“O direito fundamental da mulher à liberdade individual, à sua própria vida, concede-lhe autoridade para interromper a gravidez se assim o desejar.” A frase proferida pela ex-primeira dama norte-americana Melania Trump chega num vídeo publicado na rede social X (ex-twitter) esta quinta-feira, 2 de outubro, e no qual se posiciona a favor do direito das mulheres ao aborto.
Melania, que sempre foi silenciosa sobre questões políticas e sociais, toma agora voz pelas mulheres numa altura em que o marido e ex-presidente dos EUA, o republicano Donald Trump, tenta reeleição à Casa Branca – cujo sufrágio terá lufar dentro de um mês – posicionando-se ele sempre contra o direito à Interrupção Voluntária da Gravidez, tendo atuado nesse sentido enquanto chefe de Estado dos EUA.
Recorde-se que o ex-presidente Donald Trump participou no processo que culminou na reversão da lei federal Roe v. Wade, que eliminou o direito constitucional ao aborto, e fez com que mais de 20 estados norte-americanos decretassem restrições estritas ao aborto. Para tal, nomeou juízes conservadores e pró-vida ao Supremo Tribunal que reverteram depois o direito das mulheres.
Recentemente, já em campanha para a reeleição, Trump declarou que vetaria a proibição federal do aborto e que a questão deveria ser deixada para os estados legislarem. Uma posição que levou a opositora democrata, candidata à Casa Branca e e vice-presidente em exercício Kamala Harris a duvidar, a 30 de agosto deste ano, de que se Trump vencesse, o ex-presidente dos EUA poderia mesmo banir o aborto a nível nacional. “Acreditam que ele fará isso? Porque é que eles [republicanos] não confiam nas mulheres? Nós confiamos”, afirmou Harris.
Nessa exata data, Trump pedia mais bebés à nação, ao avançar com a promessa de obrigar as seguradoras a pagarem os tratamentos de fertilização in vitro. O republicano prometia uma dedução das despesas em sede de IRS para os recém-nascidos, remetendo ao silêncio a matéria da Interrupção Voluntária da Gravidez. Uma questão que chegou ao debate de 10 de setembro, único até ao momento, e que ficou por concretizar.
Melania escreve sobre abortos tardios
“É imperativo garantir que as mulheres tenham autonomia na decisão da sua preferência de ter filhos, com base nas suas próprias convicções, livres de qualquer intervenção ou pressão do governo”, afirma Melania Trump no novo livro de memórias que está a ser lançado, demarcando-se de uma das posições políticas do marido e do Partido Republicano.
Trata-se de trechos do livro que têm vindo a ser adiantados pela imprensa britânica como o jornal britânico The Guardian, mas também sites norte-americanos como o ABC News, que admite não ter ainda verificado as citações.
Melania, neste livro homónimo, falará mesmo em “abordagem de bom senso” que deve ser deixada integralmente à mulher e ao médico desta. E prosseguirá, na obra: “Restringir o direito de uma mulher de escolher interromper uma gravidez indesejada é o mesmo que negar-lhe o controle sobre o seu próprio corpo. Carreguei essa crença comigo durante toda a minha vida adulta”.
Segundo a imprensa, a ex-primeira-dama também fará referência aos abortos tardios, vincando que, “historicamente, a maioria dos abortos realizados durante os últimos estágios da gravidez foram o resultado de anomalias fetais graves que provavelmente teriam levado à morte ou ao nado-morto da criança. Talvez até mesmo à morte da mãe. Estes casos foram extremamente raros e normalmente ocorreram após várias consultas entre a mulher e o seu médico. Como comunidade, devemos adotar estes padrões de bom senso. Mais uma vez, o tempo é importante”, dirá a ex-primeira-dama numa rara quebra de silêncio que fez ao longo dos últimos oito anos e nunca para matéria tão relevante para as mulheres.
Efeitos da reversão da lei: 64 mil gravidezes indesejadas fruto de violações, mais abortos em perigo e menos libido em solteiros
Em janeiro deste ano, era revelado que mais de meio milhão de violações terão resultado em 64.565 gestações fruto desse crime, em 14 estados norte-americanos que implementaram a restrição ao aborto depois da reversão da lei Roe v. Wade.
As estimativas foram publicadas na revista científica JAMA Internal Medicine (cuja síntese pode ser lida aqui) e impressionam. A mesma análise, liderada pelo médico e diretor da plataforma de apoio Planned Parenthood do Montana, aponta para o facto de quase metade das gestações na sequência de abuso sexual terem ocorrido no estado do Texas (45%), um dos mais radicais na proibição do aborto. O estudo recorreu a uso de dados de Centros de Controle e Prevenção de Doenças, do Bureau of Justice Statistics e do FBI para criar estas estimativas consideradas “chocantemente altas”.
Desde que a lei foi revertida, o número de mulheres que atravessam as fronteiras dos estados para conseguirem fazer um aborto tem vindo a disparar. No primeiro semestre do ano passado, ou seja, seis meses depois de o direito ao aborto ter sido federalmente anulado, quase uma em cada cinco mulheres que abortou viajou para fora do seu estado e foi para outro com enquadramento legal mais amplo, como revelou em dezembro um estudo do Instituto Guttmacher.
E se a lei teve implicações que se revelam abusivas sobre a vida das vítimas, ela consegue imiscuir-se na intimidade de todos. Os resultados do estudo anual do Match Group [que detém plataformas de encontros como o Tinder e o Hinge], com uma amostra de cinco mil pessoas, diz notar alterações de comportamento após a reversão do clausulado Roe vs Wade e a mais evidente é a de que mais de uma em cada dez pessoas solteiras inquiridas e até aos 50 anos dizem que estão a ter menos sexo. Pelo segundo ano consecutivo, as conclusões apontam para o facto de a perda de um direito como o aborto está a mexer com as relações e com a libido.