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Mulheres do setor têxtil lideram a resistência em Myanmar

Fotografia: Twitter

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O cenário em Myanmar é várias vezes descrito como caótico. No início de fevereiro os militares abriram um capítulo trágico ao derrubar o governo recém-eleito e tomar o poder com um golpe de Estado. Centenas de milhares de pessoas entraram em greve ou saíram às ruas para se fazerem ouvir. Entre os demais, estavam mulheres e, muitas delas, do setor têxtil.

Atualmente, o setor do vestuário é, depois da agricultura, o grande motor económico de Myanmar, em parte pela proximidade com a China e, sobretudo, porque a mão-de-obra é, ao lado da de Bangladesh, a mais barata do mundo.

Cerca de 90% do setor é ocupado por mulheres, apontou a revista S Moda.

Contudo, e tendo em conta que o país foi dos últimos a entrar para a “corrida têxtil”, também foi dos primeiros a ser derrubado pela pandemia. Um estudo publicado pela Organização dos Direitos dos Trabalhadores, em novembro de 2020, concluiu que mais de 70% dos trabalhadores da região viram os seus salários reduzidos ou cortados, não só pelos meses de confinamento forçado, mas também pelo cancelamento de encomendas por parte de várias marcas ocidentais.

Sobre uma realidade onde o sofrimento é diário e, tantas vezes, ignorado, Livia Firth, ativista e embaixadora da ONU, deu uma entrevista na qual as suas ideias pareciam ecoar socorro: “As trabalhadoras têxteis não estão apenas a morrer do vírus, elas também estão a morrer de fome”.

A partir daí foi dado palco a diversos movimentos como o “I made your clothes” (em português, “Eu fiz as tuas roupas”) e “Pay your debt” (“Paga o que deves”), associados ao facto de várias lojas terem fechado durante a pandemia e, por consequência, terem cancelado as encomendas de roupa, mesmo sabendo que as peças já estavam terminadas, ou seja, que a mão de obra e os materiais já tinham sido gastos.

Este acumular de problemáticas, sem fim à vista, levou a que muitas mulheres, na sua maioria, o principal sustento do agregado familiar, vissem na prostituição o único método de subsistência.

“Faço isto a pensar na minha família, em como é que os vou alimentar”, foi um dos testemunhos ouvidos pelo jornal The Guardian. Hla, de 19 anos, consegue cerca de 3,45 euros, por dia, com o trabalho sexual. O pouco que é conseguido é usado para comprar arroz e leite em pó para alimentar o seu filho, ainda bebé.

Num outro cenário, e numa tentativa de controlar as consequências advindas dos protestos, dia 29 de março, mais de mil trabalhadoras têxteis foram presas dentro da fábrica da GY Sen, que trabalha com nomes como a Primark. Até ao momento, algumas empresas cancelaram pedidos e outras, como a H&M, condenaram publicamente o golpe e estão a ponderar medidas, além da interrupção imediata de encomendas.

Segundo relatos ouvidos pelo jornal britânico, os trabalhadores eram, ainda, pressionados a fazer horas extras em excesso, sendo ameaçados de demissão se recusassem os turnos extras. Além disso, os funcionários apenas recebiam o equivalente a 71 cêntimos por cada hora a mais.

Em Myanmar, há quase um milhão de mulheres trabalhadoras no setor têxtil que, nos últimos anos, tem conseguido alcançar os seus direitos, como um salário mínimo e horários regulados. Contudo, é crescente a necessidade de um posicionamento por parte das grandes marcas em relação aos seus fornecedores.