“É uma tragédia ainda não termos conseguido uma mulher na liderança dos trabalhistas”

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A eurodeputada britânica Mary Honeyball esteve recentemente em Lisboa para participar na conferência internacional, ‘Mulheres Refugiadas – Em Trânsito entre Discriminações Múltiplas‘. Eleita pelo Partido Trabalhista, pelo círculo de Londres, a deputada de 63 anos está desde 2000 no Parlamento Europeu. Faz parte de vários grupos neste órgão, entre os quais a Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade dos Géneros. Foi presidente do Comité das Mulheres do Partido Trabalhista, nos anos 80, e esteve sempre ligada às questões dos direitos das mulheres. Interveio em campanhas de despenalização do aborto e dirigiu uma organização de apoio a famílias monoparentais, entre outras ações. Numa curta entrevista ao Delas, à margem da conferência, falou dos dias que se vivem no pós-Brexit, da posição do seu partido e de assistir, pela segunda vez, a uma mulher a liderar o governo do seu país, mas novamente pelos Conservadores.

Recentemente, a primeira-ministra britânica Theresa May apoiou a medida tomada por um hospital londrino de pedir o passaporte de mulheres grávidas imigrantes, para provarem que têm direito a usar o Serviço Nacional de Saúde do país. O que pensa sobre isso?
O pedido de verificação de passaportes é algo que já acontece há algum tempo em alguns hospitais, por causa da forma como funciona o Serviço Nacional de Saúde, no Reino Unido. Por norma, não havia um controlo, as pessoas simplesmente acediam aos serviços de urgência dos hospitais e as equipas médicas faziam o que era necessário para as tratar. É assim que o sistema funciona, porque é financiado pelos impostos, gerais, por isso não há muita burocracia envolvida, e não apenas no serviços de urgência, mas também noutros serviços. Desde há vários anos que têm sido feitas diligências, no sentido de fazer verificações a quem não seja cidadão britânico e que como tal não tenha pago impostos para ter acesso a tratamentos gratuitos no Serviço Nacional de Saúde.

E qual é a sua opinião em relação a isso?
Eu acho que isso não devia ser feito, porque se aparecer uma pessoa muito doente no hospital, o hospital tem de lidar com isso. Não pode mandar a pessoa embora. Acho que é uma declaração de retórica de Theresa May, que tem feito muito isso, como que dizendo: ‘se não gostamos disto, vamos fazer alguma coisa acerca disso’. Mas sem nenhuma ideia de como o vai fazer e de como o pode fazer. Penso que ela diz estas coisas na esperança de ninguém a desafiar demasiado.

O uso e a sustentabilidade do sistema de saúde e social dos países são muitas vezes usados como argumento por aqueles que se opõem à imigração ou ao acolhimento de refugiados. O Reino Unido parece ser um dos países onde esse argumento mais se ouve, sobretudo com o referendo do Brexit. É, de facto, isso que está em causa na discussão?
Há um grande sentimento de que as pessoas que vieram para o país estão a tirar os postos de trabalho, executando-os por salários muito mais baixos e que agora pressionam também o sistema escolar. E, para ser franca, penso que algumas dessas questões são verdadeiras. Obviamente que as pessoas que chegam ao país vão ter impacto ao nível da infraestrutura, mas acho que a reação tem sido exagerada. Penso que simplesmente as pessoas não querem estrangeiros no país. Toda a Europa está numa situação económica muito má e este tipo de coisas piora sempre quando as pessoas sentem que podem perder o seu emprego e todas as outras coisas que tinham.

O Reino Unido está em processo de saída da União Europeia, embora o governo britânico tenha afirmado estar disposto a debater a questão mais uma vez – ainda que afirmando o respeito pelo resultado da consulta -, antes de acionar o mecanismo para deixar a comunidade. Quais são as suas expectativas em relação ao futuro?
Acho que em muitas coisas o país vai manter as leis europeias. E porque não o faria? Não tem muito sentido rejeitar só porque são europeias. A minha visão pessoal é que em termos de legislação, a maioria da legislação europeia vai manter-se nos estatutos jurídicos britânicos, de uma maneira ou de outra. Penso que é isso que vai acontecer. À parte o facto de os Conservadores, da Direita e do UKIP não gostarem da proteção dos cidadãos na saúde e no trabalho, nem da legislação dos direitos laborais, e de essas, penso eu, poderem não ser incluídas por causa disso, acho que muitas outras serão.

No processo do referendo houve muitas críticas à forma como os o Partido Trabalhista se posicionou no debate, com muitos a dizerem que podia ter feito muito mais para defender a permanência. Concorda com essas críticas?
Sim, no geral sim. E, sobretudo, durante a campanha para o referendo que foi uma campanha da lideranças partidárias. Não foram os membros, os militantes dos partidos que foram para a campanha, nem os deputados do parlamento. E a liderança do meu partido não mobilizou como podia ter mobilizado. Sim, penso que é uma crítica justa.

E o que é que se pode esperar da atuação dos trabalhistas a partir de agora, que batalhas vão travar, nesta fase pós-Brexit?
Os deputados trabalhistas no Parlamento acabaram de apresentar uma série de perguntas sobre a União Europeia e o Brexit. Estão a mobilizar-se no sentido de chamar o governo à responsabilidade nesta matéria. Penso que o Partido Trabalhista está a aperceber-se agora que precisa de ter uma posição ativa nesta questão.

Esta é a segunda vez que o Reino Unido tem uma mulher no cargo de primeiro-ministro e novamente do Partido Conservador, da ala política de Direita.
Sim, exatamente!

Porque é que à Esquerda, isto é, no Partido Trabalhista, isso ainda não aconteceu?
Bem podemos perguntar porque é que isso acontece! Acho que é uma tragédia ainda não termos conseguido uma mulher na liderança dos trabalhistas. Algumas de nós vêm trabalhando para isso há muito tempo.

Há uma grande comunidade de imigrantes portugueses no Reino Unido. O que é que vai acontecer a estes e a outros imigrantes se o país realmente sair da União Europeia e qual é a posição dos trabalhistas?
A questão dos imigrantes que vivem no Reino Unido tem sido muito falada, porque, obviamente, são muitas pessoas. Penso que na generalidade os trabalhistas são favoráveis à sua permanência. Não é uma disputa deles e muitos imigrantes desempenham trabalhos e funções de muito valor. Por isso, não queremos que os portugueses e outros imigrantes saiam. Tem sido abordado pelo Partido Conservador o facto de usar os imigrantes como moeda de troca nas negociações com a UE. Penso que isso seria muito injusto. Isto não tem nada a ver com eles. São pessoas que, no global, vieram fazer os trabalhos que precisávamos que fizessem, alguns deles muito importantes e significativos. Portanto, os políticos não os deviam envolver nos processos políticos.


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Imagem de destaque: DR/ Grupo ‘Labour in Europe’