fragilizado, e isso dá-nos uma segurança e permite a toda a gente vir vê-las. Algumas estão incluídas neste projeto. São obras notáveis de Vieira da Silva.

Como tem sido a evolução do número de visitantes ao longo destes 25 anos?
O número de visitantes varia muito consoante a programação que temos, há exposições que atraem muito mais gente que outras – exposições temporárias -, e também com tudo o que se faz fora. De facto, toda a nossa programação fora do museu, em Portugal ou no estrangeiro, também conta para o nosso trabalho de divulgação da obra. Os números variam muito consoante todas essas realidades.

Que outras iniciativas estão agendadas para os próximos meses para assinalar os 25 anos?

Há uma programação muito forte, tanto dentro do museu, como na casa ateliê – que era, no fundo, a casa da Vieira da Silva e que é ao lado do museu -, e que nós também animamos com residências artísticas, naquilo que era a casa dela, e com atividades, naquilo que era o atelier deles. Haverá uma programação muito intensa e também estamos a trabalhar com o Hotel Tivoli, porque no fim da vida dela era onde ela ia viver. Então também estamos a pensar numa colaboração com eles para assinalar essa estadia dela fora de portas.

O que perspetiva para o futuro deste museu? Quais são os seus desejos, enquanto diretora do museu? Que desafios ainda existem?

Os nossos principais desafios são esses: poder continuar a trabalhar como temos vindo a trabalhar, com o mesmo entusiasmo. Nós temos uma programação que fazemos com muita antecedência e depois tudo é mudado conforme os projetos que nos vêm propor, convites para participar em exposições no exterior… Tudo isso é uma dinâmica e é ela que faz com que as coisas evoluam. Há um sentido programático que mantemos – as grandes exposições, os grandes artistas – e depois há essas coisas todas, por fora, que mantêm a vivência dinâmica deste pequeno museu, que eu acho que tem uma escala ideal. Eu costumo dizer que é um museu especial, num sítio especial. Mas por mais mistério que este museu tenha, o que nós queremos é que as pessoas entrem, não queremos que seja um segredo bem guardado.

Há alguma obra de Vieira da Silva, ou de Arpad Szenes, que gostasse de ter no museu, que ainda não tenha?

Há muitas que gostava de ter, mas eu estou tão contente com as seis que entraram agora que não me atrevo a dizer que gostava de mais, porque acho que foi um feito, em termos de investimento na cultura e nesta artista, em particular. Fazia todo o sentido, porque há sempre muitas que se gostava de acrescentar, mas nós temos uma política de depósitos também. Há muita gente, particulares e instituições, que têm cá obras em depósito. Nós fizemos uma exposição, que terminou recentemente, de homenagem a essas pessoas que fazem doações ao museu e outras que, não fazendo doação, deixam cá as obras em depósito. Isso também faz muito parte da dinâmica das coleções dos museus. É um tipo de produção que complementa a nossa coleção.

A obra de Vieira da Silva como nunca a viu e sentiu

25 anos do museu Vieira da Silva celebrados com arte feminina portuguesa