Masturbação. “Não posso partir do princípio que é o outro que vai encontrar o meu prazer”

Masturbação feminina. Um tabu que, embora mais dissipado, continua a pairar na cabeça de muitas pessoas, especialmente nas mulheres. Será mesmo importante? O que devo fazer e como? Será traição se o fizer e tiver parceiro? Estas e outras questões são alguns dos exemplos de dúvidas que continuam a surgir e persistir em várias consultas.

De forma a tentar desmistificar alguns destes pressupostos, o Delas.pt falou com a ginecologista e coordenadora do Núcleo de Medicina Sexual da Sociedade Portuguesa de Ginecologia (SPG), Carla Rodrigues, bem como com a sexóloga Marta Crawford, que recebe várias mulheres e casais no seu consultório, em Lisboa.

“Hoje em dia as mulheres vão conversando mais abertamente sobre a sua sexualidade e colocam mais facilmente dúvidas e questões relacionadas com o tema aos profissionais de saúde”, afirma Carla Rodrigues. Também Marta Crawford partilha da mesma opinião, acreditando que, “de alguma forma, a mentalidade já está a mudar e as mulheres já se permitem verbalizar e até experimentar a masturbação”. Mas o caminho a percorrer ainda é longo.

“Ainda encontro muitas mulheres que nunca o fizeram, Ou que o fizeram de uma forma indireta. no fundo também é uma masturbação, mas não tocam nos genitais porque têm pudor ou até algum nojo em fazê-lo”, diz Marta Crawford

Masturbação feminina: um tabu que teima em resistir

Ainda que ambas as especialistas concordem que, aos poucos, a mentalidade está a mudar no que diz respeito à masturbação, elas reconhecem também que ainda há um longo caminho a percorrer. “Na minha prática clínica como sexologista apercebo-me que a questão da masturbação ainda é motivo de vergonha. As mulheres, no geral, sentem-se incomodadas quando o tema é questionado e grande parte refere nunca a ter praticado“, explica Carla Rodrigues.

“Ainda encontro, nomeadamente no âmbito do consultório, muitas que nunca o fizeram, ou que o fizeram de uma forma indireta. No fundo, também é uma masturbação mas não tocam nos genitais porque têm pudor ou até algum nojo em fazê-lo, acham que é algo que não se deve fazer. Depois, indiretamente, conseguem criar a tensão sexual ao ponto de conseguirem o orgasmo, mas não o fazem diretamente”, analisa Marta Crawford.

A ginecologista Carla Rodrigues recorda ainda de alguns episódios em que as suas utentes se deslocavam a uma consulta só para saber se “estava tudo bem”, porque se tinham masturbado. “Mais facilmente e mais abertamente apresentam queixas de problemas relacionadas com o desejo e penetração do que por exemplo falta de orgasmo ou dor com a masturbação“, relata a coordenadora do Núcleo de Medicina Sexual da SPG.

História da Masturbação: ainda há quem não saiba como se pode masturbar

Há mulheres que acabam por não ter prazer com a penetração e acabam por recorrer à masturbação para atingir o pico sexual. Para Carla Rodrigues, tal é “o resultado de crenças e mitos relacionados com a sexualidade, uma cultura “coitocêntrica” e ainda algo repressiva sobre a sexualidade feminina”, explicou, continuando: “se pensarmos um pouco, verificamos que a masturbação masculina é muito mais facilmente abordada do que a feminina, até pelos media“, conclui a especialista.

Também Marta Crawford aborda a temática da educação, na perspetiva de como tal influencia a forma como as pessoas olham para este ato: “acho que agora já há uma maior libertação, mas a masturbação também tem a ver com a educação e com o contexto familiar, com a forma como se fala sobre a sexualidade em casa e e se é algo desconsiderado, ou se ainda se acredita que a mulher não deve fazer este tipo de coisas”, explicou a sexóloga.

E sim, por vezes as mulheres descobrem a masturbação como mero acaso, afirma a sexóloga. “Por vezes é até por acidente, a tomar banho ou a lavar os genitais no bidé. De repente, sentem qualquer coisa e depois continuam esse estímulo e percebem que é bom, interessante e acabam por fazer o reconhecimento do seu próprio prazer sexual”, explana a especialista.

“A história da masturbação sempre foi um bocadinho assustadora”

Marta Crawford afirma que, ao falarmos mais sobre o tema, acaba por existir uma “permissão coletiva para a experimentação”. Ainda que a sexóloga admita que não recebe muitas questões sobre a masturbação no seu consultório, acrescenta que “existem alguns comentários com pudor e reserva ou pessoas que têm vergonha e acabam por perguntar se é mesmo necessário ou se é mesmo importante”, continua.

Além do mais, defende ainda a sexóloga, a masturbação é também importante para se fortalecer uma relação. “É fundamental que a pessoa saiba onde tem prazer e onde gosta de ser tocada, para depois também levar o parceiro ou parceira a fazerem isso. Porque se a pessoa tem um total desconhecimento, significa que tem pouca curiosidade, tem vergonha, tem algumas inibições, e as pessoas às vezes são muito reservadas e acabam também por não partilhar com o par aquilo de que gostam mais“, continua.

Em forma de conclusão deste tópico, a especialista insistiu ainda na ideia de que, para conseguirmos “ensinar ao outro a fazer o meu melhor, tenho que conhecer bem o meu corpo. Não posso partir do princípio que é o outro que me vai salvar ou que vai encontrar o meu próprio prazer sexual. Começa em nós. E depois na relação com o outro”, remata.

Masturbação e relação: é compatível, desde que não substitua a vida sexual

“Estar num relacionamento não é motivo para não haver masturbação, quer a mulher sozinha ou como parte de preliminares durante a intimidade. A masturbação mútua é muito importante durante o envolvimento sexual pelo facto de aumentar a excitação, o relaxamento muscular, a cumplicidade e “prepara o coito” caso esse venha a ocorrer”, relata a ginecologista Carla Rodrigues.

Já Marta Crawford relata alguns casos em que as mulheres têm medo de se masturbar e serem apanhadas pelo companheiro. “Há pessoas que têm parceiro e que, quando ele está no mesmo sítio, ao masturbarem-se parece, assim, uma espécie de traição para o outro que está na sala, e não se sentem confortáveis”, explica, acrescentando que é fundamental que a pessoa o faça no local no qual se sinta confortável. É importante também que a mulher esteja predisposta a fazê-lo, porque “se for muito crítica, se calhar não vai ter muito prazer”, avisa.

“é importante que as pessoas tenham a noção da sua privacidade”

Em suma, para Marta Crawford, a masturbação pode ser importante na medida em que não interfira ou substitua a vida sexual com o parceiro. “Se eu me masturbo mais do que tenho relações sexuais ou se as relações sexuais com o meu parceiro de repente deixaram de acontecer porque há um dos dois que se masturba muito, ou os dois só se masturbam, (…) e acabam por cada um resolver o assunto por si, claro, aí acaba por não haver qualquer tensão sexual na relação. Vejo mais pessoas a concordar com a importância da masturbação, desde que isso não entre ou concorra com a vida sexual do casal“, conclui a especialista.

A masturbação deve ser feita com privacidade e tempo

“É importante que as pessoas tenham a noção da sua privacidade“, começa por explicar a sexóloga, depois de questionada sobre se existem alguns cuidados a ter no ato da masturbação feminina. “É importante não ter pressa, encontrar o momento exato para o fazer, se for preciso fechar a porta”, continua.

“Não me parece que seja necessário qualquer cuidado relativamente à prática”, afirma Carla Rodrigues. No entanto, a especialista frisa a ideia de que a masturbação é algo não só importante como com muitos benefícios: “A masturbação faz parte de alguns programas de Terapia Sexual exatamente pelos seus benefícios em ajudar a mulher a conhecer o seu corpo, a produzir relaxamento, a reduzir a ansiedade perante uma dor sexual, a descobrir outras formas de prazer, desviando assim a sua atenção da “penetração”, conclui.

Aproveite e percorra a galeria de imagens acima e veja alguns dos benefícios da masturbação feminina, de acordo com a sexóloga Marta Crawford.

Guia da masturbação feminina: Adeus tabus!

7 soluções que tem por casa e que aumentam o prazer