Mayara Russi: “Hoje ainda não temos casas de alta costura a fazer roupa plus size”

Mayara Russi, 30 anos, tem trabalhado como modelo plus size desde os 15, no Brasil e noutros países da América Latina. Cresceu em São Paulo, a admirar corpos magros e em constantes dietas, sem saber que um dia seria a primeira mulher de tamanho plus size a desfilar na São Paulo Fashion Week. É uma referência nesta área e está em Portugal para partilhar a sua experiência na 1.ª edição do Plus Fashion, do qual é embaixadora, juntamente com a modelo portuguesa Maria Inês Peixoto.

Este fim de semana, 18 e 19 de maio, realiza-se pela primeira vez o evento pioneiro que reúne marcas de tamanhos grandes, modelos, e ainda desfiles de roupas e lingerie no Palácio Baldaya, em Lisboa, das 14h00 às 20h00. Ao Delas.pt, Mayara elogia a iniciativa, fala da carreira e do preconceito que ainda existe nesta indústria, por detrás de interesses comerciais.

Como é ser embaixadora da 1.ª edição do Plus Size?
É ótimo, vou falar um pouquinho sobre a minha história, a indústria e depois vou desfilar para a Kiabi. É um projeto inovador e acho que pode trazer várias oportunidades para as modelos que querem começar agora, mas também para ajudar o mercado a crescer. No Brasil temos alguns eventos para manequins plus size, mas pelo mundo fora são pouquíssimos.

Começou a sua carreira há 15 anos. Desde então o mercado mudou muito, no que diz respeito ao setor plus size?
Completamente. Hoje já consigo dizer que quero uma roupa assim e encontrá-la. Mas, por outro lado, hoje ainda não temos grandes casas de alta-costura e estilistas a fazerem roupa para plus size, como a Chanel e Dolce & Gabbana. Acho que era muito importante se passássemos a fazer parte desse mercado.

Porque não se abrem mais portas para as modelos de tamanho maior?
Preconceito. Algumas marcas ainda têm aquela ideia de que a modelo tem de ser o mais magra possível para tudo ficar bem. Muitas pessoas que fazem roupa de tamanho grande têm também preconceito, fazem apenas pelo dinheiro, não pela causa.

Como entrou no mundo da moda?
Eu nasci em São Paulo. Sempre fui uma criança e adolescente gordinha. Vivia fazendo dietas, sem sucesso. Restringia e depois vinha a compulsão alimentar. Mas quando tinha 15 anos e me preparava para fazer a festa de debutante, muito famosa no Brasil (16.º aniversário), fui fazer umas fotos para colocar num mural da festa. E o fotógrafo disse-me que era muito bonita e perguntou-me: ‘Porque é que você não emagrece para ser modelo?’. Pouco tempo depois, uma agência parou-me num shopping e disseram-me que procuravam alguém com o meu perfil para trabalhar. Eu não estava a entender. Imagina! Eu modelo? Ainda ontem estava a chorar dentro de um provador porque não tinha roupa e hoje perguntam-se se quero ser modelo?

Quando é que decidiu experimentar?
Quando fui abordada mais uma vez e a minha mãe disse-me que devíamos ir ver como era. Fomos a uma agência que era bem reputada na altura e assim foi, nunca mais parei. Anos mais tarde ainda fiz faculdade de moda.

Seguir uma carreira como modelo ajudou-a a perder alguns dos complexos que tinha na adolescência?
Muito. Mas acho que foi porque o mundo também foi mudando. Se hoje não tivéssemos esta abertura e diversidade, talvez tivesse ficado presa a isso. Porque é difícil. Eu recebo muitas mensagens de meninas a perguntarem-me como é que eu me aceito porque não conseguem. E eu digo que é um processo. É dia após dias. Não acordo todos os dias a sentir-me bonita, mas isso é normal. Uma mulher com um corpo 34 passa pelo mesmo.
O nosso estado de espírito varia e temos de o dominar e compreender, independentemente do corpo, cabelo ou cor de pele.

Tornou-se a primeiro modelo plus size a desfilar na São Paulo Fashion Week. Como foi a experiência?
Foi maravilhosa. Fui ao casting e pensei que podia não ficar. Eu sonho, mas sou muito terra-a-terra. Temos que ser assim na nossa carreira senão sofremos muito. Quando soube, preparava-me para ir de férias, mas claro que cancelei tudo e fui ao desfile.

Nunca tinham tido uma modelo maior a desfilar?
Tinham tido as modelos chamadas de curvy (tamanhos 42, 44), mas não uma modelo realmente grande. E foi incrível, eu estava toda a tremer antes de entrar. Foi uma sensação maravilhosa. Não há nada melhor do que fazermos algo que amamos.

E são também esses momentos que desfazem as tais barreiras de preconceito?
Sem dúvida. É maravilhoso porque eu nunca tive uma referência de uma mulher gorda na minha vida. Em todas as campanhas de moda e revistas que lia ao crescer só via mulheres que não me representavam. E hoje temos mulheres de vários tamanhos no teatro, como apresentadoras, cantoras… Acredito que as próximas gerações vão crescer melhor. Vão ter uma visão diferente e perceber que não precisam de ter aquele tamanho. As pessoas têm é que ter saúde, isso sim é importante.

Fala-se muito das dietas das modelos antes de eventos como o desfile da Victoria’s Secret. Que tipo de preparação faz uma modelo plus size antes de pisar a passerelle?
Também fazemos escolhas mais saudáveis antes do desfile para desintoxicar, não ficarmos tão inchadas, além das massagens. Os cuidados são parecidos aos das modelos mais magras. Claro que não vamos ficar sem comer, porque isso também não é saudável. As pessoas prezam tanto a saúde e depois admiram modelos magras. Quem diz que uma modelo magra é necessariamente saudável?

Reparei no seu Instagram que publica frequentemente fotografias a fazer desporto. É também uma forma de lutar com essas ideias?
Eu nunca fui sedentária, sempre pratiquei desporto e pratico até hoje. Vou para a academia duas, três vezes por semana. É o que eu digo muitas vezes: nós podemos estar bem com o nosso corpo, desde que não sejamos sedentários e que cuidemos da nossa saúde. O resto não importa.

É uma imagem que procura passar aos seus filhos?
Sim, veja. As crianças não nascem preconceituosas. Elas vão imitando os exemplos que veem em casa e eu tento mostrar isso aos meus filhos. A minha filha é magrinha e muitas vezes quando experimento as minhas roupas ela diz-me que queria vestir como eu. É muito surpreendente porque quando eu cresci só gostava de ver roupas em mulheres magras porque me foi passado isso.

Onde é que ainda gostaria de desfilar?
O meu sonho seria fazer carreira em Nova Iorque, mas é um mercado muito difícil porque eles endeusam muito as modelos curvy, mais de tamanhos 44, 46. Também vou fazer 30 anos e a carreira de modelo é mais curta. Por isso estou agora a apostar na apresentação, que era outro sonho meu. Faço algumas coberturas de eventos nacionais e ainda tenho um programa de TV no Canal E! Entertainment que se chama Beleza GG. É um reality em que acompanham toda a minha rotina, inclusive vieram filmar em Lisboa e no Porto.

Acha que no futuro vamos conseguir falar em modelos sem precisar de especificar um tamanho?
O meu sonho é dizer, um dia, que sou modelo tamanho 52 e não precisar de especificar que sou plus size. Acho que pode acontecer, sim. A função de uma modelo é dar a cara e o corpo por aquela roupa. Mas vai demorar. É como o feminismo, começou há tantos anos e só agora é que existem estes movimentos internacionais.

A Zara começou agora a produzir mais peças XXL. Acha que as marcas de fast-fashion também têm vindo a caminhar para tamanhos maiores?
No Brasil ainda não temos muitas de fast-fashion. Temos a Kiabi, Forever 21, Renner que é brasileira, mas temos poucas internacionais com tamanhos muito grandes. A C&A começou agora a fazer também. Mas a verdade é que vestir um corpo gordo é diferente de vestir um corpo magro. Não é só ampliar o tamanho, é outra modelagem.

Recentemente li que as modelos plus size estavam a fazer dieta para cumprir os padrões de tamanho, que têm vindo a baixar. É verdade?
Sim. Neste nicho, as modelos que mais trabalham pesam 44 ou 46, eu sou uma das poucas acima de 50 que tem muito trabalho. Mas estamos lutando para que isso não aconteça. Claro que uma roupa vai vestir melhor numa modelo que tenha menos barriga, menos peito. No entanto, nem todas as mulheres se sentem representadas nesse tamanho.

 

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