“Meu pai, meu herói”: o empoderamento da mulher através da influência positiva do pai

Lembro-me como se fosse hoje e, no entanto, passaram exatamente 22 anos. No dia 14 de março de 1995 o meu pai teve de encarar a difícil realidade: acabava de perder a mulher e a mãe das suas três filhas, vítima de um tumor cerebral que lhe tomou a existência sem dó nem piedade depois de longos meses de sofrimento. Tinha agora oficialmente de assumir sozinho o controlo do barco da parentalidade. A mais nova, eu, com apenas 12 anos, era certamente a sua maior preocupação. Apesar de ter contado sempre com a ajuda das minhas irmãs, para mim é inquestionável que, sem a constante orientação e valores que o meu pai me transmitiu, não seria hoje a mesma mulher.

É um facto que as crianças tomam como exemplo de vida aqueles que lhes são mais próximos, neste caso, os progenitores, e crescem sob a influência, quer positiva quer negativa, das palavras e atitudes destes para com elas. Mas sabia que a figura do progenitor masculino tem ainda mais impacto na formação da personalidade e autoestima de uma menina? Atualmente, não restam dúvidas. Sem querer diminuir a figura maternal, igualmente importante para a criança, para a menina o peso da aprovação do pai e a maneira como este a olha influenciam profundamente a forma como ela própria se vê. Desde o dia em que nascem, as meninas tendem a acreditar piamente naquilo que o pai lhes diz, e daí ser tão importante que este transmita diariamente uma mensagem otimista e de encorajamento.

Nos Estados Unidos, uma sondagem independente a mulheres executivas que pretendia averiguar o que estas consideravam estar na origem do seu sucesso revelou que 95 por cento das inquiridas afirmava ter tido desde cedo a forte influência de uma figura masculina. Quisemos aprofundar o tema e perceber até que ponto as mulheres bem-sucedidas e felizes foram positivamente influenciadas pelos seus pais. Jorge Carrulo, psicólogo clínico na área da saúde mental materno-infantil, dá-nos a sua análise.

Pais que são “pai e mãe”

Para mim, o meu pai sempre foi um exemplo a seguir. Após a morte da minha mãe teve de continuar o seu trabalho como empresário em nome individual e assumir sozinho a lida de uma casa – e logo ele, que nem se ajeitava assim tão bem na cozinha. O certo é que, anos mais tarde, ao telefone, era ele quem à hora de jantar me guiava passo a passo ao longo da “sua” deliciosa receita de bacalhau à Brás.

O meu pai é um homem extraordinário. Desde cedo me lembro de o ouvir frisar o valor de um comportamento exemplar, correto e digno. A importância de defendermos o nosso ponto de vista, de lutar contra as injustiças, de sermos fiéis a nós próprios. Sei de cor algumas das histórias sobre o seu tempo passado na Guerra do Ultramar como militar da Força Aérea, e fascinava-me (ainda hoje me fascina!) o seu entusiasmo e a forma como os seus olhos brilhavam quando me contava sobre o dia em que se tinha afirmado perante o oficial X, contestando-o depois de este lhe ter dado uma ordem que considerava injusta. Cresci a ouvir esta e tantas outras aventuras por terras de África, e da maioria delas retirava um ensinamento, uma moral. O meu boletim escolar repleto de boas notas refletia o incentivo que me dava para ser sempre melhor, para sobressair entre os demais, para superar sempre as minhas dificuldades. Desiludi-lo seria impensável.

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Através de uma análise de literatura de vários autores sobre este assunto, Jorge Carrulo confirma que “podemos depreender que crianças de pais altamente envolvidos apresentam mais competências cognitivas, melhores competências na resolução de problemas e melhores resultados a nível do QI. Durante o período escolar, maior envolvimento do pai está associado ao prazer de estar na escola, maior participação nas atividades escolares e extracurriculares, menos insucesso e problemas comportamentais. Na fase adulta, estas crianças serão mais propensas a níveis educacionais mais elevados, níveis mais altos de sucesso económico e educacional, sucesso profissional, competência ocupacional e bem-estar psicológico. Serão ainda mais tolerantes ao stress e à frustração, terão menores níveis de depressão, maior satisfação com a vida, maior controlo interno, mais iniciativa e menor impulsividade. Apresentam também maiores competências sociais e maturidade.” E acrescenta:

“Se lermos autores como Celeste Malpique e Victoria Secunda, percebemos que desde os primeiros anos da vida de uma menina o seu pai é maior do que tudo o resto e que tem um papel importante na autoestima. Por outras palavras, quanto maior o envolvimento do pai durante a infância e adolescência de uma mulher, maior é a sua autoestima na fase adulta. Outro aspeto importante é a admiração, o respeito e a afeição presentes e reciprocados na relação pai-filha”, afirma o especialista.

Pais que incentivam

Numa entrevista ao programa da TSF Conversa Delas, sobre as mulheres no mundo empresarial, Inês Caldeira, 38 anos, CEO da L’Oréal Portugal desde os 35, confessou que considera o seu pai e a educação que recebeu desde criança a raiz do seu atual sucesso e da sua capacidade de superar os desafios sociais com que se depara no seu dia a dia enquanto mulher num cargo de topo.

“Creio que fui educada de forma diferente. Os meus pais, talvez não de forma programada – já que acredito que foi algo muito espontâneo – sempre me incutiram, a mim e à minha irmã, que tudo era possível.”

Inês Caldeira acredita que cresceu livre de estereótipos, e que por isso não teve de reeducar o seu cérebro nem lutar contra si mesma para se convencer de que era capaz de tudo. “Lembro-me de aos sábados, em pleno inverno, o meu pai me levar para a praia para jogarmos à bola, o que não era algo muito feminino. Sempre que em certos momentos eu adotava uma posição de mais fragilidade, lembro-me perfeitamente de expressões como «Se tu não és capaz, ninguém é capaz!» e «Vamos lá a isso!» O meu pai sempre me transmitiu uma grande força de vida.”

Jorge Carrulo considera que “existem investigações que demonstraram que nas relações pai-filha caraterizadas por calor emocional, autonomia, apoio e estrutura, as mulheres apresentaram níveis mais baixos de cortisol quando submetidas a uma tarefa de conflito de enorme stress. Ou seja, em momentos de stress elevado, as mulheres que demostraram melhor capacidade de resiliência foram aquelas que tinham uma boa relação com o seu pai e não uma relação pautada por coerção, rejeição emocional e caos.

Segundo Meg Meeker, autora do livro Strong Fathers, Strong Daughters, a influência de um pai é um fator importante – se não o mais importante – no desenvolvimento das mulheres. Um pai tem autoridade que se sobrepõe à da mãe no caso das meninas/mulheres. Por exemplo, em alguns casos de mulheres que estudaram medicina, como o próprio caso de Meg Meeker, a influência do pai para seguir esta profissão foi fundamental.” Mas vamos mais longe. “Num estudo da Universidade de Maryland em 2009, concluiu-se que atualmente as mulheres são três vezes mais propensas a seguir os passos do seu pai no que diz respeito à carreira do que no início do século passado. Judith Hellerstein afirma que, nos dias de hoje, 20 por cento das mulheres seguiram os negócios dos pais, enquanto no início do século XX os números apontavam para apenas 6 por cento”, relata o psicólogo clínico.

Pais que dão asas

A adolescência foi uma fase complicada, e sei que o meu pai teve muitas dificuldades e dúvidas sobre qual a melhor forma de lidar comigo. A certo ponto já ambas as minhas irmãs tinham saído de casa, portanto estávamos totalmente entregues um ao outro. Não foi fácil. Acredito que todas as discussões que tivemos, e algumas das suas decisões e proibições, que na altura achei muito injustas, foram muito provavelmente fruto do medo que tinha de que eu me “perdesse”. De facto, não me perdi.

Anos mais tarde, já na faculdade, surgiu a oportunidade de fazer um semestre do curso em Inglaterra, ao abrigo do programa Erasmus. O meu pai foi uma das primeiras pessoas a quem contei, pensando que talvez torcesse o nariz, por não me querer ver longe. Enganei-me. A insegurança que impedia o meu pai de me conceder mais autonomia, enquanto adolescente, tinha desaparecido. Foi o primeiro a incentivar-me. Confiou nas minhas capacidades, quis que alcançasse os meus objetivos sem estar “debaixo da sua asa”. Nunca me pareceu receoso e isso tranquilizou-me, fez-me acreditar que seria capaz. Assim foi, e terminado o curso surgia outra oportunidade: um mestrado no mesmo país. Custos elevados, sem quaisquer apoios, e mais uma vez o meu pai encorajou-me a mil por cento. Proporcionou-me a melhor experiência da minha vida, na qual tive de me desenvencilhar sozinha, longe de casa e da família.

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Tive de crescer, tornar-me mais autónoma. E foi maravilhoso. Aprendi imenso, especializei-me na área em que hoje trabalho, conheci amigos que ficaram para a vida, aprendi a defender-me em situações negativas. Se não tivesse vivido tudo isto, graças a ele, não seria a mesma pessoa. Ao meu pai devo a minha essência hoje enquanto mulher, mãe e profissional. E é interessante também observar que a minha filha Margarida, do alto dos seus 3 anos, já enuncia orgulhosamente frases como “O meu papá diz que (…)”, e “Foi o meu papá que me ensinou”…

O psicólogo clínico Jorge Carrulo assegura que “Os pais devem, desde os primeiros anos de vida, incentivar, gradualmente, a autonomia dos filhos nas atividades de vida diária (pessoais e domésticas) e na sua socialização, bem como incentivar a tomada de decisões. Não podemos esquecer que uma das tarefas mais importantes na educação é a transmissão de valores, discernir entre o certo e o errado, o bem e o mal. Incentivar a tomada de decisões vai permitir à criança a noção de respeito pela sua opinião e, a longo prazo, promove a segurança, a capacidade de autorregulação e a responsabilidade. Isto pode ser conseguido desde muito cedo deixando que a criança decida que roupa quer vestir, ou que peça de fruta quer comer depois das refeições, por exemplo.”

A evolução de mentalidades, o papel do pai e os efeitos no empoderamento da mulher

Tendo em conta todos os argumentos anteriores, será que a evolução natural da sociedade, em que cada vez mais o pai tem um papel mais presente e ativo na educação das filhas, poderá dar origem a gerações futuras de mulheres mais empoderadas e confiantes? Jorge Carrulo crê que, ainda que esse seja um fator chave, há muito mais a fazer.

“Sabemos, através da sociologia, que todas as gerações são permeáveis às mudanças e à aquisição de novos conhecimentos e desenvolvimento técnico. Mas acho que isso não dependerá só do facto do homem participar mais nas tarefas domésticas e na educação dos filhos. Sem políticas de igualdade, de incentivo e promoção dos direitos da mulher e formação sobre a igualdade de género desde os primeiros anos escolares, é difícil dizer que as futuras gerações de mulheres estarão mais capacitadas ou seguras de si e que isso apenas depende da mudança do paradigma paternal. Devemos ter em atenção que o acesso à informação é cada vez mais rápido, e que a formação de opiniões é feita ao clique de um gosto no Facebook. É este acesso à informação sem filtros e a formação de opiniões num piscar de olhos que nem sempre tem resultados positivos. Uma coisa é certa: nos últimos 5 a 10 anos as mudanças sociais que estão a acontecer estão a ser muitas e rápidas.” Assim, vamos esperar para ver.