A luta pelos direitos humanos em 2018 foi liderada pelas mulheres, que assumiram a dianteira do ativismo pelos direitos, liberdades e garantias. A análise é feita pela Amnistia Internacional (AI) e divulgada esta segunda-feira, 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, e quando se assinalam também os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
“Em 2018, testemunhámos os autoproclamados líderes “durões” a tentar minar todos os princípios da equidade – alicerce das leis dos direitos humanos. Mas foram as mulheres que ofereceram a mais poderosa visão, este ano, de como combater esses líderes repressivos”, afirma Kumi Naidoo, secretário-geral da Amnistia Internacional.
A organização de defesa dos direitos humanos sublinha que o poder crescente das vozes femininas “não deve ser subestimado” e que não só “os movimentos dos direitos das mulheres estão bem implantados”, como “as ativistas têm dominado as maiores manchetes sobre direitos humanos no último ano”.
A Amnistia destaca, por exemplo, o movimento da América Latina ‘Ni Una Menos’, que “galvanizou movimentos de massas em torno dos direitos das mulheres numa escala nunca antes vista”. Mas não fica por aqui, lembrando também os milhares que ocuparam as ruas na Índia e na África do Sul contra “a violência sexual endémica”, as ativistas detidas na Arábia Saudita e no Irão, as manifestações na Argentina, Irlanda e Polónia contra as leis de penalização do aborto ou as segundas marchas inspiradas no movimento #MeToo que juntaram milhões nos Estados Unidos, Japão e Europa, contra a misoginia e o abuso sexual.
Mas o documento da AI ressalva também que muito esse ativismo feminino tem na origem causas que não dão motivos para celebrar e baixar os braços.
“Os direitos das mulheres têm sido constantemente num patamar abaixo de outros direitos e liberdades, pelos governos que acreditam que podem tratar estes assuntos apenas com palavras enquanto fazem muito pouco na realidade para proteger os direitos de metade da população”, refere Kumi Naidoo.
Para piorar, nota o dirigente da organização “grande parte dos líderes mundiais lançaram novos ataques aos direitos das mulheres com as suas narrativas misóginas e divisionistas”.
“Estes políticos tentam argumentar que estão a proteger os valores tradicionais que representam os interesses da família, mas na verdade eles estão a impor uma agenda que nega às mulheres uma igualdade básica”. As leis e o subfinanciamento de políticas de saúde sexual e reprodutiva são uns dos exemplos apontados.
A Amnistia Internacional recorda ainda as mulheres que foram mortas ou presas pelo seu ativismo e pela defesa dos direitos humanos, como a brasileira Marielle Franco, morta no início do ano, Ahed Tamimi, a adolescente palestiniana que esteve 21 dias detida em Israel, e Loujain al-Hathloul, Iman al-Nafjan e Aziza al-Yousef, as três ativistas sauditas que se encontram detidas por fazerem campanha pelos direitos das mulheres no país.
Portugal: AI regista progressos mas alerta para problemas persistentes
O documento da Amnistia faz também uma análise por países e as conclusões sobre Portugal, com base em relatórios de organismos nacionais, revelam ainda alguns obstáculos aos direitos das mulheres preocupantes. Desde logo, o facto de elas continuarem a ser as mais afetadas pela violência de género.
Nas medidas tomadas contra essa violência, a AI regista que os dados da Direção-Geral de Políticas da Justiça que mostram que o número de condenações por violência doméstica é residual, quando comparado com os números de participações registadas pelas forças de segurança.
De modo análogo ao ocorrido em outros países, uma luta eficaz pela erradicação da violência contra as mulheres e pela igualdade e não-discriminação de género também se exigiu nas ruas de várias cidades de Portugal, sobretudo o combate à violência sexual de género após divulgação de um acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, recorrendo a uma fundamentação da qual emergem evidentes estereótipos de género, condenou os dois arguidos, homens, pela prática de um crime de abuso sexual de uma mulher quando inconsciente.
O documento sublinha que uma semana após a publicação do referido acórdão, o Governo anunciou reconhecer a necessidade de alterar o Código Penal no sentido de melhor acomodar os pressupostos da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção de Istambul) em matéria de crimes sexuais.
2019: Um ano de referência para os direitos das mulheres
O próximo ano continuará a ser um período especial para as pessoas do sexo feminino. Em 2019, a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Violência sobre as Mulheres (CEDAW, na sigla em inglês) faz 40 anos e Kumi Naidoo acredita que será um importante marco para o qual o mundo não se pode dar ao luxo de ignorar.
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