Morreu Adília Lopes. Poetisa “do feminino” e do “quotidiano” tinha 64 anos

Adilia Lopes (poetisa)
Adilia Lopes [Fotografia: Paulo Spranger/Arquivo]

Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira, nascida em Lisboa, a 20 de abril de 1960, morreu esta segunda-feira, 30 de dezembro, no hospital de São José. Morreu com ela o seu pseudónimo e uma das vezes mais raras da poesia contemporanêa em Portugal: Adília Lopes.

Um desaparecimento que tem vindo a ser lamentado por figuras da política nacional e também das artes, que têm deixado mensagens de pesar e tristeza um pouco por toda a parte.

Com mais trinta livros de poesia publicados desde a estreia, por via da obra Um Jogo Bastante Perigoso, editado em 1985, Adília Lopes contava com quatro décadas de obra literária, completados em 2024 e assinalados sobre o poema de estreia publicado no Anuário de Poetas não Publicados, da Assírio & Alvim, em 1984.

“Adília surgiu com um poema que escrevi no meu diário quando uma gata minha, a Faruk, desapareceu”, revelou a escritora – mas também cronista, tradutora e documentalista – numa entrevista ao jornalista Carlos Vaz Marques, citada no `site` da Direção-Geral do Livros, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB).

Começou por estudar Física na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, mas acabaria por desistir na sequência de lhe ter sido diagnosticada “uma psicose esquizo-afectiva. Tema, aliás, que abordou múltiplas vezes na sua obra. Mais tarde, regressaria ao bancos da faculdade, mas para outras matérias: Literatura e Linguística Portuguesa e Francesa, na Faculdade de Letras. Estreia-se na publicação de livros em 1985, segue-se, no ano seguinte, O Poeta de Pondichéry e, em 1988, O decote da dama de espadas, coletânea de poemas dos anos de 1983 a 1987.

Em 2000, reuniu pela primeira vez a sua produção literária num só volume, Obra e voltaria a fazê-lo nove anos depois pela Assírio & Alvim, sem nunca ter parado de escrever.

“O estilo de Adília Lopes, aparentemente coloquial e `naïf`, está repleto de jogos fonéticos, associações livres, rimas infantis e idiomas estrangeiros”, refere a biografia apresentada pelo CDAP, destacando o olhar da autora sobre os “temas do quotidiano, principalmente femininos e domésticos, tratados com humor e auto-ironia, candura e crueza, inteligência e intencionalidade”.

A vasta obra da poetisa – que sofreu influências de Sophia de Mello Breyner Andresen, Nuno Bragança, Ruy Belo, Roland Barthes, Emily Brönte, Condessa de Ségur e Enid Blyton – foi traduzida para múltiplas línguas, figura em antologias nacionais e estrangeiras e tem sido amplamente estudada.

“A Adília Lopes saiu. Saiu deste mundo onde vivia dentro de outro mundo só dela que felizmente nos deu a conhecer”, escreveu a atriz Ana Bola, nas suas redes sociais. “Morreu não só uma poeta como também uma pessoa singular. Fico mais triste sem ela”, acrescentou. Também a cantora Carolina Deslandes deixou uma nota de pesar: “A Adília escreveu sem querer impressionar ninguém, e não há melhor forma de escrever. A Adilia punha em poesia toda a incerteza certa das loucas. A Adilia queria saber das coisas imperfeitas e achava o defeito a coisa mais extraordinária do mundo. A Adilia fez-me sentir menos só. Menos esquisita.”

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, recordou hoje Adília Lopes como uma poetisa “única na sua geração e em qualquer geração”, considerando que a autora deu “uma visão alternativa do que é a poesia”.

Numa nota divulgada no ‘site’ da Presidência da República, o chefe de Estado considera que havia nos versos e nas anotações diarísticas da poetisa, que morreu na segunda-feira aos 64 anos, “uma dimensão de divertimento e um subtexto de desamparo que a tornaram única na sua geração e em qualquer geração”.

“Desde os primeiros livros, na década de 1980, que Adília Lopes estendeu o conceito do poético na poesia portuguesa contemporânea, jogando, de forma lúdica ou sofrida, com o trivial, o confessional, o falsamente inocente, o humorístico, o desarmante e até o perverso, não deixando de manter uma mundividência mais benevolente do que céptica, e jamais cínica”, salienta Marcelo Rebelo de Sousa.

O Presidente da República considera também que a autora “teve uma vida tão intensa quanto discreta”. “E o seu aparente prosaísmo deu-nos uma visão alternativa do que é a poesia”, acrescenta.

com Lusa