Mulheres artistas esquecidas protagonizam livro ‘A História da Arte sem homens’

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[Fotografia: Pexels/Olly]

A História da Arte sem homens, de Katy Hessel, é uma obra inovadora que reescreve a História da Arte, colocando as mulheres no centro da narrativa, recuperando cerca de 300 artistas e suas obras, até aqui ignoradas ou menosprezadas.

Lançado em 2022, o livro da historiadora de arte e curadora britânica Katy Hessel, conhece agora uma versão portuguesa, traduzida por Joana Márkus Neves, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, e editada pela Objetiva. A obra já está nas livrarias portuguesas.

A História da Arte sem homens desafia a tradicional visão eurocêntrica e, principalmente, masculina da História da Arte, recuperando o legado de centenas de artistas mulheres que foram apagadas ou negligenciadas ao longo dos séculos, oferecendo uma análise abrangente que vai desde a Idade Média até ao século XXI.

“Esta não é uma história completa – seria uma tarefa impossível – mas tenciono desconstruir o cânone com que tantas vezes fui confrontada na cultura em que cresci”, afirma a autora, na introdução do seu livro.

Quantas mulheres artistas conhece? Quem faz a História da Arte? Havia mulheres a fazer arte antes do século XX? Quem foram as pioneiras que abriram caminho para as criadoras de hoje? Quantas mulheres constam das coleções permanentes dos grandes museus? Estas são algumas das questões que desafiam o leitor, as mesmas que instigaram a autora a desenvolver este trabalho, como a própria explica.

Tudo começou em 2015, quando Katy Hessel visitou uma feira de arte e percebeu que entre milhares de obras, nenhuma era de uma mulher, o que a levou a questionar-se se conseguiria lembrar-se de 20 artistas do género feminino, de 20 anteriores a 1950 ou de uma que fosse anterior a 1850. A autora constatou que não e concluiu que sempre vira a História da Arte de uma perspetiva masculina.

Foi a estudar a artista americana Alice Neel (1900-1984) que reparou na “monumental sub-representação de mulheres artistas”, que não estavam em galerias, nem em museus, nem em exposições contemporâneas, nem na História da Arte.

Katy Hessel assinala que quando se fazem listas dos artistas que se considera terem definido o cânone da História da Arte, invariavelmente surgem nomes como Giotto, Boticelli, Ticiano, Leonardo, Carvaggio, Rembrandt, David, Delacroix, Manet, Gaugin, Van Gogh, Kandinsky, Pollock, Freud, Hockney ou Hirst.

“Mas quantas destas artistas reconhece: Anguissola, Fontana, Sirani, Peeters, Gentileschi, Kauffman, Powers, Lewis, Macdonald Mackintosh, Valadon, Höch, Asawa, Krasner, Mendieta, Pindell, Himid?”, questiona a investigadora, confessando que, ela própria, se não tivesse passado os últimos sete anos a estudar ativamente mulheres artistas, não conheceria mais do que uma pequena parte delas.

No entanto, Katy Hessel reconhece que isto nem sequer é uma surpresa, citando um estudo publicado em 2019, que revelou que nas coleções de 18 dos principais museus dos EUA, 87% das obras eram da autoria de homens e 85% de artistas brancos.

Três anos depois, à data da edição original deste livro, as artistas mulheres perfaziam apenas um por cento da coleção da National Gallery de Londres.

No início desse ano, quando a historiadora realizou uma sondagem para aferir o conhecimento do público inglês de mulheres artistas, os resultados mostraram que 30% dos inquiridos não sabiam indicar mais de três (e 83% das pessoas entre os 18 e os 24 anos não conheciam sequer três) e mais de metade dizia nunca ter aprendido nada sobre mulheres artistas na escola.

Lembrando que aquela que é tida como a “bíblia” da introdução à História da Arte – “A História da Arte”, de E.H. Gombrich – não incluía uma única mulher na sua primeira edição (1950), e apenas uma na sua 16.ª edição, Katy Hessel espera que “este livro crie um novo guia para suplementar” o que já se conhece.

Graças à ajuda de artistas, historiadores de arte, académicos e curadores de todo o mundo, Katy Hessel conseguiu escrever este livro, que começa no século XVI e termina na década de 2020, dividido em cinco partes, cada uma das quais dedicada a momentos ou mudanças significativas na História da Arte, sobretudo no Ocidente.

Ao longo de quase 500 páginas, a historiadora apresenta uma obra vastíssima que inclui os quadros impressionantes da pintora renascentista Sofonisba Anguissola, as obras radicais de Harriet Powers no século XX, a história fascinante da baronesa Von Freytag-Loringhoven, a verdadeira criadora do ready-made, as contemporâneas Zanele Muholi e Lubaina Himid, sem esquecer a famosa mexicana Frida Khalo, a portuguesa Paula Rego e a pintora barroca italiana Artemisia Gentileschi, de quem a autora escolheu a frase que abre este livro: “Já vos mostro do que uma mulher é capaz”.

Seja o tema a Idade de Ouro holandesa, o assombroso trabalho das artistas latino-americanas do pós-guerra, ou as mulheres que estão a definir o conceito de Arte na atualidade, “A História da Arte sem homens” surpreende e desafia o ‘statu quo’, com a inclusão de novas formas de arte até aqui ignoradas ou menosprezadas.

Em vez de as apresentar como exceções, Katy Hessel mostra neste livro que as mulheres estiveram sempre a produzir arte de alta qualidade, mas foram sistematicamente excluídas do cânone oficial.

A História da Arte sem homens aborda as dificuldades históricas enfrentadas pelas mulheres artistas, como o acesso limitado à educação formal e as barreiras institucionais, mas também celebra suas conquistas e resiliência.

Com uma escrita acessível, esta obra – que tem sido amplamente elogiada por académicos, críticos e leitores – é um convite à revisão da História da Arte, oferecendo uma visão mais completa, diversificada e justa do legado artístico mundial.

Como diz a autora, “os artistas assinalam momentos históricos através de um meio excecionalmente expressivo, permitindo-nos compreender a sua era. Se não virmos arte produzida por um vasto leque de pessoas, não estaremos a ver a sociedade, a História ou a cultura como um todo. Por isso, espero que este livro seja o primeiro de muitos, de modo a expandir ainda mais o cânone”.

Lusa