#MeToo: o acontecimento de 2017 que mudou as mulheres

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A 17 de agosto de 2017, Taylor Swift sorria e cantava vitória ao vencer, em tribunal, David Mueller. O tribunal dava razão à artista de Shake it Off, com 27 anos, que acusava o radialista da estação KYGO-FM, de 55, de a ter assediado sexualmente, em 2013. Os juízes decidiram, então, que Mueller teria de indemnizar Swift com um milhão de dólares (850 mil euros).

A cantora dava uma lição ao mundo: o assédio podia ser punido. Não era o início do #MeToo, mas os astros pareciam estar a alinhar-se e o ambiente começava a propiciar-se!

 

Afinal, estávamos ainda a dois meses daquela que seria uma das maiores – se não mesmo a maior – campanha viral do planeta, alicerçada nas denúncias de assédio sexual, ao abrigo da palavra de ordem #MeToo. Uma corrente que poderia libertar metade das mulheres do mundo e que lhes daria a possibilidade de ver a justiça ser feita sobre quem abusou delas. Um movimento que não só é o acontecimento do ano de 2017, como promete continuar a ser central em 2018.

A onda de denúncias começou nas redes sociais, a 15 de outubro, dez dias depois das primeiras revelações contra o poderoso produtor de Hollywood, Harvey Weinstein (leia toda a história aqui)terem vindo a público. A atriz Alyssa Milano, uma das vozes pioneiras e mais críticas a por a nu o magnata da sétima arte, foi quem pediu a todas as mulheres que tinham sido assediadas ou agredidas sexualmente para replicarem o #MeToo nas suas páginas. Objetivo: dar a ideia da magnitude do problema.

12 milhões de posts no Facebook em 24 horas

Logo a 15 de outubro, a hastag #MeToo foi replicada no Twitter 200 mil vezes. 24 horas depois, a mensagem da atriz já tinha ecoado em meio milhão de tweets. No Facebook, os números eram ainda mais impressionantes: em apenas um dia, a plataforma revelava que mais de 4,2 milhões de americanos tinham aceitado o repto, reproduzindo a mensagem em mais de 12 milhões de posts, comentários ou reações.


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Voltando ao Twitter, e de acordo com os dados recolhidos pela EzyInsight, no final de novembro, a plataforma reportava 1,7 milhões de tweets com #MeToo ou com outras traduções locais: #BalanceTonPorc, em França, #QuellaVoltaChe, na Itália, #YoTambién, em Espanha, #MoiAussi, no Canadá, #我也是, na China, #나도, na Coreia do Sul, #TôiCũngVậ, no Vietname, גםאנחנו#, em hebraico, e أنا_كمان#, em árabe.

Segundo a mesma empresa de recolha de dados, a frase tinha sido tópico dominante de conversa em, “pelo menos, 85 países, incluindo a Índia, o Paquistão ou o Reino Unido”, lê-se no site.

links_AcordaoOs números ainda hoje crescem (e também incluem denúncias feitas por homens), mas a uma velocidade mais lenta. No entanto, aceleram-se as acusações formais de assédio contra celebridades do cinema, políticos – como o presidente dos EUA, Donald Trump, ou o antigo George W. Bush -, jornalistas, atletas, magistrados, todas oriundas de famosas e anónimas. Não param! O site noticioso Bustle fala em “150 personalidades de topo já acusadas só nos Estados Unidos da América” (leia mais aqui).

Provando que não acontece só aos outros, estrelas como Angelina Jolie, Salma Hayek, Uma Thurman, America Ferrera, Bjork e dezenas de outras personalidades mediáticas aceitaram falar sobre o que calaram durante anos. Ficou claro que – tal como as anónimas – também elas foram e arriscaram ser vítimas de um poder desigual exercido por homens, demonstrando que estes casos são mais frequentes do que se possa imaginar.

Sem mais demora, é importante relembrar que, segundo o estudo Violência contra as Mulheres – Um olhar europeu, de 2014, e que auscultou 42 mil mulheres, metade das europeias já sofreu um tipo de assédio (veja a sínteses dos dados impressionantes aqui). No Brasil, um estudo do DataFolha concluiu que 42% das mulheres já tinham passado por situações da mesma natureza.

Um movimento com mais de dez anos

O #MeToo estreou-se em 2007, muito longe do impacto que viria ter durante o último trimestre de 2017. Criado pela ativista Tarana Burke, a frase de ordem pretendia acolher todas as sobreviventes de abusos sexuais das comunidades mais desfavorecidas.

Tarana Burke [Fotografia: DR]

“Não foi criado para ser uma campanha viral ou uma hastag que está aqui hoje e que é rapidamente esquecida amanhã. Era apenas uma frase emblemática para ser usada entre as sobreviventes e que lhes dissesse que não estavam sozinhas neste drama”, afirmou Burke à imprensa americana.


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Uma iniciativa que começou de forma bem diferente, mas que, agora, valeu àquela ativista um lugar de destaque na capa da prestigiada revista Time, que escolheu os que quebraram o silêncio sobre o assédio com a #MeToo como personalidade do ano de 2017. Este é um movimento que tem vindo a abalar sociedades fechadas, mas também as mais abertas, que tem levado governos a criar novas molduras legislativas para o assédio, que tem encaminhado empresas a prescindir de trabalhadores acusados e a aprovar códigos de conduta. Um mundo em mudança, portanto…

E Portugal: um oásis ou um emprego silenciado?

Por cá, chegou um, talvez outro, testemunho de assédio nas artes. A produtora e diretora de casting Patrícia Vasconcelos relatou o caso de comportamento indevido do ator Gerard Depardieu e Rita Blanco falou das “bocas” que as mulheres ouviam nas produções. Outras atrizes vieram publicamente dizer que o assédio existe, mas o medo de perder o emprego é o mal maior.

André Albuquerque, presidente do CENA-STE, Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos, não crê que Portugal seja um oásis, admite, porém, que os profissionais, num mercado tão reduzido, têm receio de falar sob pena de perderem os seus rendimentos.

Ao Delas.pt, o responsável relatou que o “tema do assédio foi um dos focados nos primeiros encontros e marcados como importantes assim que foi constituída a nova direção sindical (em julho)”. No entanto, explica Albuquerque, ainda “não há medidas concretas já definidas”. O presidente do sindicato coloca 2018 como horizonte para começar a trabalhar estas matérias, embora o Plano de Atividades para o ano – e que pode ser consultado no site – não faça qualquer referência à problemática.

links_AssedioQuanto a dados estatísticos – e saindo da esfera das artes – os números indicam uma realidade transversal preocupante, que põem em causa esta sensação de que, por cá, nada de grave se passa.

De acordo com o estudo promovido pela CITE e feito pelo Centro Interdisciplinar de Estudos de Género (CIEG), do Instituto de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), em 2015, “as mulheres são o alvo preferencial destas duas formas de assédio [moral e sexual] no local de trabalho”. Mais de 14,4% das 1243 inquiridas declarou ter sofrido de assédio sexual, face a 8,6% dos 558 homens que participaram no estudo.

Em agosto deste ano foi aprovada uma lei que aperta o cerco a práticas desta natureza e pune-as mais severamente, mas o governo não completou todo o processo, ao ter falhado a atualização das doenças profissionais de que sofrem as vítimas de assédio

Num outro estudo, o da Violência contra as Mulheres – Um olhar europeu, Portugal surge entre os países que registavam menos assédios quando comparado com as altas prevalência registadas nos territórios do norte da Europa. Será uma contradição? A autora nega. Em entrevista à Deutsche Welle alemã, Goodey explica que tal se deve ao facto de “em alguns estados-membros, é pouco expectável que as mulheres falem de violência sexual ou assédio”. Ou seja, os países que estão mais alerta para esta problemática são precisamente os que chegaram primeiro a estas discussões de género e violência. Logo, as mulheres denunciam mais.

Certo é que o #MeToo parece estar para ficar. Em apenas três meses e com as redes sociais a impulsionar o movimento, a vitimização pelo assédio provou ser, afinal, um dos maiores denominadores comuns a todas as mulheres do mundo. E chegou numa altura em que elas decidiram rasgar o silêncio, mesmo que tenha sido – e esteja a ser – doloroso fazê-lo.

Imagem de destaque: Shutterstock