Hoje esqueçam as flores. Ainda que sejam rosas. Dadas com carinho, até. Esqueçam o carinho, sim? Apanhem as vossas meias sujas do chão. Já está? Foi fácil, não foi? Não é física quântica. É só o B-E-Bá da vida de qualquer adulto. E, neste caso, pode ser o vosso gesto dedicado ao dia da Mulher.
Se quiserem ir mais longe, juntem as vossas meias sujas com a outra roupa toda que está no cesto, ponham-na na máquina. Não perguntem – por favor não perguntem – qual é o programa ou a quantidade de pó, se se põe no tambor ou na gaveta. Depois, estendam-na. Com molas, no fio, direitinha. Não façam de tontos, não a amarfanhem. Como se quem sabe mudar um pneu não pudesse saber como estender roupa num fio. Apanhem-na mal seque, e olhem para o tempo que faz. Não é preciso ser meteorologista para saber se vai ou não chover, nem físico para perceber que a roupa vai ficar molhada. Organizem-se. E a seguir, vá, passem-na a ferro. Arrumem-na sem misturar as meias com as cuecas.
É pouco? Talvez não seja. Assim como a caridade, também o feminismo começa em casa. Pouco se presta atenção a esta questão, tantas vezes relegada para a intimidade doméstica, para aquilo de que ninguém fala, ou gosta de falar. E, no entanto, é aqui que tudo começa: a desigualdade, a diferença de tarefas, a tradição que empurra as mulheres para terem de desempenhar tarefas corriqueiras, perdendo, assim, o tempo para se dedicarem a algo que seja mais importante para elas.
Quantas mulheres, dessas executivas, em cargos de chefia, ombreando com qualquer pessoa em eficiência e qualidade, chegam a casa e se transformam em escravas do lar – desculpem as palavras duras, mas são para serem melhor percebidas – têm de pensar no que vão fazer para o jantar enquanto os maridos esperam por ele refastelados no sofá? Imaginem o que isso faz a uma pessoa, ao amor próprio de uma pessoa. E, claro, o efeito que tem nas imagens que a sociedade perpetua, nos estereótipos que se vão reproduzindo ao longo dos tempos.
Já há até, imaginem, estudos científicos sobre o tema. No ano passado, provou-se que o tempo que uma mulher passa a fazer trabalhos informais – que não são contabilizados como trabalho – é sete vezes mais do que o dos homens. E isto é especialmente agudo em Portugal, onde, segundo a Pordata, “a taxa de atividade, que representa a percentagem de pessoas com mais de 15 anos empregada ou à procura de emprego, é de 58,8%, (entre as mulheres) das mais altas a nível europeu”. Perceberam o efeito que pode ter, a partir de hoje, apanharem as vossas meias?