Menor e estrela na Net: onde acaba a alegria e começa o abuso dos pais?

Trendy little girl in summer casual wear and white hat is recording herself with a camera at home. On the desk there is a metal souvenir of Eiffel tower. White library on background. Little blogger.
[Fotografia: Istcok]

A recente acusação de que a adolescente brasileira Bel, youtuber célebre brasileira com o canal BelParaMeninas, estaria a ser alvo da exploração da mãe, Francinete Peres, volta a abrir a discussão sobre a vontade das crianças em se exporem ou, antes, sobre a eventual abuso infantil por parte dos pais.

Ao delas.pt, Inês Afonso Marques, psicóloga clínica e coordenadora da área infanto-juvenil da Oficina de Psicologia, conta nunca ter sido profissionalmente confrontada com um caso desta natureza, mas fala de um “encanto por parte das crianças e dos adolescentes associados ao mediatismo e visibilidade que as plataformas digitais parecem oferecer” e que “os mais novos vivem envoltos numa certa ilusão de sucesso garantido”. Nesse sentido, vinca que “a eventual exploração ou abuso por parte dos pais, pressupõe contrariedade e resistência por parte dos filhos”.

Um desconforto infantil que, prossegue a especialista, “nem sempre é traduzido em palavras”, mas “muitas vezes, no dia a dia, chega através de alterações no humor, na (in)disponibilidade para aprender, na (in)capacidade de concentração e na menor disponibilidade para socializar, em alterações nos padrões do sono e da alimentação”.

Inês Afonso Marques
Inês Afonso Marques [Fotografia: Oficina da Psicologia]

Por isso, entre os conselhos que deixa, Inês Afonos Marques lembra que antes de partilhar ou apoiar a partilha de conteúdos online por parte dos menores, é preciso “ponderar qual a motivação que subjaz à escolha de publicar, refletir sobre os valores que defende na educação dos filhos e perceber se a partilha se enquadra neles, recordar a noção de pegada digital e imaginar trocar de lugar com o filho.” Para a psicóloga clínica, é imperativo que os pais se coloquem no lugar dos filhos imaginem qual seria a reação, como me sentiriam com um vídeo, uma fotografia, um conteúdo em particular. Por isso, “se as noções de embaraço, vergonha, medo, zanga surgirem, vale a pena voltar a ponderar sobre a pertinência do conceito de privacidade”, aconselha a coordenadora infanto-juvenil.

A especialista reitera que “importa sensibilizar os pais para os riscos que estarão a alimentar, ao adotar possíveis comportamentos abusivos da exposição e exploração da imagem dos filhos, no seu crescimento e bem estar”. E se o direito à privacidade dos menores é inalienável, “cabendo aos pais gerir este assunto de forma equilibrada, coerente e sensata ao longo do crescimento dos filhos”, Inês Afonso Marques, acrescenta ainda a importância de acautelar a “segurança”.

É preciso distinguir se “a criança manifesta interesse e gosto na partilha de conteúdos e da sua imagem”, se se “sente obrigada a fazê-lo, quando já tem idade e maturidade para o expressar”. Sem margem para dúvidas, “o risco é pisado por exemplo quando manifesta sinais de desconforto face a uma imposição do adulto, quando as ações destes não são pautadas pelo bom senso”.

E frequentemente, alerta ainda a psicóloga clínica, essa imposição é mais evidente nos temas das orientações vocacionais: “É frequente assistir à pressão das famílias para serem feitas escolhas no percurso escolar que traduzem projeções e ideais dos pais, sem consideração pelos gostos e interesses individuais dos filhos.”