Realizadora Ana Rocha de Sousa revela ter sido violada. Tinha 17 anos

ana rocha
[Fotografia: Jorge Amaral/Global Imagens]

“O perigo não está apenas nos lugares óbvios. Protejam-se”, pediu Ana Rocha de Sousa, de 42 anos. A atriz e realizadora do galardoado filme Listen revelou ter sido vítima de violação ainda na adolescência – tinha 17 anos – e fala agora para todos: vítimas, pais das vítimas e agressores. “[Protejam-se] seja perante a casualidade do homem anónimo escondido nas dunas. Seja perante o cantor famoso que acham conhecer e parece tão seguro porque vos encantou com palavras líricas e bonitas. Foi em 1995 a história que não vos posso contar”, afirmou no discurso de vitória do prémio Artes da Ativa Mulheres Inspiradoras 2020.

Sobre o seu caso pessoal de difícil superação, a atriz – que teria 17 anos à data do episódio traumático – não avança detalhes, mas no repto que faz todos os abusadores, levanta o véu sobre a origem do agressor. “A ti, assediador, violador. Sejas tu um outro, uma patrão, um homem da duna ou um cantor famoso. Fui ensinada a desejar o bem. O bem te desejo. Não pretendo nunca destruir a vida de ninguém. Jamais. Quero acreditar que, passados mais de 25 anos, és outra pessoa. Esperemos que sejas diferente e muito melhor”. E acrescentou, segundo o site da revista Ativa: “Quero acreditar que deixaste de fazer uso da tua fama para assediar e aliciar teenagers para o teu universo sexual, violento, louco e promiscuo. Quero acreditar que fui a única a ser forçada a crescer bruscamente sozinha na vergonha da minha culpa. Que assim tenha sido. Oxalá que assim seja. Repito: nem sou capaz de te desejar mal. Compreendo que só uma alma muito dorida, perdida e atormentada faz o que tu sabes que me fizeste. Ouve bem: nunca mais voltes a fazer. Nunca mais voltes a fazer.“

Olhando para trás, Ana Rocha de Sousa fala do arrependimento do silêncio. “Arrependo-me de muito pouco na vida, mas lamento ter guardado a história que tenho cravada por contar. A ti, menina, mulher, adolescente, eu digo: não tens culpa. Lembra-te e repete: não tens culpa. A ti, tenho imenso para dizer que pode ajudar. Escreve, se te fizer algum sentido, o que acabo de contar“, prosseguiu na mesma intervenção que fez na quinta-feira, 27 de maio, a partir do Teatro Tivoli, em Lisboa.

Um testemunho dirigido a vítimas, a quem as apoia e que não ignora as críticas que têm surgido sobre as mulheres que têm denunciado episódios de assédio, agressão sexual e violação ao abrigo do #MeToo. “Aos inconsequentes que reviram os olhos a estas meninas-mulheres que falam, estas que se chegam à frente, parem imediatamente de se enfadar. Isto não é para brincadeiras. Não são jogos de brincar. Parem já de exigir detalhes a quem, por lei, não os pode revelar. […] Saibam que a culpa, a vergonha, nos é imensamente dura e que a última coisa de que precisamos é cobrança, acusação, mais dor ou qualquer réstia de julgamento”, pediu.

O número de mulheres portuguesas célebres e anónimas que têm vindo a público revelar episódios traumáticos têm vindo a crescer, sobretudo depois da recente denúncia de Sofia Arruda, em entrevista a Daniel Oliveira, na SIC. Entre tantos e tantos nomes, estão o de Catarina Furtado ou o de Leonor Poeiras, que trouxeram relatos de assédio que podem vir de um qualquer quadrante, mas que subentendem sempre uma relação de poder sobre a vítima.