Mulheres e crianças são as mais afetadas pela crise na Venezuela

A mortalidade materna e infantil “aumentou substancialmente” nos últimos anos na Venezuela devido à crise e já há crianças com sintomas de malnutrição no país, alerta hoje a Human Rights Watch.

O alerta consta de um relatório daquela organização de defesa dos direitos humanos, hoje divulgado, intitulado ‘Crise Humanitária na Venezuela – Grave Escassez Alimentar e de Medicamentos, Resposta Governamental Inadequada e Repressiva‘.

Segundo a Human Rights Watch (HRW), a Venezuela vive hoje uma crise humanitária profunda, que resulta da grave escassez de medicamentos e equipamento médico, assim como de uma séria carência de alimentos e outros bens essenciais, o que “torna difícil para muitas pessoas obter nutrição adequada e cobrir as necessidades básicas das suas famílias”.

Os autores do relatório exemplificam com as conclusões de um relatório interino do Ministério da Saúde da Venezuela, a que a organização teve acesso, segundo as quais a taxa de mortalidade no país foi de 130,7 mortes por cada 100 mil nascimentos entre janeiro e maio deste ano.

Esta taxa é 79% mais alta do que os dados mais recentes divulgados pelo Governo venezuelano, em 2009, que apontavam para 73,1, enquanto entre 2003 e 2008, a taxa andava entre 49,9 e 64,8.

Profissionais de saúde no terreno disseram à HRW que a falta de medicamentos e as condições de pouca higiene nas salas de parto hospitalares são fatores que contribuem para estes números.

Um outro documento interno do mesmo ministério indica que a taxa de mortalidade infantil nos primeiros cinco meses do ano foi de 18,61 mortes por cada mil nados vivos, número que representa um aumento de 21% face à taxa de 15,4 reportada pelo governo às Nações Unidas em 2015 e de 45% face à taxa de 12,8 registada em 2013.

A HRW entrevistou mais de 100 pessoas sobre a situação humanitária na Venezuela em junho, tanto em Caracas como em seis outros estados, conversas que tiveram seguimento por telefone e outros meios.

Os investigadores da organização visitaram oito hospitais públicos, um centro de saúde junto à fronteira com a Colômbia e uma fundação que presta serviços de saúde.

Uma das conclusões foi que a carência, e por vezes ausência total, de medicamentos básicos e outros equipamentos médicos têm provocado uma grave deterioração da qualidade e da segurança dos cuidados de saúde nos últimos dois anos.

Em agosto último, um estudo realizado por uma rede de mais de 200 médicos concluiu que 76% dos hospitais públicos tinham falta de medicamentos básicos que deveriam existir em qualquer hospital público.

Pessoas em emergência médica ou com doenças crónicas, como cancro, hipertensão, diabetes ou epilepsia, lutam para encontrar medicamentos essenciais, que não estão acessíveis em farmácias públicas e privadas ou são excessivamente caros.

A “angústia e a incerteza é um pesadelo diário”, disse a mãe de uma menina de nove anos com diabetes sobre os seus esforços para encontrar os medicamentos de que a filha precisa.

A alimentação é outro problema: muitos venezuelanos têm cada vez mais dificuldade em encontrar nutrição adequada, particularmente entre as famílias de médio e baixo rendimento, que dependem de bens sujeitos a preços controlados pelo Governo.

Alguns mercados têm alimentos, e até produtos de luxo, mas os preços são tão elevados que muitos não conseguem comprá-los.

A HRW entrevistou pessoas à espera em longas filas para comprar bens sujeitos a preços controlados, mas muitas vezes os produtos esgotavam-se antes de toda a gente ser atendida.

No seu relatório, de 67 páginas, a HRW sublinha que o Governo venezuelano tem minimizado a severidade da crise, que atribui a uma “guerra económica” levada a cabo pela oposição interna, o setor privado e os poderes estrangeiros.

Essas acusações, para as quais o executivo não apresenta provas, servem para legitimar o uso de táticas autoritárias para intimidar e punir os críticos, nomeadamente profissionais de saúde, defensores dos direitos humanos e civis que denunciam as carências, alerta a HRW.

“O Governo da Venezuela tem sido mais vigoroso a negar a existência de uma crise humanitária do que a trabalhar para resolvê-la”, lamentou o diretor da HRW para a região das Américas, José Miguel Vivanco, citado num comunicado da organização.

Embora os esforços do executivo para aliviar as carências não tenham surtido resultados, Caracas fez poucos esforços para obter assistência humanitária internacional, que poderia estar disponível rapidamente, alerta ainda a HRW.

 

Fotografia REUTERS/Henry Romero