Micaela Henriques: “mesmo aterrorizada, nunca deixei que o medo me bloqueasse”

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Micaela Henriques tinha apenas 14 anos quando a sua vida deu uma volta de 360º. Com a morte do pai, Micaela e o irmão herdaram duas casas, sendo que uma delas foi vendida a pessoas que estavam, até então, a viver fora de Portugal. A partir daí? Desacatos, violência e agressões fizeram os dias desta então menor.

Devido a um pedaço de terreno, comum ente as duas casas, Micaela e a mãe viveram num clima de terror e medo que, segundo conta a jovem, deu lugar a insultos, agressões físicas e psicológicas, comentários racistas e falta de apoio por parte de variadas instituições. Ainda que o tribunal tenha decidido que este pedaço de terreno pertencia a Micaela, os seus vizinhos não aceitaram a decisão e continuaram a maltratar a mãe da jovem.

Entretanto, com 19 anos e a viver em Lisboa, numa residência Universitária, Micaela Henriques viu a sua mãe perder a luta contra o cancro, há cerca de cinco meses, ficando órfã e sozinha, com uma casa na qual não se sente segura. Com a pandemia do Novo Coronavírus, a situação piora e Micaela vê-se obrigada a voltar à sua residência na Atalaia, Lourinhã, onde, sozinha, vive novamente os mesmos momentos de medo – agora sem agressões físicas, que eram praticadas apenas sobre a sua mãe, mas com receios constantes.

Sem saber o que fazer mais, contou a sua história nas redes sociais e é, finalmente, ouvida pelo mundo. Veja abaixo a exposição da jovem mulher:

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Eu sempre gritei por ajuda, mas pelos vistos não foi o suficiente. Obrigada a todos por me ajudarem.

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Em entrevista ao Delas.pt, Micaela conta a sua história ao pormenor, tal como o fez na sua publicação de Instagram, mas há algo que chama ainda mais à atenção: apesar de os seus últimos cinco anos terem sido regrados de dramas, violências e perdas, a jovem tenta superar as adversidades da vida e focar-se em si e no seu futuro. Quer continuar a estudar, o seu sonho é conseguir fazer Erasmus – uma vez que foi aceite no programa – e tem pena que o mundo ainda dê demasiada importância à cor de pele ou etnia das pessoas.

Desde que colocou a sua história nas redes sociais, Micaela viu a sua história finalmente ouvida: já foi ao Programa Você na TV, da TVI, tem várias pessoas a mobilizarem-se para a ajudar quer em processos judiciais quer com ajudas financeiras e foi também acolhida por uma família, para que não fique sozinha nesta casa. Mas admite que nem sempre teve estas ajudas: “As pessoas sabiam o que se passava, comentavam, as pessoas ouviam as coisas e às vezes viam agressões na própria rua. Mas nunca tiveram coragem para testemunhar e agora já o querem fazer”, explica.

A tirar a licenciatura de Línguas, Literatura e Cultura, admite que quer acabar o seu último ano de Universidade e tirar um Mestrado: “não pretendo desistir nem parar. Sinto que o meu curso é muito geral e eu quero tentar seguir para mestrado para me focar numa área”. Ainda que, em casa, o clima fosse de tensão, Micaela sempre tentou focar-se em si e no seu futuro. “Apesar de estar aterrorizada e de ter medo, eu não me deixei bloquear a mim própria”, defende.

https://www.instagram.com/p/B1_2hTRjckM/

“Sempre me tentei focar na minha profissão, que é ser estudante. Aprendi com isto tudo a, talvez, separar melhorar as coisas e focar-me no que é importante para mim e para o meu futuro. Sinto que aprendi a controlar mais as minhas emoções”, confirma.

Ganhou o prémio de Mérito e Excelência no 12º ano, ganhou um concurso da Comissão Europeia onde teve a oportunidade de viajar um pouco por vários países e admite que sempre foi direcionada para a carreira: “apesar de toda esta situação, consegui à mesma ser aluna de mérito no 12º ano, sempre fui direcionada para a carreira e aprendi a não deixar que as minhas emoções interferissem nesse lado. Porque se eu em casa vivia num terror, eu conseguia ir para a escola e focar-me apenas nisso, esquecendo o resto. Caso contrário não teria conseguido, por exemplo, a bolsa para continuar a estudar”, explicou ao Delas.pt.

Mas Micaela não deixa de se sentir injustiçada pelo que lhe acontece a ela e no mundo, nomeadamente quando se fala em termos como o racismo e a xenofobia, ou os direitos desiguais entre os humanos.

“Não tem sentido, por exemplo, dizerem que pela minha situação ou pela minha cor de pele não tenho direito a herdar uma casa, assim como não tem sentido nem há justificação possível que em 2020, ou mesmo em 1990, estas situações aconteçam. Não se compreende como é que num mundo cada vez mais aberto e onde viajamos tanto e estamos em constante contacto com novas pessoas e culturas tão diferentes, seja possível que, por uma característica à qual não se consegue controlar e que ninguém escolhe, ser-se julgado por isso. Não é a cor dos nossos olhos, pele ou cabelo, ou a classe social, que nos vai definir se podemos ir ou não mais longe que os outros, ou se vamos herdar algo ou não”, defende Micaela.

Por entre desafios vários, esta jovem de apenas 19 anos continua a lutar por si e pelo seu futuro, garantindo que não vai deixar que o terror e o medo se apoderem de si, continuando focada naquilo que sabe que a vai fazer feliz.