Mulheres e homens juntos contra acórdão e “juiz machista”

Meio milhar de pessoas no Porto e cerca de duas centenas em Lisboa não quiseram calar as vozes e, no fim de tarde desta sexta-feira, 25 de outubro, deram corpo às manifestações que querem protestar contra o acórdão do juiz Neto de Moura.
Nele, o desembargador – corroborado pela magistrada Maria Luisa Arantes – minimiza o crime público por este ter sido exercida sobre uma mulher que estava a cometer adultério.
Segurando um cartaz onde se lia “o juiz é adúltero”, Jorge Milheiro, na manifestação marcada para a praça que ficava a poucos metros do Tribunal da Relação, exibiu a sua indignação, considerando, em declarações à Lusa, que “não é justo que o juiz tenha usado os termos que usou dirigidos a uma mulher que caiu numa cilada provocada pelo amante“.
Criticou também o recurso pelo juiz “ao Código Penal de 1886 que já está caduco há muitos anos” e, sobre a posição do Conselho Superior de Magistratura de avançar com um procedimento disciplinar considerou ser pouco.
“Não me parece boa ainda, eles estão a ver no que é que isto dá, mas a opinião pública é unânime em rejeitar o que o juiz fez e isso devia ser levado em consideração”, disse o cidadão de 72 anos para quem o Ministério Público “devia tomar uma posição sobre isto”.

“Machismo é crime” e magistrados devem ter mais formação

Esta foi uma das frases que se fez ouvir no centro de Lisboa, aquando do protesto com o mesmo fim. Mas havia outras que estavam a ser empunhadas por cerca de duas centenas de manifestantes. “Juiz machista não faz justiça”, “demissão” foram também repetidas neste encontro. Os manifestantes, entre eles vários deputados do Bloco de Esquerda, empunharam cartazes com palavras como “Contra a cobardia”, “No século XXI não queremos juízes do século XIX”, ou “Diga não à violência contra a mulher” (imagens que pode ver na galeria acima).
“Mais uma vez a justiça teve uma decisão altamente sexista, a decisão do Tribunal da Relação envergonha-nos e choca-nos. Nada justifica a violência contra as mulheres, estamos aqui para dizer basta“, disse Joana Sales, dirigente da União de Mulheres Alternativa e Resposta, UMAR, uma das entidades que convocou a concentração.
Porque “é na rua que se muda a consciência” e as políticas, “estamos aqui para mostrar o nosso desagrado”, disse a responsável, lembrando que “machismo é crime”. Joana Sales não disse se o juiz devia ou não ser afastado mas defendeu “formação constante dos magistrados“.

“O raciocínio do juiz é um bocado grotesco”, afirma Zimmler

Richard Zimmler, escritor norte-americano radicado no Porto, juntou-se aos manifestantes que mostraram a sua indignação na praça em frente ao Tribunal da Relação. À Lusa, o escritor explicou que o fez para “mostrar solidariedade às vítimas de abusos, de violações, e para exigir um sistema de justiça que responda às necessidades e que defenda as pessoas mais frágeis vulneráveis“.
E sobre o acórdão, não poupou nas críticas: “o raciocínio do juiz é um bocado grotesco ao referir a Bíblia”, defendendo “uma separação total entre a religião e o Estado”.
“Temos o exemplo do “casamento” entre a religião e o governo, que se chamou a Inquisição portuguesa e que durou de 1536 até 1770″, recordou o escritor, considerando que apesar de não poder comentar decisão por não conhecera lei, já o raciocínio “foi caricato, grotesco e anacrónico”. E prosseguiu: “a parte mais preocupante, para mim, é esta tentativa de legitimar a utilização de violência doméstica. O sistema de justiça que legitima a utilização de violência é um falso sistema de justiça”.

40 entidades pedem explicações aos magistrados

Numa petição coletiva dirigida ao Conselho Superior da Magistratura (CSM) – o órgão de gestão e disciplina dos juízes -, 29 organizações promotoras dos Direitos Humanos das Mulheres, apoiadas por onze organizações de outros sectores da sociedade civil, lembram que o Estado de Direito Democrático está consagrado na Constituição e na lei, garantindo a igualdade entre cidadãos e cidadãs.
Os subscritores da petição solicitam ao CSM a tomada das medidas que considere “justas, proporcionais e eficazes” face ao dano público e notório “à imagem da justiça em Portugal” e à “confiança dos cidadãos e das cidadãs na independência e na imparcialidade dos tribunais” causado pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto relativo a um caso de violência doméstica.
Alertam também para o dano causado à segurança jurídica por “uma decisão que encoraja a violência contra as mulheres com base em estereótipos que as consideram inferiores aos homens e propriedade sua”.
Apontam ainda o dano causado à vítima da violência, por “desproteção do seu estatuto próprio, por intromissão ofensiva na sua vida privada, por imposição abusiva de um código de valores incompatível com direitos, liberdades e garantias assegurados pela ordem jurídica portuguesa, por tratamento discriminatório face aos perpetradores apenas por ser mulher, e por indiferença face ao perigo de a expor a novos atos de violência“. O CSM tinha adiantado na terça-feira, 22 de outubro, que iria analisar e dar resposta às participações e manifestações de desagrado recebidas contra o acórdão.

CB com Lusa

Imagem de destaque: Global Imagens