‘Mexeu com uma, mexeu com todas’ uniu vozes em todo o país contra a violação

Lisboa, Porto, Braga, Coimbra e Faro foram esta quinta-feira, 25 de maio, palco das concentrações ‘Mexeu com uma, mexeu com todas’, os protestos promovidos por vários coletivos contra a “cultura da violação” e da violência sobre as mulheres.

Estas manifestações acontecem uma semana depois das notícias sobre os alegados abusos sexuais de duas jovens, nas Queimas das Fitas de Braga e, sobretudo do Porto, o caso mais noticiado, por ter envolvido um vídeo mostrando a jovem a ser abusada e a sua divulgação por um órgão de comunicação social.

A cidade Invicta foi, por isso, a primeira a marcar uma concentração, como lembrou, em declarações à Lusa, Patrícia Morais, da rede “Parar o machismo. Construir a igualdade”. A ativista explicou que a manifestação acabou por reunir “iguais vontades e ideias” nas restantes quatro cidades que aderiram à iniciativa.

As frases de ordem dos cartazes exibidos nas diferentes concentrações refletiram isso mesmo, mantendo uma mensagem comum, apenas com pequenas variações ao nível da criatividade.


Veja imagens do protesto na fotogaleria, em cima.


“Por mim, por ti, por nós e pelas outras”, “Caminhar num espaço público, não torna o meu corpo público”, ou “Um decote não é um convite” foram algumas das frases que puderam ler nos cartazes das dezenas de mulheres, e também alguns homens, que participaram na manifestação da Praça dos Leões. Palavras de ordem semelhantes às que se puderam ver na Praça Camões, em Lisboa, onde cerca de uma centena de pessoas se concentraram.

Cartazes e corpos pintados para passar a mensagem
“Ficar a olhar é colaborar”, lia-se no cartaz de um dos manifestantes. Outros usaram o próprio corpo como porta-estandarte das reivindicações.

Nos braços e no peito escreveram-se palavras como “Autonomia” ou “Meu Corpo”. Houve quem tapasse os seios com cruzes pintadas a preto, simbolizando interdição. Uma manifestante acrescentou a isso, a frase escrita a a batom rosa na barriga: “Still not asking for it!” (“Continuo a não estar a pedi-las”, em português).

Rita Duarte, uma das manifestantes presentes na concentração de Lisboa, ostentava um cartaz com uma curta mensagem que resumia razão para se estar presente naquela concentração: “Meu corpo, minhas regras”.

“É sempre a mesma conversa: ela estava bêbada, ela estava a pedi-las. É muito complicado lidar com isto”, afirmou à Lusa. Apesar de nunca ter sofrido na pele nenhuma situação de abuso que considere grave, acrescentou que já se sentiu assustada pelo simples facto de ser uma mulher que decidiu sair à noite sozinha para se divertir.

Lançar o debate na sociedade
Joana Grilo, da Rede 8 de março, que organizou a concentração, reiterou que os protestos são contra aquilo que designam de “cultura de violação” e acredita que estes podem contribuir para “lançar o debate na esfera pública”

“Já valeu muito a pena só por pôr as pessoas a discutir isto. Já tinha acontecido também com a questão do piropo. Até alguém falar no assunto aquilo é a normalidade”, disse à mesma agência.

“Aquilo” a que Joana Grilo se refere é o vídeo de uma estudante no Porto a ser vítima de abusos sexuais num autocarro, que, de resto, levou à mobilização para estas concentrações, mas que os manifestantes esperam que seja extensível a toda as outras situações do género que ocorrem.

“A Justiça tem que agir. Estamos cá hoje para pedir Justiça”, disse Joana Grilo, que entende que o problema não está na lei, recentemente alterada, mas na ideia generalizada e enraizada que responsabiliza as mulheres pela violência de que são vítimas.

“Nós mulheres ‘sabemos’ que quando saímos à noite não podemos beber, que não podemos usar calções muito curtos, porque, depois, o que acontecer, será culpa nossa”, ironizou.

A norte, a mensagem é a mesma Para Sara Leão, do Coletivo Feminista do Porto, é preciso “chamar a atenção para a normalização que se faz da violência contra as mulheres, fazer uma reflexão em conjunto e visibilizar esta causa no espaço público”.

Além de considerar necessária a mudança da mentalidade da sociedade, a ativista alertou também para a responsabilidade das universidades e escolas como instituições do sistema educativo e “do Estado, na medida em que tem a oportunidade de fazer legislação, como a lei contra o assedio de rua”, exemplificou.


Leia mais sobre outros protestos semelhantes, em Portugal.


Patrícia Morais salientou, a partir da concentração do Porto, que a realização de diferentes iniciativas desta género, desde o início do ano, mostra que há uma vontade firme de lutar contra a cultura de violência sobre as mulheres e que não vai parar por aqui.

“Nós saímos à rua sempre que for necessário e se ainda não chegamos a metade do ano e é a terceira vez que temos de sair à rua, significa que a luta vai ser intensificada. Conseguimos em cinco dias juntar ativistas e feministas em cinco cidades diferentes. Isto significa que há aqui uma urgência e consciência de que as coisas têm de mudar”.