
Salários que eram recebidos pelas mulheres que viviam e trabalhavam nos centros e que tinham depois de ser devolvidos na íntegra à Opus Dei, pedidos expressos para autorizar um simples corte o cabelo, proibição de livros até para fazer exames de faculdade porque eram tentadores, a interdição do uso de calças que alegadamente era feita por Deus e, claro, as mortificações corporais, cilícios e disciplinas que eram obrigadas a cumprir.
Estes são alguns dos episódios que Maria Isabel Arias com 60 anos conta da sua passagem por uma das mais secretas instituições da Igreja Católica. Esta professora espanhola entrou na Obra de Deus aos 14 anos e meio, encaminhada por uma vulnerabilidade, e saiu há 25. Hoje, é uma das 13 mulheres que revela o duro processo de saída da instituição e o que se passa dentro da Opus Dei, que foi fundada pelo padre católico Jose Maria Escriva de Balaguer, a 2 de outubro de 1928. Maria traz à luz um relato duro do que classifica a vida num “inframundo”, onde todos os detalhes da vida estavam e estão à mercê e controlados por quem está acima.

Ao contrário de muitas mulheres ouvidas em O Minuto Heróico – Eu Também Deixei a Opus Dei, o documentário de quatro episódios, que se estreia esta sexta-feira, 7 de fevereiro, na plataforma de streaming MAX, Maria Isabel Arias não regressou à sociedade sem nada na mão porque tinha trabalho como professora. Contudo, muitas – entre numerárias, agregadas e auxiliares – recomeçaram mesmo sem nada – tudo o que ganhavam entregam à instituição, porque a obra nada lhes dava na hora de querem dizer adeus. Saíram de uma vida inteira de trabalho, dedicação e sacrifício sem horizonte de emprego, sem descontos para a Segurança Social, sem registos fiscais ou sem qualquer verba para poderem reconstruir uma vida e desfeitas emocional e psicologicamente. Algumas a quem lhes foi vedado o desejo de serem mães, como se vê no documentário.
“A Opus tem muito cuidado para que a sua imagem seja perfeita, mas agora, com o documentário, acho que isso vai mudar”, crê a professora. “Em geral, a sociedade tem uma visão muito superficial do Opus, pessoas educadas, com dinheiro, em cargos de gestão, com poder, mas o submundo do Opus não se conhece, o meu caso concreto deu-me vergonha, parecia que o que estava a dizer era como estar a falar em marciano”, recorda a professora, que carregou consigo “muitos anos com problemas a nível físico, emocional, mental”. “Comecei com problemas de alimentação na Opus Dei, tinha sempre gastrites, ulceras e mais não sei o quê, e à medida que me fui afastando fui-me sentindo melhor.” A nível emocional, acrescenta a professora, “creio que melhoras, mas nunca te curas, a ferida está aí”.
Maria Isabel e mais 12 mulheres, algumas com pouco menos de 30 anos, de geografias como a Irlanda ou América Latina, contam como era o seu quotidiano extenuante na obra, as múltiplas orações, as mortificações, o silício e os jejuns a que se sujeitavam em nome da salvação, e revelam, por trás de tudo isto, um esquema de coação e permanente vigília em todos os momentos.
A jornalista Mónica Terribas, que juntou neste trabalho testemunhal profundo vários olhares de repórteres vocacionados no tema e especialistas em matéria de saúde mental, espera que este documentário convoque atenções para quem quer saber mais sobre a Opus Dei, mas também pôr a própria organização a repensar-se e, quem sabe, a redimir-se.

Para já, a Obra não quis participar ou reagir ao documentário, mas Mónica Terribas lembra que há muito mais gente a ter de dar explicações. “Se não tomarem decisões do Opus Dei, terá de ser o Vaticano a fazê-lo, porque a responsabilidade é da prelatura do Opus Dei e, acima, do Vaticano”, sublinha a documentarista.
Confrontada se o trabalho que estreia esta sexta-feira, O Minuto Heróico, traz indícios de crime, Mónica Terribas considera que “há uma clara violação de direitos, de muitos direitos”. “Por exemplo, o mais básico começa por colocar uma menor numa instituição, por a separar da família. Mas, depois, há a violação da comunicação privada, a coação psicológica, tudo o que já se sabe. Portanto, em todas estas ações acredito que existem comportamentos coercivos que podem ser qualificados no sentido que está a dizer”, afirma a jornalista e autora. Para Maria Isabel Arias, “a Opus Dei tem de pedir perdão, uma indemnização por danos, porque muitas mulheres estiveram a trabalhar sem receber, sem cotizar, sem nada”, a que se juntam sequelas emocionais, físicas e mentais para a vida inteira.