Estudo sobre o AVC dá prémio Mulheres na Ciência

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Como é fazer ciência em Portugal? Como é resistir ao impulso de sair do País para procurar maior financiamento para as investigações? Há vantagens em ficar por terras lusas? Maior liberdade, estruturas menos pesadas, possibilidades de liderar projetos mais cedo são razões que as vencedoras das Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência apontam para escolherem Portugal para trabalhar. E como é ser cientista e mulher?

Maria Cavaco Silva, Primeira-Dama ainda em funções, entregou ontem os galardões e na cerimónia afirmou que “o amor torna tudo possível” referindo-se ao facto de duas das cientistas premiadas não terem prescindido de serem mães, recentemente, ao mesmo tempo que fazem ciência de ponta. A pequena conversa conduzida antes por Rita Ferro Rodrigues, que apresentou a cerimónia, incidiu bastante nesse ponto, na igualdade de acesso às chefias e na igualdade de responsabilidades em casa.

Ana Catarina Fonseca, sentada no meio das premiadas, vestida com um sóbrio casaco branco, não se junta ao grupo das mães, está empenhada no desenvolvimento de excelência da sua investigação e afirma ao Delas.pt, numa entrevista prévia, que o importante é que todos tenham acesso a fazer ciência de qualidade. Nunca se sentiu prejudicada por ser mulher e afirma que fez a opção da ciência em primeiro lugar. Só isso.
A Torre das Neurociências do Hospital de Santa Maria é o ambiente natural de Ana Catarina Fonseca, que divide o seu tempo entre a investigação clínica, com pacientes humanos, e o ensino. A cientista agraciada pela L’Oréal este ano é, aos 34 anos, assistente hospitalar no Hospital de Santa Maria e professora auxiliar da Faculdade de Medicina, Farmacologia e Neurologia de Lisboa. Estamos agora na Unidade de Hemodinâmica Cerebral, onde chegam todos os dias doentes de acidentes vasculares cerebrais, isquémicos ou hemorrágicos, e ali é onde se estuda o movimento do sangue no cérebro quando há um AVC ou, nas palavras de Ana Catarina Fonseca:

“Utilizamos um exame que é o dopler, onde se vê o fluxo do sangue nos vasos intracranianos quer fora do crânio. Tentamos perceber se existem alterações do fluxo, se existem diminuições do calibre dos vasos que possam causar depois doenças ou patologias.”

Quem chega às mãos de Ana Catarina Fonseca vem sempre na sequência de um AVC, mas a via de chegada varia – pode vir pelas urgências, pelo internamento ou pelas consultas. O dopler é um dos exames utilizados nesta circunstância, para tentar descobrir as causas do AVC, mas nessa procura pelas razões de um vaso sanguíneo do cérebro cessar a sua função ficam por apurar as causas a um terço dos doentes. Os meios existentes são insuficientes, não são “suficientemente sensíveis para detetar as causas” e o que Ana Catarina Fonseca está agora a desenvolver é um exame que seja mais eficaz na descoberta das causas desses 33% de AVCs em Portugal.


Leia a entrevista à CEO da L’Oréal Portugal sobre os prémios Mulheres na Ciência


É justamente esta Imagem Cardíaca no Acidente Vascular Cerebral que valeu à médica uma das Medalhas de Honra da L’Oréal. A ideia é desenvolver uma metodologia mais sofisticada, com outros métodos complementares de diagnóstico, para perceber se estes são mais sensíveis do que aqueles que são utilizados atualmente. Se a hipótese de Ana Catarina Fonseca estiver correta, os diagnósticos de AVC por causa indeterminada hão de diminuir consideravelmente.

“Estamos a utilizar substâncias cardíacas, a estudar melhor a estrutura do coração e por outro lado utilizar biomarcadores do sangue, tentando perceber se a presença de certas proteínas ajudam a apontar para uma causa específica.”

Isto significa que Ana Catarina Fonseca tem já suspeitas sobre potenciais causas do AVC, mas, cientista como é, recusa-se a avançar em entrevista essas hipóteses. Ri-se, desconstrói o ar sério que tem mantido na conversa, mostra-se deliciada com as possibilidades, mas recompõe-se depressa, retoma a postura séria.

“Não podemos falar já dos resultados, precisamos de ter uma amostra de 220 doentes. Ainda vamos a meio.”

Foi o desafio que levou a cientista a interessar-se pelo AVC. Sendo uma doença muito comum em Portugal, sendo a segunda causa de morte no País, e tendo altos índices de mortalidade e de incapacitação das pessoas afetadas, faltam ainda muitos dados sobre a ela. A investigação que o prémio L’Oréal vem agora facilitar permitirá dar os primeiros passos no desenvolvimento de terapêuticas aplicáveis a doentes após o AVC e deixar caminho feito para que se pensem em outras formas de prevenção para os casos cujas razões hoje continuam por determinar.

É Ana Catarina Fonseca que refere, ainda na cerimónia, que as condições para fazer ciência em Portugal são muito semelhantes às que encontrou nos Estados Unidos da América quando ali trabalhou. Na entrevista que deu ao Delas.pt tinha já afirmado que o menor corpo científico existente no País representa oportunidades de ascensão de carreira mais rápida, de possibilidades de coordenar equipas mais cedo, de assinar em primeiro lugar as investigações e os projetos que desenvolve.

“A ciência não se faz sozinha.” Diz a cientista e agradece na cerimónia aos professores, à família e aos amigos, num discurso breve e contido, e ainda à L’Oréal. Este prémio de 20 mil euros, já nos disse, vai direitinho para comprar materiais de investigação, reagentes, fazer com que a pesquisa não pare e no fim de tudo, vai salvar mais vidas que é, também, o que lhe importa.