Mónica Neubert: Uma portuguesa no Tennessee que luta contra as leis que proíbem o aborto

Os dias de Mónica Neubert são feitos de luta. A portuguesa emigrada no Tennessse, nos EUA, de 44 anos, tem estado nas ruas a batalhar, como nunca, pelos direitos das mulheres e, mais recentemente, contra a vaga legislativa norte-americana pela interdição do aborto.

Mais: esta antiga funcionária da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, mãe de uma rapariga de 18 anos, já está a antecipar medidas caso as restrições tomem mesmo de assalto a lei do país. “Caso aconteça alguma coisa e os preços das pílulas do dia seguinte disparem, e eu não vá a tempo de comprar nada, a minha irmã já está alerta para me mandar vir de Portugal ou de França”, refere esta mulher natural de Viseu, artista e ativista a viver nos EUA há sete anos.

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Na luta pelos direitos das mulheres, Mónica juntou-se com uma amiga, Amy Frazier, e levou para a sua região residencial, para Hawkins County, o movimento apartidário e progressista Indivisible, para lutar pelos direitos, em particular das mulheres e pelo voto.

Monica Neubert temn estado em campanhas para angariar novos eleitores para as próximas eleições [Fotografia: DR]
Monica Neubert temn estado em campanhas para angariar novos eleitores para as próximas eleições [Fotografia: DR]

“Nem imagina a quantidade de ameaças, de morte até, que recebemos, mas a mim não me calam, não me vão fazer parar”, afirma a portuguesa, que ergue a voz ao mesmo tempo que vai recuperando de dois aneurismas que a levaram a cirurgias realizados nos EUA que custaram “um milhão de dólares (900 mil euros) e que está a pagar às prestações”, revela.

“As mulheres têm de estar unidas nisto”

A verdade é que, atualmente, “a pílula do dia seguinte ainda é de venda livre nos supermercados e podem ser comparticipadas, dependendo dos seguros, com preços variáveis entre os dez e os 60 dólares (9 e 54 euros)”, conta Mónica, mas tudo isto pode mudar. “É preciso estarmos prevenidas”.

Embora o Tennessee não tenha aprovado nenhuma lei restritiva, certo é que já fez passar os mecanismos que permitem aceitar a lei nacional, qualquer que ela seja e caso haja uma mudança. “Há três estados – o Arkansas, Kentucky e Tennessee – que assinaram a trigger law (lei gatilho) e que, no caso da lei geral ser eliminada e acabarem com a Roe vs Wade [um caso judicial histórico de 1973, que definiu proteções para casos de aborto e as estendeu a nível federal], o aborto passa a ser automaticamente ilegal no estado, não sendo necessário fazer mais nada. E já há outros estados a fazer isso”, revela a portuguesa. “As mulheres têm de estar unidas nisto, isto é um atentado aos direitos das mulheres”, clama.

Esta é uma outra forma de produzir eventuais alterações legislativas, mas que seguem caminhos diferentes daquelas que têm vindo a ser notícia, como no caso do Alabama. Este estado, recorde-se, aprovou, na semana passada, a mais restritiva lei que interdita o aborto até em casos de violação e incesto, definindo uma pena máxima de 99 anos para os médicos que o fizerem.

“Para lá do Alabama, os que estão a aprovar diplomas neste sentido são a Georgia, o Ohio, o Mississipi, Luisiana, Missouri, Kansas, Utah, Indiana e Dakota do Norte”, enumera, de cabeça, Mónica Neupert. Esta portuguesa estabelece depois as ligações: “Temos que ver que estes estados que passaram agora estas leis – e que não estão ainda em efeito – são, na maioria republicanos. O Alabama está em último lugar a nível educacional e a miséria com que vivem lá é imensa”, relaciona esta portuguesa.

Paralelo semelhante estabelece para o estado onde vive há sete anos: “O Tennessee é pobre a nível educacional. A minha filha tem imensas amigas da idade dela já grávidas e a casarem-se”, lamenta.

“Isto não tem a ver com proteger as crianças, mas com o controlo das mulheres”

Para a ativista portuguesa, esta corrida às proibições prende-se apenas com as mulheres e não apenas com as crianças e campeia e cresce numa onda de fake news. “No Alabama passaram a lei, mas, depois, os democratas quiseram proteger as mães e crianças que nascessem, quiseram criar um melhor sistema de saúde, maior proteção na infância e com serviço de saúde público e os republicanos negaram isso tudo. Eles estão interessados em controlar as mulheres”, refere esta técnica que, em Portugal acompanhou famílias, menores e jovens em risco.

“Eles estão tramados, eles estão a mexer nos nossos direitos e nós vamos lutar”

“Eles [republicanos] não querem, por exemplo, saber dos embriões fertilizados que estão nas clínicas e ainda à espera de virem a ser usados. Disso não querem eles saber porque não estão na barriga da mulher”, reitera Neubert. Portanto, Mónica não tem dúvidas: “Isto não tem a ver com a proteger a criança, mas com o controlo das mulheres. Só que eles estão tramados, eles estão a mexer nos nossos direitos e nós vamos lutar”, promete a portuguesa.

Aliás, a ativista não crê que os estados consigam criar pressão para mudar a lei federal até ao fim do mandato presidencial de Donald Trump, que termina em 2020. “Isto agora vai demorar porque os diplomas que foram aprovados nos estados ainda vão aos tribunais de pequena instância, só depois é que vai a nível federal”. Por isso, prossegue a portuguesa, “não acredito que consigam mudar antes das eleições. Esta vaga é uma questão eleitoralista que pretende apenas chamar os fanáticos”.

Imagem de destaque: Reuters

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