MDM pede intervenção do Provedor de Justiça contra o acórdão da Relação do Porto

O Movimento Democrático de Mulheres (MDM) vai apresentar queixa ao Provedor de Justiça na sequência do acórdão do Tribunal da Relação do Porto. Em causa está o facto de o juiz condenar dois agressores de uma mulher, em Felgueiras, a pena suspensa, e culpar a vítima pelos acontecimentos, uma vez que tinha cometido adultério.

O texto do acórdão faz várias referências à Bíblia, associadas à “mulher adúltera”, para justificar uma sentença que acaba por desconsiderar o crime de violência doméstica e pôr em causa os direitos constitucionais da mulher, consideram o MDM e várias associações e juristas.

“Independentemente de nos manifestarmos contra esta atitude em outros espaços públicos, o MDM vai apresentar queixa ao Senhor Provedor da Justiça a fim de que possa interceder junto dos poderes públicos para reparar a injustiça do acórdão e intervir pela monitorização da aplicação legal dos direitos das mulheres” lê-se no comunicado da organização enviado às redações.

A organização considera que o acórdão é mais “um exemplo de quanto as leis democráticas são desrespeitadas nas malhas do poder”, condenando ainda outras bases da argumentação feitas no documento, como o Código Penal de 1886 que os juízes citam para fundamentar a sentença.


Várias organizações de direitos humanos, incluindo a Plataforma Portuguesa de Direitos das Mulheres, UMAR e a APAV, apoiam os protestos marcados para sexta-feira, 27 de outubro, em Lisboa e no Porto, sob o lema ‘Machismo não é justiça, é crime’. Veja os pormenores na fotogaleria.

“Quem está interessado em revisitar o vocabulário dos tempos da Idade Media e dos códigos de família e penal do século XIX para salvaguardar “a honra do homem”, recorrer ao exemplo “da dita
mulher honesta”, da adúltera que merece castigo e até lembrar com a maior naturalidade a lapidação em certas sociedades, é assumidamente uma pessoa perigosa, impregnada de preconceitos e disposta a transgredir as mais elementares regras de convivência social”, acusa o MDM.

Amnistia Internacional lembra tratados assinados por Portugal

Também a Amnistia Internacional Portugal considera que o acórdão judicial do Tribunal da Relação do Porto contra uma mulher e que ao se fundamentar em censura moral, “viola” as obrigações internacionais que o país subscreveu.

Em comunicado, citado pela Lusa, a amnistia lembra que Portugal está vinculado não só aos tratados internacionais de direitos humanos, mas também se encontra vinculado, desde 01 de agosto de 2014, às obrigações previstas na Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica, conhecida como Convenção de Istambul.


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A organização expressa “profunda preocupação” sobre os fundamentos utilizados pelo tribunal para negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público no caso em que dois arguidos foram condenados a penas suspensas pelos crimes de violência doméstica, detenção de arma proibida, perturbação da vida privada, injúrias, ofensa à integridade física simples e sequestro.

Entendo a citação de documentação histórica (o código de 1886), e religiosa, (a invocação da Bíblia) “como abusiva” e como “manifesta violação” do princípio de separação entre Igreja e Estado, consagrado na Constituição da República Portuguesa, a amnistia “defende a ausência de considerações de caráter religioso como fundamentação jurídica em nome do respeito do princípio da laicidade e em nome da igualdade e do respeito por todas as religiões”.

A organização diz ainda que o Código Penal Português de 1886, revogado pelo Código Penal de 1982, mas citado no acórdão, “não é fonte de direito português, não podendo ser utilizado pelos tribunais. A sua utilização revela a ineficácia da justiça portuguesa”.

A amnistia diz-se “preocupada” não só pela atuação dos juízes desembargadores ao “arrepio” dos preceitos legais e constitucionais, mas pelo espelhar de uma cultura e justiça promotora de “misoginia”, sem ter em conta os direitos das mulheres e à compreensão do uso de violência para vingar a honra e a dignidade.

O acórdão do Tribunal da Relação do Porto levou já à criação de uma petição, que pede uma tomada de posição do Conselho Superior da Magistratura (e do seu Conselho Plenário) e do Provedor de Justiça. Até à data a petição conta com mais de sete mil assinaturas.

Entretanto várias organizações de direitos humanos, incluindo a Plataforma Portuguesa de Direitos das Mulheres, UMAR e a APAV, apoiam os protestos marcados para sexta-feira, 27 de outubro, em Lisboa e no Porto, sob o lema ‘Machismo não é justiça, é crime’. Veja os pormenores na fotogaleria.