Nem sempre as nossas ações são premeditadas, mas todas querem dizer alguma coisa. Descobrir uma traição nunca é fácil e a palavra não tem exatamente o mesmo valor para todas as pessoas: o que é traição para uns pode não ser necessariamente para outros. No meio de tudo isso, começam a surgir novos conceitos como o de micro-traição. Mas o que é afinal uma micro-traição?
Existem pelo menos oito razões que, cientificamente, estão provadas como sendo ‘culpadas’ pela ação da traição. Mas, de acordo com alguns especialistas, a micro-traição não é bem o mesmo – embora os seus malefícios possam ser igualmente maus. Micro-traição é o termo usado para as pequenas coisas que se fazem e que “têm sussurros de infidelidade”, como refere o artigo da revista feminina Cosmopolitan, que se debruça sobre este conceito – mas que não chegam à parte física. Falar com outras pessoas ou tocar na mão de alguém, por exemplo, quando está embriagada, são sinónimos de micro-traição, argumenta, no artigo, Tammy Nelson, terapeuta de relações e sexo.
Micro-traição: mito ou existe mesmo?
Para Margarida Vieitez, terapeuta de família e casais, a micro-traição é apenas “mais um rótulo para definir uma realidade que acontece desde sempre e que pode ser considerada como traição, dependendo dos valores e crenças das partes envolvidas.”
A especialista explica que o importante é que o casal saiba “adquirir a consciência se um, ou os dois, sentem necessidade de ter flirts, aventuras ou conversas mais íntimas com uma outra pessoa. Acontece, na maioria das situações, porque as suas necessidades afetivas, emocionais ou sexuais não estão satisfeitas e é urgente os dois conversarem sobre isso antes que se transforme num “macro problema” e conduza à rutura da relação”, avisa.
Já o psicólogo José Carlos Garrucho, também terapeuta familiar e de casal, considera este conceito não apenas abusivo como também agressor: “Cada pessoa tem direito à sua liberdade individual e mesmo numa relação ou num compromisso há os seus limites, ou seja, não é uma entrega absoluta. Sou contra esse tipo de conceito associado à ideia de traição. Não existe micro-traição. Os seres humanos são naturalmente sedutores e seduzem-se mutuamente. Os atos de sedução não têm que pôr em causa a relação. Assim, se eu olhar para o lado, estou a trair a minha parceira?”, questiona.
Como saber se ultrapassámos ou não “a linha” do que é aceitável
Precisamente nesse contexto, outra das afirmações do artigo da Cosmopolitan é que “nós sabemos que ultrapassamos a linha quando sabemos que o nosso parceiro se vai sentir incomodado com as nossas ações”. Sobre este tópico, ambos os especialistas entrevistados pelo Delas.pt partilham da mesma opinião, embora de prismas diferentes.
Margarida Vieitez afirma que “a transparência é um dos compromissos mais sérios numa relação e um alicerce básico numa relação de confiança e amor” e que é necessário é que nos interroguemos e tentemos entender “quais as razões subjacentes a esse mesmo comportamento. O foco deverá estar no que o outro sentirá, mas incide igual e especialmente na pessoa que sente essa mesma vontade, mente ou oculta”.
José Carlos Garrucho afirma ainda: “eu não poderei nunca fazer apenas e só aquilo que o outro me permitir ou tolerar. Isso não é assim. Porque eu estou a colocar o outro no controle da minha liberdade”. O psicólogo defende que, no limite, se o outro se sentir mal só por alguém olhar para nós, então aí estaremos a aprovar comportamentos austeros e fundamentalistas.
“A questão da liberdade é desde logo, e em primeiro lugar, uma questão de fidelidade para com o próprio, ou seja, quando eu ultrapasso aquilo que são os meus valores, estou a ser infiel aos meus compromissos, não aos da outra pessoa”. Para o especialista, é importante que o casal estabeleça os seus próprios limites e que encontrem um termo onde ambos concordam: “se os valores do meu parceiro não são coabitáveis com os meus, então o melhor é mudar de parceiro”, afirma.
A traição em função do “sentir-se novamente desejado”
Uma das razões apontadas para a micro-traição é que “muitas vezes, estas situações acontecem não porque nos sentimos atraídos pela outra pessoa mas sim atraídos pelo nosso novo eu. Ou seja, sentir que essa pessoa nos deseja, que somos desejados novamente”, refere o artigo citado acima. Mas será isso o suficiente para justificar seja o que for?
Para Margarida Vieitiez, “a solidão, falta de valorização e apreciação, a ausência de admiração reciproca e a falta de atenção, a par da vivência dos mais variados problemas na relação, promove, na maioria das situações, o não se sentir nem aceite nem amado e, por isso, a procura de tudo o que está “em falta” em outras pessoas”.
Para o psicólogo José Carlos Garrucho, a necessidade de se “sentir desejado” é algo não só normal no ser humano como também natural. “É normal que eu me sinta bem quando tenho mais pessoa a desejarem-me. Aliás, as pessoas esforçam-se para isso, por isso é que estão todos nas redes sociais e procuram ter o máximo de seguidores e o máximo de likes”, explica.
Mas o especialista explica ainda que, se nos seguíssemos então por este conceito de micro-traição, “todas as pessoas praticam permanentemente traição, o melhor é acabar com as relações. Ou com a ideia de relação. Não há relação, porque somos todos permanentemente traidores. Porque, segundo esse critério de micro-traição, o que aconteceria era isso”, conclui.
Margarida Vieitez conclui, afirmando que “todos temos uma perceção única do que é traição. Logo, o rótulo micro não faz qualquer sentido. Faz sentido sim, que os casais conversem sobre um dos valores mais importantes numa relação que é o respeito e como se sentem respeitados. Isto, sim, é muito importante”, enfatiza.
Para ambos os especialistas, este não parece ser um conceito real – ou há traição, ou não há. Na galeria de imagens acima vai encontrar oito razões que tendem a incentivar uma traição.