Moçambicanas Serafina e Emília já se veem livres da “escravidão da água”

Água Moçambique
Fotografia de Agnieszka Flak/Reuters

As moçambicanas Serafina, 36 anos, e Emília, 22 anos, consomem horas a procurar água, que pode não chegar para lavar os pés, mas desde ontem já podem sonhar com uma torneira a jorrar o líquido em casa.

Num país onde as raparigas perdem aulas por percorrerem mais de 12 horas para ir acartar água muitas vezes não tratada ou são pressionadas a casarem-se cedo para reforçar a “mão-de-obra familiar”, a presença do governador da província de Inhambane, Daniel Chapo, nos distritos de Morrumbene e Homoíne, sul do país, para anunciar o início da construção de redes de abastecimento de água potável, teve direito a momentos normalmente vistos apenas em feriados.


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Algumas mulheres levaram a melhor capulana (tecido que as moçambicanas envolvem o corpo da cintura para baixo) para ouvir Chapo anunciar que a “libertação” da servidão da água chegará em 2017, outras esmeraram-se em ensaios para dançar e cantar para o governador e comitiva e professores e enfermeiros não foram ao trabalho, porque a importância do anúncio o justificava.

“É verdade? Teremos mesmo água na torneira a sair a partir de 2017? Não acredito que essa escravidão, esse sofrimento, vai acabar!”, espantou-se perante os jornalistas Emília, quando foi questionada sobre a notícia de que na quinta-feira começava oficialmente a construção de uma rede de fornecimento de água potável no distrito de Homoíne, a mais de 400 quilómetros de Maputo.

A partir das três de madrugada, narrou Emília, as raparigas do bairro Hanhane, na sede da vila de Homoíne, já não têm sono, porque sabem que tem de andar a pé mais de seis horas, três de ida e três de volta, para ir buscar a água numa lata de 25 litros à cabeça na única fonte da zona.

Serafina, com seis filhos, também tem de fazer uma maratona de seis horas de ida e igual número à volta, para trazer água que “muitas vezes não chega nem para lavar os pés”.

“As famílias e os rapazes têm pressa em casar as meninas para que possam ir buscar água”, diz a mulher, repercutindo o fenómeno dos chamados casamentos prematuros nas zonas rurais moçambicanas.

Vai ser construído um sistema de abastecimento de água
Falando no lançamento da primeira pedra para a construção do sistema de abastecimento de água em Homoíne, o chefe de Operações da Delegação da União Europeia (UE) em Moçambique, Enrico Strampelli, cuja entidade financia com nove milhões dos 10 milhões de euros do projeto em três distritos, afirmou que a iniciativa constitui um passo importante para a melhoria das condições de vida da população das áreas beneficiadas.

“O envolvimento da UE neste projeto é uma contribuição importante para a melhoria das condições de vida da população e para o desenvolvimento sustentável na região”, frisou Strampelli.

Por seu turno, o governador da província de Inhambane afirmou que a disponibilidade de água tem impacto em toda a vida da população, realçando a importância no desenvolvimento humano, através dos benefícios na educação e saúde.

“Sem água não há vida, precisamos de água para preparar os alimentos, cuidar das plantas e para a higiene”, declarou Daniel Chapo, no comício que se realizou em Homoíne e em que usou um tom mais pedagógico sobre a importância deste elemento.

Dados fornecidos pelas entidades envolvidas na iniciativa apontam que as infraestruturas a serem construídas vão permitir que bebam água potável, pela primeira numa torneira de casa, a partir de 2017, cerca de 50 mil pessoas de Morrumbene e Homoíne, e também de Jangamo, onde a construção do sistema de abastecimento de água já está em curso.

O projeto prevê a construção de três estações de captação e tratamento de água em cada um dos três distritos e a construção de uma infraestrutura que permitirá o fornecimento às casas das famílias das zonas beneficiárias.