O ator Miguel Borges acredita que ‘Carga’ vai “abrir os olhos” das pessoas para o tráfico de seres humanos

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“Ainda bem que faço parte deste projeto, que posso de alguma maneira abrir os olhos às pessoas. Porque isso existe: és raptado, és roubado, és traficado, perdes a identidade, perdes a tua qualidade humana, passas a ser um objeto. É uma morte lenta.” É assim que o ator Miguel Borges resume, ao Delas.pt a sua experiência em ‘Carga’, filme sobre o tráfico de seres humanos, em particular o tráfico de mulheres para exploração sexual.

Em ‘Carga’, que estreia a 8 de novembro, Miguel Borges faz de Mário, um homem que pertence à rede de tráfico. Mas a sua personagem representa mais do que os maus da fita.

“Construí a minha personagem cobardemente na minha postura como ser humano perante esse assunto. Eu digo que isto acontece todos os dias e não se fala disso, mas eu também não falo nisso, eu também não penso nisso, porque essa informação não me chega, é-me desviada. Não lês, não vês notícias sobre isso. Não se fala nisso. E se não se fala nisso, não existe, não se pensa nisso. Portanto, construí-a um bocado nesse silêncio, nessa cobardia, que, se calhar, mais do que da personagem é a minha, que é a de não fazer nada.”

Grande parte das falas previstas para a personagem acabou por ser cortada precisamente para sublinhar esse silêncio, como conta o ator. Um silêncio que, diz, simboliza a impotência, a apatia individual e coletiva da sociedade perante uma realidade que muitas vezes está mais próxima do que se pensa e que se prefere ignorar. É o que Miguel Borges designa de “a violência do silêncio”. Apesar de tudo, mas sem adiantar mais pormenores, revela que Mário, a sua personagem, “de alguma maneira dá uma volta no filme”.

Miguel Borges [Fotografia: Luís Sustelo]
Quanto a si, refere que com o filme começou “a ter muito mais consciência desta realidade”, que é o tráfico de seres humanos. “Passei a saber realmente”, destaca, elogiando a coragem do realizador (Bruno Gascon) e da produtora (Joana Domingues) de tratarem um tema desta natureza. “Acho de uma coragem extraordinária estes dois putos conseguirem fazer um filme destes. Acho extraordinário mesmo”, afirma.

E isso foi tão ou mais determinante que a história para aceitar o convite para participar em ‘Carga’. “Apresentaram-me um guião de que eu gostei muito, sobre um tema que eu achei que era importante falar. Mas mais do que o guião até foram eles: pessoas que chegam ao pé de mim, que querem fazer um projeto, uma longa-metragem sobre um assunto super polémico, que existe debaixo dos nossos narizes, e nós não temos sequer consciência de que ele existe. Mas existe. Todos os dias, em todo o lado, e em Portugal bastante e ninguém fala nisso. E é um dos piores crimes do mundo. Privar alguém da sua liberdade é inqualificável.”

 

Michalina Olszanska e Miguel Borges [Fotografia: Luís Sustelo]

Um filme com estas características que implica cenas muitas vezes duras e violentas física e emocionalmente, os momentos de descontração entre colegas de equipa são particularmente importantes para o reequilíbrio.

“É a única maneira de fazer uma coisa tão pesada, teres depois esse lado do corte, teres essa leveza, a esperança. Estás a falar de uma cena tão negra e quanto mais negra a pintas…E por mais negra que a pintes nunca vais pintá-la tão negra quanto na realidade é, atenção!”

Por esse motivo, Miguel Borges acredita que este é filme é “mesmo importante, tem mesmo de ser visto”. “E não é pelo nosso trabalho, é pela mensagem, pelo conteúdo em si. Eu próprio nem sei falar bem nisto. Mas tem de se fazer alguma coisa. Como, o quê? Não sei, não é esse o meu papel. O nosso papel, desta equipa, é abrir os olhos às pessoas”

E as pessoas, diz, “vão ficar atrapalhadas, vão sentir-se impotentes porque vamos dar-lhes uma carga que vão ter de começar a transportar, que não dá para continuar a ignorar”.

Design multimédia: Lília Gomes

A atriz polaca é a protagonista do filme ‘Carga’ e representa uma vítima de tráfico

‘Carga’ estreia a 8 de novembro. O Delas.pt dedica um dossier especial ao filme que trata o tráfico humano