Mart’nália: “Fazia sentido falar de poesia e de amor dessa forma que o Vinicius de Moraes fala”

Aos 53 anos, Mart’nália, a filha do cantor brasileiro Martinho da Vila, regressa a Portugal para apresentar o seu mais recente trabalho, lançado este ano: Mart’nália Canta Vinicius de Moraes. Depois de em junho ter passado pelo Funchal, Faro, Porto e Ponte da Barca, a brasileira para este domingo no Estúdio Time Out, em Lisboa.

Além das músicas deste último álbum, em que canta poemas de Vinicius de Moraes, Mart’nália promete também não esquecer algumas das músicas mais conhecidas do seu reportório. Entre elas Clube do Samba, Cabide e Namora Comigo.

Porquê lançar agora um álbum a cantar Vinicius de Moraes?

Já ando a cantar Vinicius de Moraes há algum tempo, desde 2001 no álbum Pé do Meu Samba, que foi produzido pelo Caetano Veloso. Nesse álbum tenho duas músicas do Vinicius: Tempo Feliz e Mulata do Sapateado. Adoro. De tanto cantar fui ficando cada vez mais próxima e em 2005 fiz-lhe uma homenagem no festival Back 2 Black, lá no Brasil, só cantando sambas de Vinicius. Também já tinha gravado a música Sei Lá para o documentário do Vinicius, que teve o Miguel Faria como realizador. Nessa altura já estava mais próxima da família. Passado algum tempo gravei, no meu álbum Mart’nália Ao Vivo, em samba e produzido pelo meu pai [Martinho da Vila], a música Pra Que Chorar. Há uns cinco anos fiz uma participação especial num programa para o canal Bis, no Brasil, em que gravei oito músicas de quatro compositores. Então escolhi o Chico Buarque, Martinho da Vila, o meu paizão, Vinicius e Noel Rosa. Há dois anos comecei a fazer um espetáculo só com músicas de Vinicius e Noel Rosa no Rio de Janeiro. Fiz quatro e ficou muito bom. É essa a história. Tenho Vinicius sempre em mim.

Já fazia sentido fazer este álbum.

Fazia sentido falar de poesia e de amor dessa forma que o Vinicius de Moraes fala. De alguma forma pretendo levar a poesia dele a voar ainda mais longe pelo mundo.

Qual foi o maior desafio neste trabalho?

Quis que as músicas do Vinicius se tornassem fáceis para eu cantar e falar, que coubessem em mim. O repertório foi escolhido dessa forma, optando por músicas que mais se pareciam comigo e não soariam estranhas ou forçadas. O desafio foi ter de deixar um montão de músicas fora. Dava para fazer cinco álbuns só com músicas do Vinicius.

Como tem sido o feedback por parte do público?

Tem sido bom, trouxe-me aqui a Portugal também. Estreei em Minas Gerais, passei pelo Rio, São Paulo e depois vim para cá. Estive no Funchal, na Madeira, onde foi bem gostoso. Depois fui para a Fuzeta, no Algarve, que também foi maravilhoso. Trazer o som do disco a todos e as pessoas gostarem está a ser uma novidade.

A música deste álbum que está a ser mais ouvida no Spotify é Onde Anda Você. Por que razão é das preferidas do público?

Para mim até é uma surpresa. A música tem uma doçura relacionada com o saudosismo, tem mais a ver com a bossa nova e é um presentinho de saudade dessa forma que o Vinicius fala, sem ser demasiado triste. O Vinicius não tem uma tristeza nos amores nem nas perdas, é por isso que gosto da poesia dele.

Qual é a sua preferida? Consegue escolher?

Não consigo.

O que lhe disse o seu pai sobre este álbum?

Está super contente, o meu pai é o meu fã número um. Convidei-o para vir cá ver os concertos, mas ele não pôde vir. Graças a Deus, senão ia meter-se. Aprendi Vinicius de Moraes com ele, costumava assobiar muito a música ‘Insensatez’. Até um determinado ponto da minha infância pensei que essa música era do meu pai porque ele costumava assobiar as músicas que estava a fazer durante a madrugada. Ele e o Vinicius eram camaradas. Apesar de não parecer, ele era bem próximo de mim. A minha mãe também o adorava. Não queria, neste momento, fazer coisas novas e queria tempo para receber as músicas que as outras pessoas me mandam. Então achei que era melhor falar de amor com Vinicius de Moraes, ia ser mais fácil.

É filha do Martinho da Vila. O facto de ser filha de um cantor que já faz parte da história da música brasileira não foi um problema para si? Não teve mais dificuldade em construir o seu próprio caminho?

Nunca pensei nisso, mas não foi um problema. Aprendi ali, dentro do palco com ele.

Então até foi algo positivo.

Sim, mais positivo do que negativo, até pela importância dele. Tudo o que o meu pai faz de bem, graças a Deus, é bom. Quando somos adolescentes não queremos muito nada, mas essa fase passa.

Quais foram os melhores conselhos que o seu pai lhe deu no início da carreira?

Dizia-me que tinha de fazer apenas o que gosto de fazer e do jeito que quero, para não deixar ninguém mandar em mim.

Em jeito de retrospetiva, quais foram os momentos mais marcantes da sua carreira?

São os momentos que estão mais próximos, os últimos concertos. Os que já foram, já foram.

O Caetano Veloso disse que neste trabalho traz “um Vinicius vivo e sempre feliz nos lamentos”. Como lida com este tipo de elogios?

Fico emocionada e contente. O Caetano é meu padrinho e é mais um cota bom. Não me tinha visto da forma que ele me descreveu. Foi bom saber que a minha alegria não foi excessiva e não atrapalhou a poesia do Vinicius.

Já deu alguns concertos em Portugal no último mês. Este domingo vai dar um em Lisboa. Quais são as principais diferenças que sente entre o público português e o brasileiro?

Estive a falar com a minha banda sobre a forma como vocês sentem a música, talvez por culpa do fado, mas é uma culpa boa. No Brasil é tudo mais efusivo, se quisermos fazer um espetáculo em que as pessoas prestem mais atenção temos de estar num recinto mais fechado ou numa sala mais pequena. Aqui não, podemos estar num palco aberto ou maior que vemos as pessoas a prestar atenção àquilo que estamos a fazer, a sentir aquilo que trouxemos. Às vezes pensamos: “Será que não estão a gostar?” Já estou habituada e sei que é assim, mas alguns músicos que vieram pela primeira vez acham estranho.

Quem vai vê-la agora pela primeira vez, o que pode esperar destes concertos?

Vamos ver o que vai acontecer, mas espero que todos gostem. Estamos a fazer este trabalho com muito carinho, está a ser muito gratificante porque a poesia é feita com alegria. No final peço licença ao Vinicius e canto algumas das minhas músicas que me trouxeram aqui.

Do que conhece de Portugal, qual é a sua cidade preferida?

Aqui, Lisboa.

Como olha para a situação política e social do Brasil?

Vamos sobrevivendo com a nossa arte. Cantar é a minha forma de estar, levar a minha mensagem. Está tudo bem difícil lá para nós, mas vai melhorar. Tem de melhorar.

Considera-se feminista?

Todas as pessoas do bem têm de ser um pouco feministas, mas não sou ativista. Há quem faça isso com mais propriedade. Abraço as causas que tiver que abraçar, mas prefiro fazer o meu próprio movimento, dançando, cantando e espalhando a cultura negra. É assim que espero vencer as diferenças.

Como vê o atual momento da música brasileira?

É bom e válido ver o rap e o hip hop a rolar e soltos. Acho que o rap é o estilo de música mais tocado hoje em dia no mundo. Tudo o que une e que vem de novo é válido. Temos de os deixar livres.

A Internet e as redes sociais vêm ajudar ou prejudicar o trabalho dos músicos?

A partir do momento em que não temos muitas lojas a vender discos nem nada desse género temos de pegar na parte boa da Internet. Enquanto puder vou fazer álbuns físicos também porque ainda sinto prazer em pegar neles e acho que muita gente ainda tem. Talvez até faça alguns vinis, o Vinicius merece esse carinho.

A Madonna lançou agora um álbum em que canta em português nalgumas músicas. A Faz Gostoso está mesmo a ser um sucesso no Brasil. Como vê esta escolha da rainha da música pop?

Acho bem, quanto mais pessoas cantarem em português e mais fronteiras a língua portuguesa ultrapassar, melhor. É bom para todos.

Que mensagem gostava de deixar aos fãs portugueses?

Obrigada por me receberem, o carinho está a ser enorme como sempre foi. Agradeço sempre que venho e espero que gostem da Mart’nália viniciada. Desejo-vos a todos muita alegria e poesia.

Madonna lança primeiro single do novo disco. Oiça a nova música da rainha da pop