Máscara ou viseira? A lacuna que a lei tarda em resolver

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Graça Freitas anunciou ao país, a 4 de maio, que “a viseira não era um método que dispensasse utilização de uma máscara”, indo assim contra o decreto-lei publicado a 1 de maio, no Diário da República, onde está indicado que é obrigatório o uso de máscaras ou viseiras nos locais públicos fechados e nos transportes coletivos de passageiros.

Esta informação levou a que vários médicos protestassem contra o Governo, sendo que a Ordem dos Médicos e o Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP) emitiram um comunicado conjunto em que alertaram “para os riscos em termos de saúde pública” que representavam a “utilização de viseiras, em alternativa direta às máscaras”. Pediram, desta forma, ao Governo que alterasse o decreto-lei.

A polémica que surgiu tem levantado várias dúvidas na cabeça dos portugueses. Afinal, porque é que não se pode utilizar só a viseira?

A explicação da medicina

De um ponto de vista médico, Almeida Nunes, médico de medicina interna, explicou ao Delas.pt que “a viseira só promove uma proteção segura relativamente aos olhos”.

No entanto, devido ao desconhecimento da permanência do vírus no ar, é altamente desaconselhado o uso deste material sozinho porque, “quando respiramos, todo o ar passa por baixo da viseira”. “Todo o ambiente à volta também é contaminável caso esteja infetado”, alerta o médico que participa no programa matinal de Cristina Ferreira, na SIC.

De acordo com o especialista, “a viseira pode ser perigosa quando usada sozinha porque pode dar a quem utiliza e a quem contacta com o utilizador uma noção de proteção”. Como tal, Almeida Nunes aconselha o uso de viseira e máscara, por ser uma forma de “proteção complementar”.

Ainda assim, apesar de todos os alertas dados pelas autoridades de saúde e profissionais, o Governo ainda não fez a distinção, na lei, entre máscara e viseira, deixando a alternativa de escolher um ou outro meio de proteção.

Para o advogado Paulo Pereira, as razões para a demora da alteração da lei são “estranhas”, uma vez que “uma declaração de retificação pode ser feita de um dia para o outro”.

Na opinião de Almeida Nunes, esta situação “é uma discrepância entre a legislação e aquilo que as autoridades sanitárias afirmam” acrescentando que esta lei “é um erro que surgiu de um percurso desconhecido”.

Na verdade, segundo o que o advogado afirmou ao Delas.pt, esta lei tem “várias lacunas que precisam de ser revistas, sendo que a principal é a da palavra “ou” em “máscaras ou viseiras”.

O que diz a lei

É verdade que a legislação diz que é obrigatório o uso de máscara em locais públicos fechados, tal como é o caso de supermercados, lojas e serviços públicos. No entanto, Paulo Pereira refere que “várias lojas têm afixadas na porta de entrada um papel em que dizem que só se pode entrar com máscara”.

Neste caso, o que acontece a quem quiser entrar apenas com a viseira? Segundo o número 6 deste decreto-lei, “as pessoas ou entidades referidas no número anterior devem informar os utilizadores não portadores de máscara que não podem aceder, permanecer ou utilizar os espaços, estabelecimentos ou transportes coletivos de passageiros e informar as autoridades e forças de segurança desse facto, caso os utilizadores insistam em não cumprir aquela obrigatoriedade”.

Ou seja, na ótica do advogado, tal significa que “um proprietário de uma loja pode impedir uma pessoa de aceder ao espaço se ela não for portadora de uma máscara”.

“Em termos genéricos, a lei geral diz que é obrigatório o uso de máscara ou viseira, mas há um número desta mesma lei que diz que se eu não for portador de máscara, eu não posso entrar só de viseira se o proprietário assim o quiser”, explicou ao Delas.pt.

Para além de isto ser uma lacuna que precisa de ser revista, para o advogado existe ainda outra “particularidade algo estranha”.

Sabemos que o incumprimento desta obrigação dá direito a uma multa que pode ir desde os 120 até aos 350 euros. No entanto, tal só se aplica a quem não usar o material de proteção nos transportes públicos.

Assim, a questão que se coloca é: é permitido entrar nos outros estabelecimentos sem máscara ou viseira, sem acontecer nada? Em termos legislativos, a resposta é sim.

“A lei só prevê a sanção para as pessoas que não são portadoras da máscara ou viseira quando andam em transportes públicos”, refere o advogado.

Paulo Pereira explica que a única atitude que pode ser tomada por parte dos proprietários ou entidades é “chamar as forças de segurança para retirar a pessoa dali e se ela não quiser, aí já está a incorrer no crime de desobediência”.

Quer para o advogado, quer para o médico de medicina interna, este decreto-lei deve ser revisto em vários aspetos, uma vez que pode estar a comprometer a segurança da população.

Paulo Pereira vai mais longe e acredita que “há uma descompensação entre o Governo e a Direção-Geral da Saúde e há muitas perguntas a fazer em relação a este assunto”.