Mimicat: “A música que só fala de rabos e pernas não funciona”

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Marisa Isabel Lopes Mena, ou Mimicat, o pseudónimo que escolheu para ser conhecida junto do público português, está de volta com uma imagem renovada. De fora ficaram as roupas inspiradas diretamente das décadas 1940 e 50, concordante com sonoridade jazz/soul do seu primeiro disco, ‘For You’. A cantora passa, agora, a assumir um estilo urbano e atual, mais próximo da identidade que pretende para o seu segundo álbum [com data de lançamento ainda por anunciar], mas sobretudo mais próximo da sua personalidade. O Delas.pt esteve à conversa com a artista de 27 anos e tentou perceber se esta transformação se prende apenas à aparência.

A que se deveu esta mudança de imagem?

A transição que fiz na imagem está a ser acompanhada pela transição que estou a fazer na música. Estava associada a um género musical mais old school e a imagem que eu tinha estava coerente com a música que fazia. Neste momento, como estou a fazer uma música mais moderna, numa sonoridade mais pop e mais contemporânea, fazia, para mim, todo o sentido de ter uma imagem mais próxima disso. Até porque é imagem mais próxima daquilo que eu sou no dia-a-dia. Sentia a necessidade, no fundo, de começar a passar essa mensagem mais verdadeira às pessoas. Fui-me distanciando, ao longo do tempo, da personagem que criei para o primeiro álbum. Às tantas percebi que já não fazia sentido assumir essa personagem. Tinha mesmo era de assumir aquilo que eu sou.

Em que momento se apercebeu que a sua imagem já não correspondia com aquilo que era?

Nos concertos comecei a perceber que quem lá ia levava uma imagem de mim completamente diferente. Achavam que era muito séria e muito bem-comportada. Nunca fui isso, mas apercebi-me que a culpa era minha porque era isso que está a transmitir às pessoas. Estava apenas e só nas minhas mãos voltar a ter esse controlo.

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Porque é que sentiu necessidade de se afastar de género musical que fez o seu sucesso?

Na verdade não me afastei do género. O que estou a fazer é experimentar outra vertente. As influências continuam a ser as mesmas. Continuo a ser uma cantora de soul, continuo a ouvir [músicas] old school, R&B. O que estou a fazer é trazer isso tudo para uma sonoridade mais pop. A minha composição começou a mudar um pouco. À medida que se vai evoluindo enquanto artista, vai-se percebendo o que nos pode fazer mais feliz. Ao vivo comecei a perceber isso. Aquilo que eu estava a dar às pessoas não é aquilo que eu sou. Fui caminhando nessa direção, percebendo que tipo de sonoridade moderna é que gostava e aplicar isso na minha própria música.

E que artistas ouve neste momento?

Tenho ouvido mesmo muito o último disco da Beyoncé [‘Lemonade’] que acho que está muito bem feito. Tenho ouvido os últimos trabalhos do John Legend, como sempre ouvi, ou de Liane La Havas. Tenho ouvido muito hip-hop por causa do João [namorado de Mimicat] como Kendrik Lamar ou Dr. Dre.

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Não tem medo que o público estranhe esta mudança?

Tinha imenso receio, aliás essa foi uma das coisas das quais me libertei. À medida que fui crescendo enquanto artista, também fui crescendo com alguns receios. Cresci com muitos estigmas e ainda por cima era muito snob em relação à música. Também aprendi a perceber que não, apesar de, se calhar, não ser bem aquilo que estava habituada a ouvir. Comecei a ouvir coisas novas e a reconhecer que também poderia gostar disso.

Que receios eram esses?

Tinha medo que as pessoas achassem que eu tinha mudado por uma questão comercial. Tinha receio, também, que depois desta mudança as pessoas não me reconhecessem, mas a verdade é que as pessoas também não sabiam que aquilo que eu era, na verdade, não era eu. Fui-me libertando destes conflitos internos e a [música] ‘Fire’ [o seu mais recente single] foi o desbloqueio desses receios todos. Quando o tema saiu, fiquei expectante quanto à reação das pessoas, mas surpreendi-me muito porque o público adorou o novo visual. Algumas pessoas disseram-me, inclusivamente, que a minha nova imagem é muito mais parecida com aquilo que eu sou. O feedback negativo foi quase nulo.

Um bom conteúdo vive sem uma boa imagem?

Para mim não. Vivemos numa era em que as coisas estão constantemente a evoluir, a nossa sociedade não está preparada para aceitar coisas que não são visualmente atraentes, embora possa existir um conteúdo muito bom. O contrário também acontece. Pode-se ter uma boa imagem, mas depois é necessário ter algo mais para as pessoas ficarem agarradas.

No fundo são indissociáveis uma da outra…

Para mim sim. No mundo da moda vive-se apenas da imagem, mas na música, se um artista pretender ter uma carreira, a imagem não vale por si só.

Qual é a importância que a opinião que os outros têm sobre si?

Neste momento é muito pouca. Houve uma altura em que eu diria que tinha muita. Preocupava-me imenso. Hoje em dia não.

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O importante é estar bem consigo própria?

Na verdade é isso. Resolvi-me. O problema não estava nos outros, mas em mim. Estava com uma crise de auto-estima e de confiança que ultrapassei. Agora sei lidar com isso de uma maneira melhor.

O que é fez para ultrapassar essas inseguranças?

Na verdade, não lhe sei dizer qual foi o processo. Para mim, a música tem um poder quase curativo e é uma grande catarse quando se consegue mandar as coisas para fora quando se escreve música e eu tenho essa facilidade. A ligação que tenho com a música é muito pessoal. O tema ‘Fire’, na altura que o escrevi, estava numa espiral de sentimentos negativos. Só escrevia coisas a queixar-me e que o mal estava nos outros, mas não estava. O mal estava em mim. Quando escrevi o primeiro verso da música [‘I got a fire burnin’ deep inside’], tive uma espécie de epifania. É só isso. Perceber que há qualquer coisa cá dentro e que se tem confiança nisso. Conhecer aquilo que somos e atribuir o seu devido valor. No fundo foi isso que me aconteceu. Com isto percebi o meu valor. Consigo fazer coisas interessantes. Toda a gente tem alguma coisa cá dentro que vale a pena mostrar. Perceber isso, foi o que me fez seguir em frente.

A música ‘Fire’ é o seu mais recente single. Uma antevisão do seu segundo álbum que tem o propósito de inspirar as pessoas que passam por algum tipo de discriminação. Não consegue conceber a música sem esta componente inspiradora?

Não. Não era uma compositora a sério se não precisasse de qualquer coisa que me levasse a escrever. No meu primeiro álbum tinha imensas músicas que não eram relacionadas com a minha experiência pessoal, mas que eram inspiradas noutras pessoas. Mesmo quando não é diretamente comigo, preciso de ter qualquer coisa, uma história. Às vezes até um filme. A minha música tem de ter sempre uma mensagem. Para mim tem de ter conteúdo. A música que só fala de rabos e pernas não funciona.

Acha que as mulheres presentes na indústria musical recorrem excessivamente à sexualidade para vender a sua música?

Algumas destas mulheres já são muito sexuais por natureza. Sempre foram. Recorrem à sexualidade ao perceberem que aquilo é um atributo que as ajuda a singrar de alguma maneira. Não tenho nada contra isso. Se uma cantora sabe os seus atributos e sabe que não tem uma grande voz então que use esses atributos.

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Sentir-se-ia capaz de seguir esse caminho?

Não acho que isso tenha algo de mal. No meu mais recente videoclipe, mostrei bastante a barriga. Penso que não é propriamente escolher um caminho. No meu caso, o desejo de mostrar mais pele, ou qualquer coisa do género, é um questão de estar confortável com o meu corpo. O corpo é de cada uma de nós, por isso se uma mulher o decide mostrar, que o faça à vontade. Desde que se sinta bem com isso e confiante, porque não?! Não tenho grande estigma com isso. Agora o que elas dizem, sim. Não são os videoclipes e o quanto elas mostram o rabo.

Para além de uma sonoridade mais pop e urbana, o que é que o público pode esperar deste segundo álbum?

Este álbum só tem uma canção que não é sobre a minha história pessoal, mas sim inspirada numa cena que eu vi num filme. A música chama-se ‘Crazy’ e a temática é sobre uma rapariga que de dia é um paraíso, mas à noite é um pesadelo. A música é justamente sobre essa dualidade, que no fundo, apesar de não ser especificamente sobre mim, acaba por ir de encontro a aquilo que eu sou. Todos nós temos esta dualidade. O resto do álbum é sobre as minhas relações pessoais, nomeadamente da minha relação com os meus pais e com o meu namorado.

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No meio de tantas mudanças de aparência, quem é, afinal, a Mimicat?

A Mimicat é uma rapariga completamente normal. Não tenho nem mais nem menos do que ninguém. Sou uma pessoa criativa, que busca a sua saúde mental através da música e acho que tenho muito para oferecer aos outros. Sou uma pessoa muito feliz, porque sou muito amada. Tenho muita sorte com todas as pessoas que estão à minha volta e acho que sou uma boa pessoa. Na verdade sinto-me bem comigo própria, porque acho que cresci bem. Estou bem neste mundo.