Matt McGorry: “Numa sociedade sexista, não ser sexista não é suficiente”

Matt McGorry arrives at the 2015 Film Independent Spirit Awards in Santa Monica
Actor Matt McGorry arrives at the 2015 Film Independent Spirit Awards in Santa Monica, California February 21, 2015. REUTERS/Danny Moloshok (UNITED STATES - Tags: ENTERTAINMENT) (SPIRITAWARDS-ARRIVALS) - TB3EB2L1KWZ3T

Saltou para a ribalta com o papel de John Bennett na série da Netflix Orange is the New Black e está hoje nos nossos televisores como Asher Millstone em How to Get Away with Murder [Como Defender um Assassino, AXN]. O que muita gente não sabe é que Matt McGorry é um dos atores mais ativistas em Hollywood, um defensor das minorias e um dos principais aliados das mulheres na era #MeToo.

Está envolvido em campanhas de angariação de fundos, na iniciativa de “nova masculinidade” A Call to Men criada por Ted Bunch, na web series de Justin Baldoni, Man Enough. McGorry é também um orador regular em eventos que questionam os parâmetros da masculinidade.

A sua utilização de redes sociais para fazer eco destas ideias garantiu-lhe reações opostas: o louvor mediático de fãs e publicações mas também um ceticismo quase virulento quanto às suas intenções e críticas provenientes de feministas que não acham que ele esteja a ajudar a causa.

Na conferência United State of Women, que decorreu em Los Angeles e com Michelle Obama como estrela principal, McGorry participou num painel dedicado ao #MeToo e à narrativa que a rodeia. Falámos com o ator, à margem do evento, sobre Hollywood e a possibilidade de haver um grupo Time’s Up de aliados masculinos.

Há resistência ao #MeToo e Time’s Up por receio de que se esteja a exagerar, e países como Portugal ainda têm um pendor muito patriarcal. Como responde a isso?

Posso falar sobre a forma como ouço esta conversa a acontecer nos Estados Unidos da América: Muitos homens – incluindo os bem-intencionados que não são abusadores – sentem que não sabem o que fazer, não sabem como se comportar. Estão preocupados com situações que pensavam aceitáveis, mas que afinal não o são, e sentem-se atacados. Historicamente, em qualquer tipo de movimento em que pessoas marginalizadas ganham poder, é sempre este o sentimento que o grupo dominante tem. Se olharmos para o movimento de direitos civis nos EUA, em que os negros pediam literalmente os direitos mais básicos, os brancos sentiram-se atacados. Sentiram que os seus direitos estavam a ser retirados e que não estavam a ter oportunidades iguais. Sabemos que não era esse o caso. E podemos dizer a mesma coisa quando as mulheres começaram a entrar no mercado de trabalho e se tornaram médicas e advogadas: os homens perguntaram-se como ia ser, como iam competir.

“[Muitos homens] estão preocupados com situações que pensavam aceitáveis, mas que afinal não o são, e sentem-se atacados”

Então, vê um paralelo nestas reações antagónicas?

Sim. Portanto, se a pessoa não quer pensar que teria sido uma das que estava furiosa com o facto de ver mulheres a tornarem-se médicas, advogadas e contabilistas naquela altura, não seja essa pessoa agora. Se se sentir confuso quanto ao que está a acontecer, digo que também eu, como homem, não me tinha apercebido da extensão do privilégio que tinha. E a forma como eu, inconscientemente, estava a perpetuar-me como parte do problema. Quero dizer com isso, ao não fazer parte da solução.

Como assim?

Numa sociedade sexista, não ser sexista não é suficiente. Temos de ser anti-sexistas. Como homem, as minhas experiências no mundo são muito diferentes daquilo por que as mulheres passam. A única forma de realmente entender isto é ouvir as mulheres e aprender. Há muitos livros escritos por mulheres sobre estes temas e a maioria dos homens nunca pegou num único a vida inteira. Só isso diz-nos até que ponto estamos dispostos a fazer esse trabalho: quase nada. Se um homem se pergunta como estar com mulheres, o que é um toque apropriado, o que é o consentimento, faça essa aprendizagem. Sabemos o que é preciso para nos tornarmos homens de negócio; estudamos. Podemos aprender, estudar, e é isso que tenho estado a fazer. Não sou um ser humano especial.

“Há muitos livros escritos por mulheres sobre estes temas e a maioria dos homens nunca pegou num único a vida inteira”

São raros os atores tão feministas, por isso muita gente acha que é.

Certo. Mas a minha capacidade para o fazer baseia-se apenas no desejo de aprender com a perspetiva dos outros, de quem não tenho uma experiência em primeira mão.

A maioria dos atores parece concordar com os movimentos, mas sem se envolverem. Tem conversado com colegas sobre isto?

Nunca acontece tão rapidamente como gostaria. Muitas vezes, a forma como estes movimentos funcionam decorrem de mudanças culturais que acontecem primeiro. Tenho tido conversas sobre isto nos últimos dois anos e, agora, de repente, vejo que há mais homens a perceberem que se trata de um problema significativo. Pelo menos, estão a questionar como se envolverem.

 

Tarana Burke: fundadora do #MeToo quer mais ação

Está envolvido em iniciativas como A Call to Men e falou-se de um grupo Time’s Up composto por homens. Acredita que será útil?

Teria de perguntar primeiro às mulheres que estão a liderar o movimento. Sim, tivemos uma sessão de homens, que foram convidados por mulheres, e sei das conversas sobre grupos de homens. O ideal será criar algumas estruturas e ter organização para fazer algo acontecer. Não podemos ficar apenas a aplaudir as mulheres que estão a falar. Temos de fazer esse trabalho nas nossas comunidades, porque nos esquecemos que quando falamos de violência contra mulheres, trata-se de violência de homens contra mulheres. Não acontece no vácuo. Portanto, se os homens não assumirem a responsabilidade por isso e pelo comportamento de outros, o problema vai perpetuar-se.

“Temos de fazer esse trabalho nas nossas comunidades, porque nos esquecemos que quando falamos de violência contra mulheres, trata-se de violência de homens contra mulheres”

Não vê mudanças reais a acontecerem nos estúdios?

Vejo mudanças nas conversas. As pessoas pensam mais nestes temas e, só isso, é uma mudança. Da mesma forma que o Black Lives Matter, ainda não há polícias a serem condenados, mas assistimos a uma enorme mudança cultural em que nós, os brancos privilegiados, temos noção destes problemas.

Estão “acordados”?

É um processo de despertar contínuo. Estamos constantemente a alimentar esta narrativa específica que nos torna ignorantes sobre o que as pessoas marginalizadas enfrentam. Por isso, temos de estar sempre a investigar a nossa experiência e como nos posicionamos no mundo.

“As mulheres ficaram compreensivelmente muito chateadas com o facto de termos um abusador na Sala Oval [referindo-se a Trump]”

Acha que tudo isto estaria a acontecer se Hillary Clinton tivesse vencido?

É difícil saber. O que parece é que as mulheres ficaram compreensivelmente muito chateadas com o facto de termos um abusador na Sala Oval. Muitas vezes, na História, dá-se dois passos em frente e um atrás. E quando as pessoas veem quão má a situação pode ficar, há um esforço de galvanização. Estou focado em compreender como é que nós, homens, aparecemos e mostramos o nosso apoio de uma forma mais profunda e vocal.

Ana Rita Guerra

Imagem de destaque: Reuters

Um homem pode ser feminista?

#MeToo: o acontecimento de 2017 que mudou as mulheres