Leia o perfil de Marielle Franco, do Brasil, defensora dos direitos das mulheres e LGBTI e ativista antirracismo, pela Amnistia Internacional Portugal, no âmbito da Maratona de Cartas 2018 – Campanha global de direitos humanos da Amnistia Internacional.

A “inabalável resistência à injustiça” é das mais repetidas, consistentes e fiéis descrições que são feitas por familiares, amigos e companheiros de luta sobre Marielle Franco, a defensora de direitos humanos e vereadora do Rio de Janeiro que foi brutalmente assassinada há quase nove meses com quatro tiros disparados à cabeça.

Uma semana antes do assassinato, Marielle Franco, no seu característico tom inspirador e sorriso radioso, lembrava que “as rosas da resistência nascem do asfalto”. Fê-lo a 8 de março – Dia Internacional da Mulher – no plenário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, para a qual fora eleita vereadora em 2016, a quinta mais votada de entre 1600 candidatos naquele sufrágio e a terceira mulher negra em toda a história da Câmara.

Mônica Benício, companheira de Marielle, recorda-a naquela ocasião como uma mulher que “enfrentou todos os desafios com dignidade e persistência”. “Ali estava uma mulher negra, lésbica, feminista, favelada e de esquerda, numa casa parlamentar repleta de homens brancos e ricos, símbolos dos setores que representam todo o atraso político do país”, descreve.

As balas que mataram Marielle Franco, aos 38 anos, e o seu motorista Anderson Gomes, na noite de 14 de março no Rio de Janeiro, foram sentidas como tiros disparados ao coração de muitas pessoas. “Foram tiros diretos à convicção de erguer a voz pelas pessoas das favelas do Brasil, de lutar pelos sonhos de uma vida digna, uma vida melhor do que a de pobreza, de desemprego, da baixa escolaridade, da vivência sob violência policial”, nota a diretora da Amnistia Internacional Brasil, Jurema Werneck.

A morte de Marielle Franco foi chorada como uma morte coletiva, com vigílias em sua honra e manifestações maciças a exigir investigações que apurem quem a matou e quem a mandou matar, tanto no Rio de Janeiro e tantas outras cidades do Brasil como pelo mundo fora, incluindo Portugal.

Prestando-lhe tributo em Lisboa, o urban artist português Vhils fez um mural com o seu rosto talhado na pedra de uma das paredes do Panorâmico de Monsanto

Prestando-lhe tributo em Lisboa, o urban artist português Vhils fez um mural com o seu rosto talhado na pedra de uma das paredes do Panorâmico de Monsanto, obra integrada no programa “Brave Walls” da Amnistia Internacional e que foi apresentada durante o festival Iminente, em setembro passado. Estemural , explicou o artista de renome mundial, é uma “homenagem ao legado, à história e a toda a mensagem e trabalho incrível” de Marielle Franco.

Nascida e criada na favela Complexo da Maré, Marielle Franco era formada em Sociologia e tinha um mestrado em Administração Pública, tendo começado a trabalhar em direitos humanos em 2000, após a morte de um amigo num tiroteio no seu bairro. Durante as quase duas décadas seguintes dedicou-se à defesa dos direitos humanos dos jovens negros, das mulheres, dos habitantes das favelas e da comunidade LGBTI.

E também sobre os abusos cometidos pelas forças de segurança brasileiras, incluindo execuções extrajudiciais e outras violações de direitos humanos cometidas pelas polícias e outros agentes do Estado. Era essa, aliás, a missão que tinha abraçado como relatora especial do comité que supervisiona a intervenção federal e a militarização da segurança pública no estado do Rio de Janeiro – cargo para o qual fora nomeada poucas semanas antes do seu assassinato.

Jurema Werneck nota que “ser da favela e sair da favela para representar essas mesmas pessoas das favelas, como Marielle Franco fazia, é uma responsabilidade enorme”. “Ela fazia-o sempre com um enorme sorriso, uma força enorme e um compromisso insuperável; era uma defensora intransigente das mulheres, dos homens e das crianças das favelas. Não baixava a cabeça na luta contra a violência policial e o racismo. E fazia isso brilhando”, recorda.

Marielle Franco encarna por completo, na vida e no legado, a natureza intersecional dos direitos humanos e a sua história mostra com clareza os colossais riscos que correm as pessoas que ousam bater-se corajosamente pelos direitos humanos e pelo bem-estar e dignidade das suas comunidades e por uma sociedade livre e justa para todos.

O Brasil é um dos países com mais elevado número de mortes de defensores de direitos humanos – pelo menos 66 documentadas em 2016 – e a maior parte destes assassinatos não são investigados e só muito raramente alguém é dado como culpado e condenado em tribunal.

“A cada dia que passa, o reconhecimento internacional do exemplo dado pela minha filha cresce e está a transformar-se numa luta pela justiça, para que o Estado brasileiro preste contas. A minha família não descansará enquanto não tivermos respostas sobre as razões deste crime”, sublinha a mãe da ativista, Marinete da Silva.

O assassinato de um defensor de direitos humanos “é uma tentativa clara de intimidar e forçar ao silêncio não só quem é morto, mas toda a sociedade – é um ataque aos direitos humanos”, sustenta Jurema Werneck, por seu lado. “Mas não vamos deixar que os tiros disparados contra Marielle tenham a última palavra, não permitiremos que fuzilem a nossa determinação. Estamos juntos para honrar o seu legado e a memória de Marielle perdura”, remata.

Petição por Marielle Franco

Todas as cinco petições da Maratona de Cartas 2018

Vitalina Koval: Mulher, lésbica e moldada na “revolução da dignidade”