Mulheres motoristas: “Sabemos conduzir melhor”

É ao volante do automóvel que Marny Guerreiro, 36 anos, Cidália Correia, 32 anos, e Telma Pires, 39 anos, passam os dias. Motoristas em plataformas de mobilidade da grande Lisboa, estas três mulheres transportam dezenas de passageiros diariamente. Uma profissão ainda muito associada ao sexo masculino, que espanta quem entra para o banco de trás e encontra, ao comando, uma mulher.

“Às vezes acontece entrar uma cliente e dizer: ‘Ah, é a primeira vez que encontro uma mulher a conduzir. Que bom!’. Acabam por se sentir mais à vontade. Noto isso. E à noite, quando encontram uma condutora, também sinto que ficam mais descansadas. Essa é a proteção feminina, uma mulher vai entender outra mulher, conta Marny.

Também Telma tem assistido a este sentimento de segurança quando uma passageira entra no carro: “Não trabalho muito à noite, mas quando acontece já tenho apanhado senhoras que dizem sentir mais segurança por serem transportadas por uma mulher. Talvez porque ainda há aquilo de… é um homem. Há quem diga que eles é que sabem conduzir, já está comprovado que não. Nós, mulheres, sabemos conduzir melhor”.

Há quase dois anos a dirigir pelas ruas da capital portuguesa, Cidália sente que tem melhorado a técnica e acredita que o facto de ser mulher não a impede de fazer bem o trabalho que lhe compete: “Normalmente, até ouço elogios por conduzir bem e não precisar de fazer sete manobras para encostar ou estacionar o carro. Além disso, com o hábito a condução melhora”.

“Já ouvi algumas piadas machistas, mas ignoro na hora”, Marny Guerreiro

Embora de vez em quando existam alguns comentários menos agradáveis e com ponta de maldade, estas três mulheres não desanimam: “Ao início, ouvia mais essa boca do ‘mulher ao volante, perigo constante’, mas pronto… como sou o tipo de pessoa que não leva nada a mal, passa-me ao lado”, revela Cidália. O mesmo faz Marny: “Já ouvi algumas piadas machistas, mas ignoro na hora. Só houve uma vez que um cliente me chamou pela aplicação três vezes e as três vezes recusou o serviço. Chamava e cancelava assim que eu aceitava; depois voltava a chamar e a cancelar. Aí eu pensei: ‘Será que é por eu ser mulher?’”.

Trabalhar entre comentários de género e piropos

Tão recorrentes quanto os comentários de género são os piropos. “’Ai é muito gira’ é uma das expressões que ouvimos em qualquer lado e que, aqui, temos de ter mente aberta para encaixar e seguir com o nosso trabalho. O cliente entra, sai e nada mais. É preciso saber como lidar”, conta Telma.

Nunca tive nenhum caso em que me sentisse verdadeiramente assediada. Já me pediram número de telemóvel, mas digo que não e os rapazes respeitam. São situações que levamos na brincadeira. Nesse campo, noto que os meus colegas homens são mais assediados que eu, tendo já recebido convites para subir ou ir beber um copo”, revela Cidália.

Sozinhas dentro de um carro e sujeitas ao pedido de deslocação dos passageiros, estas mulheres acabam por estar diante de alguns riscos. Marny sentiu o medo na pele quando, na aplicação, lhe surgiu um pedido de um cliente aparentemente normal.

“noto que os meus colegas homens são mais assediados que eu, tendo já recebido convites para subir ou ir beber um copo”, conta cidália Correia

Foi uma situação mesma delicada, porque não sabia o que podia acontecer. O cliente estava acompanhado de uma pessoa estrangeira e percebi a situação: ele queria comprar droga. Então, o cliente pediu-me para os levar até um determinado local, que era o sítio onde estava o vendedor. Quando chegámos disse: ‘O meu amigo vai entrar no carro’. Percebi que o automóvel era um ambiente seguro para eles e que, era aí, que fariam a transação. Mandaram-me voltar a conduzir e mudaram o destino várias vezes”, justifica Marny. A motorista acabou por comunicar a situação à organização da plataforma e o cliente foi bloqueado: “Reportei a situação e foi decidido que essa pessoa não tinha perfil para ser nosso cliente”.

Embora nenhum dos passageiros tivesse tido comportamentos agressivos ou mostrado estar armado, Marny só desejava que aquela situação terminasse: “Não sabia o que a situação podia gerar, por isso decidi aguentar até ao fim. Tive medo e foi preciso manter a calma. Só rezava para que aquilo acabasse e acabou, graças a Deus. Mas foi um susto, fiquei uma semana sem conduzir na plataforma”.

Plataforma de mobilidade: uma segurança também para quem conduz

Além do bom serviço que tentam prestar aos passageiros, as plataformas de mobilidade preocupam-se em manter a segurança de quem conduz o carro. Na Taxify, aplicação que surgiu em janeiro deste ano no mercado, todos os motoristas e clientes têm uma pequena ficha com dados que permitem identificá-los.

Sei sempre que cliente vou apanhar. Mas vamos imaginar que é a pessoa certa e que, por algum motivo, é mal criada ou tem alguma atitude negativa. Aí reporto imediatamente e o passageiro pode ser bloqueado. Se for uma situação mais grave, temos os dados todos do cliente, o que é sempre uma segurança para nós, que estamos deste lado”, conta Telma.

“‘Ah mas é mulher, não tem medo de conduzir de noite?’ Não… Sempre foi muito tranquilo”, Marny Guerreiro

Destacado pelas três motoristas foi o facto de não existir transação monetária: “Aqui não mexemos em dinheiro, o que para mim é fantástico. Não há aquela insegurança de o ter e ter que o esconder”, revela ainda Telma.

Mas as medidas de segurança não se ficam por aqui. “O carro que conduzimos está localizado por GPS e tem instalado um sistema que permite saber o número de lugares ocupados. Isto é super-seguro”, acrescenta Cidália.

Sentindo-se protegidas, não existem horas melhores ou piores para deitar as mãos ao volante. “Questionavam muito: ‘Ah mas é mulher, não tem medo de conduzir de noite?’ Não… Sempre foi muito tranquilo, até gostava. Porque trabalhava menos horas, tinha mais tempo para mim, para a casa, para as crianças e para o meu marido. Podia passar algum tempo com eles e ir trabalhar depois”, conta Marny.

“Às vezes alargo um bocado o meu horário para apanhar a malta da noite”, conta Cidália

Também Telma admite não ter problemas em conduzir à noite e diz só não o fazer por questões familiares. Já Cidália, solteira e sem filhos, confessa que este é um horário que até lhe agrada: “Foi a altura em que mais me diverti, porque apanhava a malta da noite aos fins de semana. Estava sempre a rir, era muito bom. Tanto que às vezes alargo um bocado o meu horário para apanhar a malta da noite”.

Contentes e confiantes do trabalho que prestam diariamente, estas três mulheres não se sentem deslocadas ou menos femininas, pelo contrário. “Nós, mulheres, já conquistámos muitos passos e penso que começa a desaparecer essa imagem de áreas maioritariamente masculinas. Estamos ao volante e estamos bem!”, remata Marny.

Percorra a galeria de imagens para conhecer estas três mulheres motoristas e (re)ler algumas declarações.

[Fotografia de destaque: Paulo Spranger / Global Imagens]

Mulheres ao volante? Na Arábia Saudita é sinal de progresso

Afinal, quem é que manda na hora de comprar um carro?